Direto do Carf

Stock options: como o Carf pode colaborar com o Legislativo e o Judiciário?

Autores

  • Ludmila Mara Monteiro de Oliveira

    é doutora em Direito Tributário pela UFMG com período de investigação na McGill University conselheira titular integrante da 2ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 2ª Seção do Carf e professora de Direito Tributário da pós-graduação da PUC-Minas.

  • Regis Xavier Holanda

    é presidente da 2ª Seção do Carf especialista em Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro pela Universidade Católica de Brasília ex-presidente de turma da 3ª Seção do Carf ex-secretário-executivo da Comissão de Ética Pública da Presidência da República ex-corregedor-geral do Ministério da Economia ex-corregedor da Presidência da República ex-corregedor adjunto e setorial da CGU e ex-membro do Conselho de Administração da Autoridade Portuária de Santos S/A e do Conselho Fiscal da NAV Brasil S/A.

27 de março de 2024, 8h00

O segundo semestre do ano passado trouxe uma série de motivos para que os já pulsantes debates acerca da tributação dos planos de stock options (planos de opção de compra de ações) ganhassem novos contornos e ainda mais os holofotes.

Os fatos que merecem destaque ocorreram…

… no Poder Legislativo

Em agosto, aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal o Projeto de Lei nº 2.724/2022, que dispõe sobre o regime dos planos de outorga de opção de compra de participação societária – Marco Legal do Stock Options. Para justificar a proposta, afirma que sua importância

“surge em razão da falta de norma regulamentar dispondo a respeito do tema, o que, por si só, dificulta uma melhor atuação do Judiciário, como também da jurisprudência administrativa não havendo uma linha homogênea de raciocínio, gerando grande insegurança jurídica por parte dos beneficiários e das sociedades e desestimulando o ambiente dos negócios” [1].

Embora dito inexistir “uma linha homogênea de raciocínio”, no parágrafo imediatamente subsequente, afirma o autor da proposta, de modo contraditório, que

“o Tribunal Superior do Trabalho já rechaçou a ideia de que os valores recebidos com base em Opção de Compra de Participação Societária têm caráter remuneratório, tendo em vista que se trata de uma forma interessante de estimular oportunidades, atraindo profissionais com o objetivo de desenvolverem inovações e poderem participar de resultados” [2].

E, em arremate, a despeito de pacificação, conforme evidenciado pelo texto da própria propositura, “conclui[u]- se que a Opção de Compra de Participação Societária tem natureza mercantil” [3]. Calha a transcrição, no que importa, do disposto no PL nº 2.724/2022:

“Art. 2º São elementos intrínsecos aos instrumentos do Planos de Opções:

I – a outorga de direitos (Outorga) ou concessão de opções de compra

(Concessão);

II – o cumprimento de condições mínimas necessárias para o exercício do direito outorgado ou recebimento das opções (Vesting), com período de pelo menos 12 (doze) meses; e

III – o valor a ser pago pelo Beneficiário à Sociedade Emissora para o exercício de opção de compra de ações (Preço de Exercício).

Parágrafo único. A Opção de Compra de Participação Societária outorgada nos termos previstos nesta Lei possui natureza exclusivamente mercantil, conforme previsão contida artigo 168, §3º da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e não se incorpora ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista, previdenciário ou tributo.”

… no Poder Judiciário

Nos últimos dias de expediente forense de 2023, o Superior Tribunal de Justiça decidiu afetar os REsps 2.069.644/SP e 2.074.564/SP para, sob a sistemática dos recursos repetitivos, “definir a natureza jurídica dos planos de opção de compra de ações de companhias por executivos (stock option plan), se atrelada ao contrato de trabalho (remuneração) ou se estritamente comercial, para determinar a alíquota aplicável do imposto de renda, bem assim o momento de incidência do tributo” [4] (Tema de nº 1.226).

