Prejuízo à sociedade

Três ministros do Supremo votam por anular extensão automática de patentes

Autor

5 de maio de 2021, 20h06

A prorrogação automática do prazo de patentes caso o trâmite de aprovação delas demore muito confere vantagem excessiva aos detentores dos títulos — pois isso impede a entrada de outros concorrentes no mercado, mantendo preços altos de produtos e prejudicando consumidores, especialmente no campo da saúde.

Rosinei Coutinho/SCO/STF
Toffoli disse que extensão automática de patentes viola função social da propriedade
Rosinei Coutinho/STF

Esse foi o entendimento firmado pelos ministros Dias Toffoli, relator, Nunes Marques e Alexandre de Moraes ao votarem, nesta quarta-feira (5/5), para declarar a inconstitucionalidade do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/1996). O julgamento será finalizado na sessão do Plenário desta quinta (6/5).

O dispositivo prevê que, caso o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) demore para analisar pedidos de patente — por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior —, ela pode ter seu prazo prorrogado.

A Procuradoria-Geral da República moveu ação direta de constitucionalidade contra o dispositivo. Toffoli, o relator do caso, suspendeu liminarmente, em 7 de abril, a aplicação da prorrogação de prazo às patentes, mesmo que pendentes, de produtos farmacêuticos e materiais de saúde, que só poderão vigorar por 15 anos (modelo de utilidade) e 20 anos (invenção).

Toffoli expôs a primeira metade do seu voto de mérito na quinta passada (29/4) e terminou de lê-lo na sessão desta quarta. O ministro apontou que o artigo 40, caput, da Lei de Propriedade Industrial, estabelece os prazos fixos de vigência da patente de 20 anos para invenções e de 15 anos para modelos de utilidade, contados da data de depósito. Porém, citou, o parágrafo único do mesmo dispositivo determina que, a contar da data de concessão da patente, o prazo de vigência não será inferior a dez anos para a de invenção e a sete anos para a de modelo de utilidade.

"Por exemplo, na hipótese do INPI demorar dez anos para deferir um requerimento de patente de invenção, essa vigerá por mais dez anos, de modo que, ao final do período de vigência, terão transcorrido 20 anos desde o depósito. Em outro exemplo, caso a autarquia demore 15 anos para deferir o pedido, estando garantido que a patente vigerá por mais 10 anos desde a concessão, ao final do período de vigência terão transcorrido 25 anos desde a data do depósito", explicou o ministro.

Ele também destacou que o titular tem o direito de obter indenização pela exploração indevida de seu objeto desde a data de publicação do pedido. "A proteção patentária, portanto, não se inicia apenas com a decisão final de deferimento do pedido, sendo interessante notar que a lei considera o requerente como presumivelmente legitimado a obter a patente, salvo prova em contrário, conforme o artigo 6º, parágrafo 1º, da Lei de Propriedade Industrial", disse o relator, citando que o parágrafo único do artigo 40 acabou por tornar o prazo de vigência das patentes indeterminado, pois depende do tempo de tramitação do processo no INPI.

A Constituição, ressaltou Toffoli, protege a propriedade industrial, mas assegura que, a partir de certo prazo, os demais agentes da indústria possam usar a invenção, em respeito à livre concorrência. No entanto, o parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial permite o adiamento da entrada da concorrência no mercado e a exclusividade sobre o produto por tempo excessivo, impactando os preços e o acesso dos consumidores a tais itens, opinou o magistrado.

A extensão do prazo de vigência de patentes afeta diretamente as políticas públicas de saúde e dificulta o acesso dos cidadãos a remédios, ações e serviços médicos, afirmou Toffoli, destacando que os mais prejudicados são os que dependem do Sistema Único de Saúde.

Por sua vez, Nunes Marques declarou que, ao pretender proteger os investidores, o Legislativo não pode violar a função social da propriedade, a livre concorrência e os direitos do consumidor.

Segundo o ministro, é preciso haver um prazo definido para a exploração de uma patente. Caso contrário, concorrentes deixam de entrar no mercado e fazer uso das invenções protegidas. E a sociedade é prejudicada, especialmente em um momento de epidemia, como o atual.

Já Alexandre de Moraes destacou que o artigo 5º, XXIX, da Constituição, deixa claro que a patente é protegida, mas tem prazo, o que busca atender aos interesses sociais, tecnológicos e econômicos do Brasil. O dispositivo estabelece que "a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país".

