Opinião

Estudo técnico preliminar na Lei de Licitações e Contratos de 2021

Autor

  • Antonio Cecilio Moreira Pires

    é advogado consultor jurídico doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP professor de direito administrativo chefe do núcleo temático de direito público coordenador do curso de pós graduação lato sensu em Direito Administrativo e Administração Pública pelo sistema EAD da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

15 de abril de 2024, 15h23

Dizia-se que a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, havia se tornado anacrônica, isto sem mencionar o seu exagerado formalismo. Por conta disso, muitos esperavam que a nova legislação trouxesse consigo a tônica da simplicidade.

Esta expectativa restou frustrada com a publicação da Lei 14.133, de 1º de abril de 2021, que inovou, significativamente, o instituto das licitações e contratos administrativos, trazendo uma série de exigências que devem ser observadas ao longo das fases interna e externa, de modo a estabelecer novos procedimentos, dentre outras inovações.

A administração pública, ainda que tenha providenciado o indispensável treinamento de seus servidores, se vê diariamente assaltada pelas mais diversas dúvidas, ante a inegável complexidade da nova Lei de Licitações e Contratos (NLLC), dificultando a sua interpretação.

Nesse sentido, uma das primeiras dúvidas, percebidas por conta de nossa atividade, diz respeito ao estudo técnico preliminar (ETP), que se constitui em documento de extrema relevância para o atendimento da necessária legalidade e sucesso da licitação, revelando-se com um dos instrumentos do atendimento ao princípio do planejamento.

Com efeito, o ETP encontra-se disciplinado pelo artigo 6º, inciso XX, que traz o conceito do estudo técnico preliminar como documento constitutivo da primeira etapa do planejamento de uma contratação, que deve, em caráter preliminar, caracterizar o interesse público envolvido e a sua melhor solução. Em outras palavras, a administração deve identificar o problema que deve ser resolvido com a futura contratação, concluindo ao final, pela melhor solução para o atendimento do caso em concreto.

Posteriormente, o artigo 18, § 1º, elenca os elementos que devem constar do ETP, tais como a descrição da necessidade da contratação, considerando o problema a ser resolvido; previsão da contratação no plano anual de contratações, se existente; requisitos da futura contratação, como por exemplo, os documentos de habilitação que deverão ser apresentados; estimativas das quantidades para a contratação acompanhado da  memória de cálculo, levantamento mercadológico, que consiste na análise das alternativas possíveis, dentre outros requisitos.

Preço de mercado

Spacca

Será em razão do levantamento mercadológico que, além de possibilitar a avaliação das diversas especificações do objeto, a administração deverá o obter o preço de mercado do objeto da licitação, com vistas a viabilizar o valor de seu orçamento, fruto da conhecida pesquisa de preço. Contudo, cabe lembrar que o legislador, para efeito da elaboração do orçamento, deu considerável ênfase para a utilização de preço públicos, tais como aqueles constantes de atas de registro de preços e  contratos administrativos, dentre outras possibilidades determinadas pelo artigo 23, § 1º da Lei nº 14.133/21.

Diga-se de passagem que o TCU, no âmbito do Acórdão nº 1.875/21, de relatoria do ministro Raimundo Carneiro, restou decidido que, preferencialmente, o orçamento da administração deve decorrer de preços públicos — contratos e atas de registro de preços —,  relegando a pesquisa de mercado como uma última hipótese, em face da ausência de preços públicos.

Lembramos, por oportuno, que o acordão em comento se dirige à União [1]. Os demais entes federados, estados, Distrito Federal e municípios não estão adstritos à decisão do TCU. Ou seja, não estão obrigados ao estabelecimento de qualquer preferência para integrar a cesta de preço, podendo utilizar não só os preços públicos, como também a pesquisa de mercado, com no mínimo três fornecedores, mediante solicitação formal de cotação de preços, e com a devida justificativa para a escolha do fornecedor, em se tratando da contratação de aquisição de bens e de serviços em geral, nos termos do artigo 23, § 1º.