Spacca

Houve a determinação de sobrestamento da tramitação de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, versando sobre a temática em trâmite na segunda instância, comprovando a premência de determinação do cariz da verba, ante a ausência de pacificação nesse sentido.

… no Poder Executivo

O Carf, órgão colegiado, paritário, integrante da estrutura do Ministério da Fazenda, vem sofrendo substanciais modificações em sua composição, desde o ano passado, seja pelo vencimento do mandato de experientes conselheiras e conselheiros que integravam o órgão desde 2015, seja pela redistribuição dos assentos junto às turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais, seja pelo incremento de vagas, com expectativa de ingresso de novos julgadores nos próximos meses.

O órgão vinculado ao Poder Executivo, em exercício atípico de atividade judicante, tem por finalidade julgar recursos de ofício e voluntário contra decisão de 1ª instância, bem como os recursos de natureza especial, versando sobre a aplicação da legislação referente a tributos administrados pela Receita Federal.

A importância da atuação do Carf veio a ser destacada pelo Tribunal Superior do Trabalho, ressaltando o ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, que o

“órgão de segunda instância administrativa em matéria tributária e aduaneira, já se deparou com casos em que restou comprovado o desvirtuamento da conformação inicial das stock options, com o evidente intuito de se afastar a incidência de contribuições previdenciárias sobre as parcelas” [5].

Naquela assentada, frisada a importância de que seja levado a cabo uma “investig[ação] minuciosa, caso a caso, [d]as regras dos planos de opções, a fim de que se verifique o seu real alcance e, eventualmente, a existência de subterfúgios contratuais destinados a mitigar a eficácia das normas tutelares do trabalho” [6].

Mas, afinal, o que são os planos de stock options?

Embora não seja projeto recente da criação humana, uma vez que sua gênese remonta à década de 50 nos Estados Unidos [7], a globalização, o desenvolvimento tecnológico e o crescimento das start ups impulsionaram sua utilização.

As opções de compra de ações são definidas como instrumentos derivativos que outorgam ao adquirente o direito de comprar ações de determinada empresa por um valor antecipadamente fixado no presente, a ser exercido em data futura. Para ter tal direito, o adquirente paga um prêmio à vista para ter o direito de, até determinada data, adquirir o ativo por um valor já estipulado na data da outorga da opção.

As employee stock options, como o nome já sugere, são opções de compra de ações concedidas ou já incluídas no pacote de remuneração do obreiro, estipulando-se a possibilidade de aquisições de ações da empresa a um preço determinado por um determinado período de tempo. Há, neste caso, o desembolso apenas do valor correspondente às ações na data do exercício da opção, sem a necessidade de pagamento de um prêmio.

Em resumo, o estabelecimento de um plano de stock options se dá da seguinte forma:

– preestabelece-se um preço para as ações;

– marca-se uma data futura para que a ação possa ser adquirida por aquele preço, se mantida a permanência do profissional na companhia; e,

– vencida a data e durante algum tempo, fica o beneficiário com a opção de adquirir ações da companhia pelo preço anteriormente determinado, independente do valor de mercado da ação.

A jurisprudência — até o momento — majoritária da CSRF do Carf

Substancial número de decisões sobre a temática foi proferido pela 2ª Turma da CSRF nos últimos anos sustentando a natureza remuneratória da verba.

Destacado que “o simples fato de uma empresa ofertar aos seus trabalhadores, um plano de outorga de opção pela compra de ações de forma onerosa, não pode ser fundamentação isolada para a configuração de fato gerador de contribuições previdenciárias” [8]. Reconhecido ser “possível atribuir ao Stock Options Plan (SOP) uma natureza de operação mercantil, desde que estejam presentes na situação concreta as características que afastam a natureza remuneratória (…)” [9].