De acordo com o ministro, o parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial desrespeita o binômio proteção do investidor-interesse nacional.

O binômio constitucional do artigo 5º, XXIX, da Constituição, se equilibra na temporalidade das patentes. "No momento em que permite que essa temporalidade seja prolongada ad aeternum ou por um prazo injustificado, no momento em que passa a se existir uma imprevisibilidade da patente, me parece que temos uma inconstitucionalidade. Aqui se inverte, fica como se a regra fosse a duração ad aeternum da patente, e gera inúmeros problemas", avaliou Alexandre, citando os atrasos, acúmulos e preferências nos processos de análise de patentes.

E isso desrespeita, a seu ver, os princípios da segurança jurídica, impessoalidade, eficiência e razoável duração do processo administrativo.

"O prolongamento [da patente] acaba gerando um monopólio. Prejudica aqueles que, após o prazo de lei, querem entrar na livre concorrência. Se a empresa não sabe quando vai começar o prazo inicial a ser contado, não vai nem iniciar seus investimentos. É uma forma também de afugentar concorrentes", opinou Alexandre.

"Não podemos afirmar qual é o prazo final de vigência de nenhuma patente no Brasil. Isso afeta o binômio proteção do investidor-interesse nacional. Há uma desproporcionalidade nessa norma ao estabelecer um termo inicial indefinido, de escolha absolutamente discricionária da administração pública. Essa indefinição não permite a compatibilização entre a função social da propriedade e a invenção."

Propostas de modulação
Toffoli sugeriu modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial, de forma que a decisão só passe a valer a partir da publicação da ata do julgamento. Assim, ficaria mantida a validade das patentes já deferidas e ainda vigentes.

Conforme a proposta do relator, ficam ressalvadas da modulação as ações judiciais em curso até a data da publicação da ata do julgamento e as patentes concedidas com extensão de prazo relacionadas a produtos e processos farmacêuticos e a equipamentos ou materiais de uso em saúde. Nesses casos, a decisão teria efeitos retroativos, respeitado o prazo de vigência da patente estabelecido no caput do artigo 40 da norma.

Porém, Nunes Marques e Alexandre de Moraes preferiram esperam o fim do julgamento antes de opinar sobre a modulação dos efeitos da decisão.

Ordens do voto
Além de declarar a inconstitucionalidade do dispositivo, Dias Toffoli reconheceu o estado de coisas inconstitucional quanto à vigência das patentes no Brasil.

Dessa forma, o ministro ordenou que o INPI, em um ano, tome as seguintes medidas: contrate servidores em quantidade suficiente para atender às suas demandas; priorize medidas de recuperação de documentos para dar encaminhamento aos pedidos de patentes que, em razão de ilegibilidade documental, estão retidos ainda na fase de exame formal preliminar; priorize o desenvolvimento e a implantação de soluções tecnológicas que lhe permitam otimizar o fluxo de pedidos de patentes e de seus procedimentos de exame, para evitar que assuntos iguais sejam tratados de forma desigual por examinadores distintos; e cumpra as metas do Plano de Combate ao Backlog de Patentes, estabelecido pela instituição em 2019.

A autarquia também deverá obedecer às determinações do Tribunal de Contas da União e passar a publicar, em seu site, as filas de pedidos de patentes pendentes de decisão final e as informações de estoque e de tempo médio de tramitação dos requerimentos em fase de segunda instância administrativa.

O relator ainda determinou que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), conforme decisão do TCU, publique os critérios de exame a serem seguidos por seus analistas no âmbito da anuência prévia de patentes de medicamentos (prevista no artigo 229-C da Lei de Propriedade Industrial).

E mandou a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, também conforme recomendação do TCU, estabelecer rotinas de identificação de pedidos de patentes que contenham tecnologias relevantes para o atendimento à população, por meio das políticas públicas de acesso a medicamentos.

Nunes Marques concordou com Dias Toffoli que há um estado de coisas inconstitucional quanto à vigência das patentes no Brasil. Contudo, Alexandre de Moraes discordou em relação a esse ponto.

"Não se trata de ausência de proteção à propriedade industrial ou à sociedade após os prazos previstos na lei. Retirando a indefinição, a regulamentação está solucionada. Não há um vácuo, a meu ver, que acabe levando a um estado de coisas inconstitucional", analisou Alexandre.

Clique aqui para ler o voto de Dias Toffoli
ADI 5.529

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!