Em se tratando de obras e serviços de engenharia, a regra encontra-se insculpida no artigo 23, § 2º, que deve ser alvo de regulamentação.

Esse dispositivo determina que, para contratação de obras e serviços de engenharia, o valor estimado da contratação deverá ser acrescido do percentual de benefícios e despesas indiretas (BDI) de referência e dos encargos sociais (ES) cabíveis. A utilização dessa sistemática para a obtenção do valor do orçamento será definida por meio da utilização de parâmetros na seguinte ordem:

  1. utilização do Sistema de Custos Referenciais de Obras (Sicro) para serviços e obras de infraestrutura de transportes ou do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices de Construção Civil (Sinapi) para as demais obras e serviços de engenharia;
  2. utilização de dados de pesquisa publicada em mídia especializada, de tabela de referência formalmente aprovada pelo Poder Executivo federal e de sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, desde que contenham a data e a hora de acesso;
  3. contratações similares feitas pela administração pública, em execução ou concluídas no período de um ano anterior à data da pesquisa de preços, observado o índice de atualização de preços correspondente;
  4. e, finalmente, pesquisa na base nacional de notas fiscais eletrônicas, na forma de regulamento.

Preços públicos

Com relação à utilização de preços públicos, necessário se faz registrar inquietante preocupação, pois essa hipótese exige a verificação das especificações do objeto, constante dos instrumentos celebrados. Que fique claro, exige-se verificar se este objeto, contempla especificações iguais, ou minimamente, similares com aquele que será licitado.

Além disso, outros aspectos que podem influir no preço e, portanto, devem ser examinados com a devida cautela, dizem respeito ao local de entrega ou de realização do serviço, eventuais fretes etc. Caso esses requisitos não sejam considerados, o orçamento obtido estará em descompasso com o objeto da licitação, condenando o procedimento ao irremediável fracasso.

Lembramos que a questão do preço é elemento fulcral para o exame e julgamento objetivo do certame, sob pena de se chegar a uma indesejável distorção, caracterizada por um preço subestimado, inviabilizando a contratação, ou superestimado, ensejando uma contratação com sobrepreço.

Ainda, com relação à pesquisa de preços, é recomendável que a administração alcance o maior número possível de elementos, referências e dados para que seja apurado o valor estimado das contratações, o mais próximo possível do preço de mercado.

Por fim, dúvida que vem assaltando os agentes públicos é aquela consistente na seguinte pergunta: todos as licitações demandam a elaboração de estudo técnico preliminar? Tenho para mim que não! Note-se que o artigo 72, inciso I, da NLCC menciona que as dispensas e inexigibilidades serão instruídas, dentre outros elementos, pelo documento de formalização da demanda e, se for o caso, estudo técnico preliminar e, portanto, depreende-se a possibilidade de se afastar a elaboração do ETP.

Nesse sentido, caso a administração queira estabelecer as hipóteses de exclusão do ETP, isso enseja a regulamentação da matéria mediante decreto do chefe do Executivo [2]. Aliás, medida que pode refletir ganhos de qualidade à contratação e afastando os custos desnecessários, prestigiando a eficiência e economicidade.

 


[1] INSTRUÇÃO NORMATIVA SEGES /ME Nº 65, DE 7 DE JULHO DE 2021

Dispõe sobre o procedimento administrativo para a realização de pesquisa de preços para aquisição de bens e contratação de serviços em geral, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.

[2] O Estado de Pernambuco regrou a matéria por meio Decreto Estadual n° 53.384 de agosto de 2022, apontando as hipóteses obrigatórias e não uma obrigatoriedade geral.

Autores

  • é advogado, consultor jurídico, doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, professor de direito administrativo, chefe do núcleo temático de direito público, coordenador do curso de pós graduação lato sensu em Direito Administrativo e Administração Pública, pelo sistema EAD, da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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