Opinião

Aspectos tributários das operações de fundos de endowment

Autores

  • Leonardo Lucci

    é mestre em Direito Tributário (PUC-SP) especialista em Direito Tributário (PUC-SP) professor assistente no curso de especialização em Direito Tributário (Cogeae-PUC/SP) pesquisador do Instituto de Aplicação do Tributo (IAT) e advogado.

  • Thaís dos Santos Barros

    é advogada no Gaia Silva Gaede Advogados. Especialista em Direito Tributário (FGV-SP).

18 de março de 2024, 20h55

A promulgação da Lei nº 13.800/2019, ao regulamentar os fundos de endowment, possibilitou às entidades sem fins lucrativos uma importante ferramenta para angariar e gerir os recursos que lhes são destinados, proporcionando, assim, sustentabilidade financeira de longo prazo e perenidade da instituição.

Não obstante o indiscutível aprimoramento que o endowment trouxe para o setor social, há, ainda, um considerável entrave para a sua disseminação no país: a ausência de disciplina tributária condizente com a natureza do instituto. Neste contexto, surge a importante tarefa de analisar, de maneira sintética, as implicações tributárias associadas à constituição e operação do endowment.

O endowment é um fundo patrimonial destinado à reserva de patrimônio para amparar atividades de interesse público. Seu propósito primordial é assegurar a estabilidade financeira da instituição responsável por sua administração, preservando o valor doado a longo prazo, sendo os rendimentos utilizados em prol de suas metas institucionais e de entidades sem fins lucrativos, denominadas em lei como “instituições apoiadas”.

Deve ser criado e administrado por entidades sem fins lucrativos, na forma de fundação ou associação privada, denominadas como organização gestora do fundo patrimonial (OGFP), que tem o objetivo exclusivo de atuar na captação e gestão das doações e do patrimônio constituído em prol de alguma instituição apoiada.

Percebe-se, assim, que a legislação do endowment prescreve responsabilidades distintas para a OGFP e para a instituição apoiada, o que nos permite inferir que há, legalmente, uma distinção entre essas entidades, já que são independentes e com funções distintas, embora compartilhem um mesmo objetivo final: o de promover ações benemerentes.

Tributação

Sob o prisma dos aspectos tributários, é relevante destacar que, embora houvesse uma intenção inicial por parte do legislador de estender os benefícios fiscais da imunidade e da isenção tributária das entidades sem fins lucrativos à OGFP, essa medida foi vetada pelo presidente da República, com base no potencial impacto na renúncia fiscal.

Diante deste contexto, é perceptível que, embora o endowment possua um regime jurídico específico, as regras tributárias que lhe são aplicáveis seguem as normas gerais do direito tributário. Essa situação nos leva a questionar se a OGFP, enquanto administradora do endowment, também estaria acobertada pelas imunidades e isenções fiscais destinadas às entidades sem fins lucrativos.

Conforme visto, a Lei nº 13.800/2019 estipula que a criação do endowment tem como propósito apoiar instituições sem fins lucrativos, com o objetivo de captar, administrar e destinar doações para programas, projetos e outras iniciativas de interesse público, a ser gerenciado e administrado por uma OGFP, visando constituir uma fonte de recursos de longo prazo, preservando o capital e aplicando seus rendimentos.

No que tange à aplicação dos rendimentos do endowment pela respectiva OGFP, é relevante considerar que a imunidade e a isenção tributária sobre a renda outorgadas às entidades sem fins lucrativos não abrangem os rendimentos e ganhos de capital obtidos em aplicações financeiras de renda fixa ou variável, conforme prescrevem o §1°, artigo 12 e artigo 15, ambos da Lei nº 9.532/1997.

Portanto, os rendimentos provenientes de aplicações financeiras em rendas fixas ou variáveis pelo endowment, por meio da OGFP, não estão abrangidos pela imunidade e isenção tributárias e, consequentemente, estão sujeitos à tributação pelo IRPJ e CSLL.

Spacca

Por outro lado, quando esses rendimentos são resgatados pela OGFP e destinados à instituição apoiada, não haveria incidência de tributação sobre esta operação, uma vez que a instituição apoiada está amparada pelas regras imunizantes e isentivas e sobre ela já não incide mais a exceção à regra da imunidade e da isenção tributária sobre os rendimentos provenientes de aplicações financeiras em rendas fixas ou variáveis previstas na Lei nº 9.532/1997.

Depreende-se, portanto, que a imunidade e a isenção tributárias conferidas à instituição apoiada não se estendem à OGFP, uma vez que são regras subjetivas e não devem ser ampliadas além do previsto na legislação tributária. Além disso, a própria operação em si, sendo exceção à regra, prevê a tributação dos rendimentos auferidos, os quais, por serem obtidos pelo endowment através da OGFP, estão sujeitos ao IRPJ e a CSLL.

Pis, Cofins e ITCMD

Ademais, importante mencionar que as instituições de caráter filantrópico, recreativo, cultural e as associações sem fins lucrativos e que prestem serviços para os quais houverem sido instituídas e os coloquem à disposição do grupo de pessoas a que se destinam estão sujeitas à contribuição para o PIS, a qual é determinada com base na folha de salários, à alíquota de 1%, nos termos do inciso IV do artigo 13 da MP nº 2.158/2001. Em relação a Cofins, o artigo 14, X desta mesma MP, prescreve uma isenção tributária às receitas relativas às atividades próprias, observado o já citado artigo 13.

Como mencionado, a OGFP deve ser uma instituição privada sem fins lucrativos, constituída na forma de fundação ou associação, e que atua, exclusivamente, na captação e gestão de doações ao endowment. Deste modo, e desde que a OGFP seja uma entidade sem fins lucrativos e que atue, exclusivamente, na captação e gestão de doações ao endowment, destinando essas verbas às instituições apoiadas sem uma finalidade lucrativa, as regras atinentes ao PIS e a isenção em relação à Cofins seriam aplicáveis também à OGFP, além das instituições apoiadas.

Essa conclusão decorre da legislação vigente e que já foi, inclusive, manifestada pela Receita Federal do Brasil por meio da Solução de Consulta Cosit 178/2021.

No âmbito da doação, em si, vale ressaltar que, não obstante a instituição apoiada seja beneficiada por imunidade e isenção tributárias, nos termos da Lei nº 10.705/2000, do estado de São Paulo, esse benefício não se estende à OGFP, pelos mesmos fundamentos mencionados acima, resultando na tributação das doações destinadas a este fundo. Assim, as doações para o endowment estão sujeitas ao ITCMD, à alíquota de 4%, por exemplo, no estado de São Paulo, caso ultrapassem o limite estabelecido de 2.500 Ufesps.

É importante observar que a ausência de jurisprudência específica sobre o tema em nível estadual destaca a complexidade do assunto. Em síntese, enquanto as doações ao endowment em benefício da instituição apoiada estão isentas de ITCMD, as destinadas exclusivamente ao fundo podem estar sujeitas a essa tributação, o que implica riscos fiscais caso a OGFP opte por não realizar o recolhimento.

Conclusão

Diante do exposto, é evidente que o endowment proporciona uma fonte estável de recursos para instituições sem fins lucrativos. No entanto, sua gestão e operação envolvem considerações tributárias cruciais que devem ser cuidadosamente ponderadas antes da adoção desse modelo.

Ademais, é imperativa a regulamentação tributária adequada para o endowment, estendendo as imunidades e isenções tributárias para a OGFP.

Caso contrário, pode ocorrer um esvaziamento na atratividade desse tipo de fundo, uma vez que doações diretas para entidades sem fins lucrativos poderiam ser percebidas como mais vantajosas.

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!