Para o afastamento da natureza mercantil chamou a atenção, primeiramente, “o fato do empregado adquirir ações com deságio em relação ao mercado” [10]. Do escrutínio dos programas de opção de compra de ações acostado aos autos, concluiu-se que

“a condição para o exercício das opções de compra das ações está atrelada, em todos os casos identificados nos autos, ao cumprimento pelo beneficiário de um período de carência ou vesting, em inglês, chamado também de ‘período de maturação’, equivalente a 3 (três) ou 4 (quatro) anos, pelo qual deve permanecer prestando serviços à empresa.

Na minha compreensão dos fatos, é mais que evidente a natureza contraprestacional da vantagem oferecida em forma de opções de compra de ações, evidenciada pelo período de vesting, no qual o trabalhador deve persistir vinculado à empresa, oferecendo a sua força de trabalho.

(…)

Ademais, em todos os programas, há cláusulas específicas prevendo o tratamento às opções de compra e aos lotes de ações já passíveis de aquisição em casos de encerramento do contrato de trabalho ou fim do mandato do administrador, de aposentadoria ou invalidez permanente. Os eventos de dispensa que configure ou não justa causa recebem uma abordagem diferenciada (fls. 270, por exemplo).

Verifico, portanto, uma relação entre o benefício oferecido e a prestação de serviço pelo empregado ou administrador. Vale dizer, a empresa proporciona, por um lado, uma vantagem ao trabalhador; de outro, o colaborador deve continuar vinculado à contratante, prestando serviços pelo lapso de tempo mínimo estabelecido até adquirir o direito ao exercício das opções de compra das ações (opções maduras)” [11].

Noutra oportunidade, entendeu a CSRF que, além de “o plano não [ser] oferecido a todos os trabalhadores, mas apenas a diretores e altos executivos”[12], não passou despercebido “que a opção de compra era oferecida em caráter personalíssimo, não negociável ou transferível a terceiros, salvo em casos especiais, como a morte do beneficiário, assim mesmo transmissível apenas por herança” [13].

O caráter remuneratório passa a ser observado, no caso concreto, na medida em que os planos de stock options se revelaram como uma via oblíqua para que o empregado ou contribuinte individual continuasse a prestar seus serviços, de modo a auferir uma possibilidade de remuneração indireta.

Um ponto de inflexão

Em que pese a acachapante maioria dos precedentes da 2ª Turma da CSRF exibir o entendimento de ser a verba de natureza remuneratória, há um julgado que, por maioria, defendeu ostentar cariz mercantil.

Dito que da leitura do disposto no §3º do artigo 168 da Lei das Sociedades Anônimas – dispositivo referenciado no PL nº 2.724/2022, destacamos – seria possível “depreender (…) que a outorga é um ato societário, o que, a princípio, afasta os efeitos previdenciários que lhe foram atribuídos pela fiscalização” [14].

Além de entender ser o plano acessório ao contrato, sustentado que

“[o] rendimento, nessa hipótese, não é oferecido e nem pago ou creditado pela empresa, mas sim pelo mercado acionário, em decorrência do aumento do valor do ativo ação em razão de fatores mercantis, inclusive de fatores macro e microeconômicos, que fogem completamente ao controle da companhia” [15].

Conclui-se que “[s]obre a natureza mercantil dos planos (…), também em regra, eles são [i] voluntários e [ii] onerosos, além de trazerem um certo [iii] risco ao trabalhador” [16]. O primeiro requisito decorreria da ausência de imposição para a adesão ao plano, ao passo que o segundo diz respeito ao fato de não terem sido as ações concedidas de forma gratuita. Por derradeiro, a terceira condição inarredável e cumulativa para a caracterização do plano como de natureza mercantil repousa na volatilidade do mercado.

Embora tenham sido três as notas fixadas para a caracterização do plano como sendo de natureza mercantil, certo que a multiplicidade de situações fáticas que se descortinam acaba dificultar a enunciação de uma regra geral. Ainda que discrepe o precedente da jurisprudência majoritária da CSRF, resta bem evidenciado que a conclusão obtida esteve umbilicalmente atrelada à análise do caso em específico, com todas as suas particularidades.

