Qual é a finalidade da Medida Provisória 966/2020?
17 de maio de 2020, 17h35
A Medida Provisória 966, de 13 de maio de 2020, dispõe sobre a “responsabilização de agentes públicos por ação e omissão em atos relacionados com a pandemia da Covid-19”.
Seu artigo 1º afirma: “Os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as medidas de: I- enfrentamento da emergência de saúde pública decorrentes da pandemia da Covid-19; e II- combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia da Covid-19”.
§ 1º. A responsabilização pela opinião técnica não se estenderá de forma automática ao decisor que a houver adotado como fundamento de decidir e somente se configurará:
I- Se estiverem presentes elementos suficientes para o decisor aferir o dolo ou o erro grosseiro da opinião técnica; ou
II – O mero nexo de causalidade entre a conduta e o resultado danoso não implica responsabilização do agente público.
Em primeiro lugar é extremamente discutível se a matéria é de fato relevante e urgente no contexto constitucional tendo em vista a existência mansa e pacífica de várias normas de responsabilização dos agentes públicos no direito brasileiro, quer na Constituição, quer no ordenamento jurídico brasileiro.
Não se vislumbra a intenção de quem formulou a referida MP.
O artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, dispõe: “ As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Sempre os agentes públicos poderão ser responsabilizados por seus atos, não só por força da Constituição Federal, mas segundo antigos princípios jurídicos que advém dos Códigos Civis promulgados ao longo do tempo e mesmo do clássico Direito Administrativo, desde sempre.
O exercício da função administrativa envolvendo a saúde pública e a pandemia não é, em absoluto causa de extinção ou de mitigação de responsabilização administrativa, civil ou mesmo penal.
Ao contrário do Direito Privado, em que a responsabilidade exige sempre um ato ilícito (contrário à lei), no Direito Administrativo ela pode decorrer de atos ou comportamentos que, embora lícitos, causem a pessoas determinados ônus maior do que o imposto aos demais membros da coletividade.
Os agentes públicos não podem jamais em um Estado de Direito, ser isentos ou imunes a responsabilização por seus atos, lícitos ou ilícitos.
Por sua vez, o artigo 28 da chamada Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb), relativamente recente estabelece: “O agente público responderá pessoalmente por suas decisões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro”.
Haverá dolo quando o gestor agir com intenção de praticar um ato contrário à Administração Pública. A demonstração da ocorrência do dolo, normalmente refletida em uma fraude, pressupõe o exame de elemento subjetivo que dependerá de ampla instrução judicial ou administrativa. Já a ocorrência de erro grosseiro é de mais fácil verificação.
Não existe medida provisória que possa afastar a relação de causalidade necessária e suficiente entre a ação ou omissão estatal e o resultado danoso. É claro que, se o resultado danoso proveio de evento imputável exclusivamente ao próprio lesado ou de fato de terceiro ou pertinente a realidade natural, não há responsabilidade do Estado.
Mas não há como, a priori, impedir a análise da relação de causalidade para impedir a incidência da responsabilização do agente público.
Prossegue a medida provisória a prever em seu artigo 2º: “Para fins no disposto nesta medida provisória, considera-se erro grosseiro o erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia”.
Art. 3º. “Na aferição da ocorrência do erro grosseiro serão considerados:
I – Os obstáculos e as dificuldades reais do agente público;
II – A complexidade da matéria e das atribuições exercidas pelo agente público;
III – A circunstância de incompletude de informações na situação de urgência ou emergência;
IV – As circunstâncias práticas que houveram imposto, limitado ou condicionado a ação ou a omissão do agente público e;
V – O contexto de incerteza acerca das medidas mais adequadas para enfrentamento da pandemia de Covid-19 e das suas consequências, inclusive as econômicas”.
Por outro lado, a Lindb já mencionada, igualmente prevê em seu artigo 22 e seu parágrafo 1º a hipótese de o agente encontrar obstáculos e dificuldades ao interpretar normas jurídicas e suas circunstâncias fáticas.
Dispõe:
"Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.
§ 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente."
A pergunta que fica: por que e para que a MP foi editada?
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