Opinião

Nova Lei de Licitações e a 'emergência fabricada' pela administração

Autor

  • Laércio José Loureiro dos Santos

    é mestre em Direito pela PUC-SP procurador municipal e autor do livro Inovações da Nova Lei de Licitações (2ª ed. Dialética 2023 — no prelo) e coautor da obra coletiva A Contratação Direta de Profissionais da Advocacia (coord.: Marcelo Figueiredo Ed. Juspodivm 2023).

13 de março de 2024, 18h18

Este artigo tem a finalidade de apontar quais seriam as providências necessárias na hipótese de “emergência fabricada”, ou seja, situação em que a própria inoperância interna da administração pública é a responsável pela situação de “emergência previsível” ou “emergência fabricada”.

Desculpas esfarrapadas são corriqueiras na administração pública inobstante sua inutilidade do ponto de vista jurídico.

“Argumentos” imputando a morosidade de outro(s) setor (es) ou a essencialidade e relevância da respectiva secretaria são igualmente inúteis do ponto de vista jurídico dada a previsibilidade óbvia e ululante.

“Vai faltar remédio”, é o “argumento” daquele setor de saúde que sempre soube da necessidade de aquisição regular de medicamentos e  “esquece” do planejamento para “forçar” a compra sem licitação. Até mesmo a hipótese de corrupção de “baixo meretrício” deve ser levada em consideração nesta análise diante da argumentação pueril e estranha.

Planejamento

O fato é que a imensa maioria da administração pública não tem o mais rudimentar planejamento apesar da previsão escancarada do artigo 174 da Constituição Federal:

“Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.” (grifos nossos)

A nova lei “admite” a “emergência fabricada”. Usamos o termo “admite” no sentido de que aceita, lamenta e sanciona sua ilícita existência.

O sentido da expressão “admite” significa que o serviço público bem como a proteção ao patrimônio, bens e pessoas não podem ser ignorados em razão da inoperância contumaz do administrador público.

Spacca

A “emergência fabricada” é efeito colateral da “ineptocracia” incrustada na administração pública que tem como principais características a “reatividade” (aguardar a água entrar pelos ouvidos para só então começarem as providências) e a mais absoluta falta de planejamento.

A “ineptocracia” institucionalizada, porém, não pode prejudicar a situação dos administrados.

A expressa previsão no artigo 5º da NLLC das regras da Lindb (DL 4.657/42), notadamente nos artigos 20 a 22 reforça a necessidade de respeito às consequências que possam atingir bens, pessoas e serviços.

Limites ao contrato de emergência ‘fabricada’

Uma maneira de conter os ímpetos dos “fabricantes de emergências” é a limitação temporal (aparentemente aumentada na nova lei) e a vedação de prosseguimento com o mesmo contratado que presta serviços em razão da dispensa.

O termo inicial do período de emergência também mudou. É a própria situação de emergência e NÃO a assinatura do contrato. Assim:

“VIII – nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a continuidade dos serviços públicos ou a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para aquisição dos bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 1 (um) ano, contado da data de ocorrência da emergência ou da calamidade, vedadas a prorrogação dos respectivos contratos e a recontratação de empresa já contratada com base no disposto neste inciso;” (grifos nossos).

Ou seja, o lapso temporal do contrato de emergência surge da própria emergência e não da assinatura do contrato ou de qualquer ato burocrático da administração pública. Para o administrador público membro da “ineptocracia” o prazo, provavelmente, será menor, já que, por definição, tal modalidade de “administrador” deixa tudo para a undécima hora.

Outro aspecto da “emergência fabricada” é o fato de que ocorrer uma contratação às pressas não exclui a necessidade de compatibilidade com os preços de mercado. O uso do “preguinho” deve ser observado como defesa dos próprios servidores para a demonstração da mencionada compatibilidade com o mercado.

Outro fato que não pode passar despercebido é a necessidade de haver manifestação expressa dos setores de licitação sobre a necessidade de licitação (regra geral e republicana) que deverá estar finalizada como contrato substituto ao “contrato de emergência fabricada”.

Além disso, devem ser apuradas as responsabilidades pelo desleixo contumaz que obrigou a contratação de emergência para situações corriqueiras e previsíveis. Nesse diapasão, prevê o §6º do art. 75 da Lei Federal nº 14.133/2.021:

“§ 6º Para os fins do inciso VIII do caput deste artigo, considera-se emergencial a contratação por dispensa com objetivo de manter a continuidade do serviço público, e deverão ser observados os valores praticados pelo mercado na forma do art. 23 desta Lei e adotadas as providências” necessárias para a conclusão do processo licitatório, sem prejuízo de apuração de responsabilidade dos agentes públicos que deram causa à situação emergencial.”

Conclusão

Em síntese: a inoperância da administração pública não pode deixar cidadãos à míngua de serviços essenciais, porém, o contrato da “emergência fabricada” não poderá ser prorrogado, o preço deverá ser compatível com o mercado, a licitação deve ter andamento durante a vigência do contrato de emergência e deverá, necessariamente, haver apuração das responsabilidades (no mínimo, a abertura de sindicância).

Outra cautela é que a comunicação ao setor de licitações, obviamente, deve ser feita, por escrito, pelo setor responsável já que a “ineptocracia” cria “analfabetos por conveniência”.

Autores

  • é mestre em Direito pela PUC-SP, procurador municipal e autor do livro Inovações da Nova Lei de Licitações (2ª edição, Dialética, 2.023) e coautor da obra coletiva A Contratação Direta de Profissionais da Advocacia, (coordenador: Marcelo Figueiredo, Ed. Juspodivm, 2.023).

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