Conclusão

Os planos de stock options (planos de opção de compra de ações), por serem tipo de investimento de longo prazo, acabam ganhando especial destaque em momentos de crise. A jurisprudência da 2ª Turma da CSRF vinha, em composição diversa da que ora se apresenta, entendendo que: 1) em regra, os planos de stock options ostentam natureza remuneratória; 2) a data do fato gerador é coincidente com a data do exercício do direito de compra; e, 3) a base de cálculo é apurada a partir da diferença positiva entre o preço de mercado da ação na data do exercício e o preço da ação antecipadamente fixado na data de outorga das opções.

Os precedentes emanados do Carf podem – e devem – auxiliar tanto o Poder Legislativo quanto o Judiciário para a pacificação da querela. Não podem, contudo, olvidar que o rótulo oferecido à verba é insuficiente para caracterizá-la como remuneratória ou mercantil. Apenas uma acurada análise das condições estabelecidas no plano é que poderá o intérprete, com segurança, afirmar estarem (ou não) sujeitas à incidência das contribuições previdenciárias. De bom alvitre lembrar: fórmulas simples não resolverão problemas complexos!

*Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

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[1] Cf. o excerto extraído às f. 7 da proposição legislativa disponível em: <https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9208027&ts=1695054542107&disposition=inline>. Acesso em: 25 mar. 2024.

[2] Idem.

[3] Idem.

[4] Disponível em: <https://www.stj.jus.br/docs_internet/processo/precedentes/2023/116_boletim_precedentes_stj_20231219.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2024. Merece registro a indisponibilidade dos sistemas informatizados judiciais do STJ durante o período de 23 a 31 de março, razão pela qual obstada a consulta das últimas movimentações lançadas no Tema de nº 1.226 do STJ.

[5] TST. AIRR nº 443-31.2015.5.02.0070, rel. min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 04/02/2022.

[6] Idem.

[7] Lyon, Charles S. Employee Stock Options under the Revenue Act of 1950. Columbia Law Review, n. 1 (1951), p. 1/58. Disponível em: < https://doi.org/10.2307/1118677>.

[8] CARF. Acórdão nº 9202-007.378, Redatora Designada Cons.ª ELAINE CRISTINA MONTEIRO E SILVA VIEIRA, sessão de 27 de nov. 2018 (qualidade).

[9] Idem. A fundamentação replicada no acórdão prolatado pela CSRF foi extraída do decisium recorrido: CARF. Acórdão nº 2401-004.861, Redator Designado Cons. CLEBERSON ALEX FRIESS, sessão de 6 de jun. 2017 (qualidade).

[10] Idem.

[11] Idem.

[12] CARF. Acórdão nº 9202-005.968, Redatora Designada MARIA HELENA COTTA CARDOZO, sessão de 26 de set. 2017 (qualidade).

[13] Idem.

[14] CARF. Acórdão nº 9202-010.506, Cons. JOÃO VICTOR RIBEIRO ALDINUCCI, sessão de 22 de nov. 2022 (por maioria).

[15] Idem.

[16] CARF. Acórdão nº 2402-010.654, Cons. Rel. GREGÓRIO RECHMANN JUNIOR, sessão de 12 de nov. de 2022 (desempate pró-contribuinte).

 

Autores

  • é doutora em Direito Tributário pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), com período de investigação na McGill University; pós-doutora e mestra pela UFMG; vice-presidente da 2ª Seção do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais); conselheira da 2ª Turma da CSRF (Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf); professora.

  • é presidente da 2ª Seção do Carf, especialista em Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro pela Universidade Católica de Brasília, ex-presidente de turma da 3ª Seção do Carf, ex-secretário-executivo da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, ex-corregedor-geral do Ministério da Economia, ex-corregedor da Presidência da República, ex-corregedor adjunto e setorial da CGU e ex-membro do Conselho de Administração da Autoridade Portuária de Santos S/A e do Conselho Fiscal da NAV Brasil S/A.

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