Imbróglio jurídico

Cacique tenta fatiar julgamento no TSE para tomar posse como prefeito

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30 de junho de 2021, 11h36

A possibilidade de o Tribunal Superior Eleitoral fatiar o julgamento de um recurso que tem a tramitação travada por conta de uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal é a grande esperança de que o Cacique Marquinhos Xukuru (Republicanos) possa tomar posse como prefeito de Pesqueira (PE).

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Cacique condenado por crime em contexto de disputas inter-étnicas foi eleito prefeito de Pesqueira (PE), mas ainda não assumiu
Marcelo Camargo/Agência Brasil

O líder indígena foi eleito em 2020 com 51,6% dos votos, mas teve a candidatura impugnada pelo Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco, que o considerou inelegível devido a uma condenação criminal em segunda instância por ter participado do incêndio de uma casa em 2003, no contexto de conflitos inter-étnicos na região.

Cacique Marquinhos cometeu o crime ao lado de outras 35 pessoas, após ser alvo de emboscada e tentativa de assassinato. O caso gerou uma das condenações do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). O tribunal considerou que houve perseguição política e que o governo não garantiu proteção e propriedade coletiva da terra das populações tradicionais.

A pena final do cacique foi fixada pelo Tribunal Regional Eleitoral da 5ª Região em 4 anos de reclusão, mas a punibilidade foi extinta por indulto concedido pela então presidente Dilma Rousseff em 18 de julho de 2016. Para o TRE pernambucano, essa é a data em que começa a contar a inelegibilidade de oito anos.

O enquadramento do cacique se deu pelo artigo 1º, inciso I, alínea E da Lei Complementar 64/1990, que considera inelegível os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 anos após o cumprimento da pena, por alguns crimes — dentre eles, contra o patrimônio privado.

Abdias Pinheiro/TSE
Julgamento do caso no TSE está travado por tramitação de ADI no STF questionando trecho da Lei da Ficha Limpa
Abdias Pinheiro/TSE

Para a defesa do Cacique Marquinhos, o caso dele não se enquadra na hipótese porque o artigo 250, parágrafo 1º, alínea A do Código Penal — causar incêndio em casa habitada — protege a incolumidade pública. Logo, não pode ser equiparado para fins de incidência de inelegibilidade a crimes contra o patrimônio privado.

A defesa também defende que a o prazo de inelegibilidade seja contado a partir da decisão condenatória de segundo grau, e não do cumprimento da integral da pena. Aponta ofensa ao princípio da proporcionalidade.

Esse trecho foi incluído na alínea E do artigo 1º, inciso I da LC 64/1990 pela Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010). O problema é que ele é alvo da Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.630 no Supremo Tribunal Federal ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT).

Relator, o ministro Nunes Marques concedeu liminar em dezembro de 2020 para suspender a expressão “após o cumprimento da pena” tão somente “aos processos de registro de candidatura das eleições de 2020 ainda pendentes de apreciação, inclusive no âmbito do TSE e do STF”. A Procuradoria-Geral da República já recorreu da decisão.

Fellipe Sampaio/SCO/STF
No STF, ministro Nunes Marques suspendeu expressão "após o cumprimento da pena" para prazo de inelegibilidade da alínea E
Fellipe Sampaio/SCO/STF

Durante o recesso forense, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, recebeu pedido de tutela antecipada para aplicação da liminar do ministro Nunes Marques ao caso do cacique, mas indeferiu. Decidiu suspender a tramitação do recurso especial eleitoral até que o STF se pronuncie na ADI 6.630.

Na última terça-feira (29/6), o TSE começou a julgar agravo em que a defesa do prefeito eleito pede o fatiamento do julgamento: que primeiro, decida se a condenação por incêndio caracteriza inelegibilidade ou não, deixando para depois a análise do termo inicial para o prazo de oito anos.

Para o relator, ministro Sergio Banhos, o julgamento fatiado do recurso é “medida bastante temerária, pois pode redundar em resultado inócuo”. Isso porque se a tese recursal foi acolhida, ainda assim não será possível concluir o julgamento para deferir ou não o registro. Será necessário aguardar o julgamento da ADI 6.630 no STF. Esse entendimento foi acompanhado pelo ministro Carlos Horbach.

Abriu a divergência o ministro Luiz Edson Fachin, para quem o fatiamento é possível diante das especificidades do caso. Se o TSE entender que o crime de incêndio não gera inelegibilidade, o processo se resolve, pois não fará diferença o termo inicial dos oito anos de suspensão dos direitos políticos.

Para ele, o fatiamento é “medida razoável”, sendo “admissível a pretensão de ver examinada a tese que pode resolver a lide”. Destacou o princípio da duração razoável do processo e o respeito à vontade das urnas.

Pediu vista para melhor análise o ministro Alexandre de Moraes.

0600136-96.2020.6.17.0055

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