Opinião

Lei de Licitações: é cabível o uso de recurso administrativo numa contratação direta?

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24 de abril de 2024, 20h56

Imagine o seguinte: numa contratação direta por dispensa em razão do baixo valor (artigo 75, II da Lei nº 14.133/2021 e anexo do Decreto nº 11.871/2023), após a “divulgação de aviso em sítio eletrônico oficial, pelo prazo mínimo de 3 (três) dias úteis, com a especificação do objeto pretendido e com a manifestação de interesse da Administração em obter propostas adicionais de eventuais interessados” (artigo 75, § 3º da Lei nº 14.133/2021), dois interessados apresentam propostas e um deles é inabilitado.

Em tal cenário, o interessado que foi inabilitado pode interpor recurso administrativo?

Veja, a Lei Geral de Licitações e Contratos estabelece que cabe recurso no prazo de três dias úteis contado da data de intimação ou de lavratura da ata em face de ato de habilitação ou inabilitação de licitante (artigo 165, I, “c”).

Ou seja, em sua literalidade, o Código de Compras Públicas faz menção expressa ao licitante, dando a entender que só se falaria em inabilitação recorrível quando estivéssemos diante de uma licitação e não numa contratação direta.

Todavia, tal interpretação literal não nos parece ser a melhor.

Lições dos especialistas e decisão do TCE-PR

E, para rejeitá-la, vamos primeiramente nos socorrer das lições de Anderson Pedra [1], que, dentre os expoentes da doutrina, é o único que de forma bastante clara defende que “é possível também o manejo de recursos administrativos em face de decisões contidas em procedimentos auxiliares da licitação1 (art. 78), em processos de contratação direta (art. 72), em processos de padronização (art. 43) e em processos sancionatórios (arts. 166 e 167)”.

Spacca

Em segundo lugar, fazemos menção ao que restou decidido pelo pleno do Tribunal de Contas do Paraná no Acórdão nº 1714/23 exarado nos autos do Processo nº 394110/23, vez que ali se afirmou que “o direito de recorrer, contido no art. 165, I, ‘c’, da Lei Federal nº 14.133/2021,2 nos termos do respectivo caput, está previsto em relação a todos os atos da administração decorrentes da aplicação daquela lei, dentre os quais o de inabilitação de licitante (inciso I, alínea ‘c’), sem que seja feita qualquer distinção entre processos licitatórios e processos de contratação direta”.

E para que não existam dúvidas sobre o acerto de Anderson Pedra e do TCE-PR é preciso lembrar que, como bem destaca Fernanda Marinela [2], “diversos meios de controle são definidos hoje pelo ordenamento jurídico nacional, alguns de maior utilização prática e importância considerável, e outros com utilização mitigada e determinados interesses, mas também relevantes para a eficácia do controle administrativo e, consequentemente, uma questão mais responsável e segura. São meios de controle: a fiscalização hierárquica, a supervisão ministerial, o direito de petição, o processo administrativo, incluindo os recursos administrativos”.

Ora, sendo o recurso administrativo uma importante ferramenta para o exercício do necessário controle da administração pública, cabe fazer alusão aos dizeres contidos no caput do artigo 169 da Lei, onde se assevera que “as contratações públicas deverão submeter-se a práticas contínuas e permanentes de gestão de riscos e de controle preventivo, inclusive mediante adoção de recursos de tecnologia da informação, e, além de estar subordinadas ao controle social”.

Conclusão

De tal sorte, em última análise, podemos concluir que: em nome do controle social, não se pode amesquinhar o uso dos recursos administrativos previstos no artigo 165 do novo Marco Legal das Contratações Públicas apenas e tão somente nas licitações e nos contratos, sendo, portanto, vedado impedir o exercício do direito de recorrer nas hipóteses de contratação direta.

 


[1] Pedra, Anderson Sant’Ana, artigo 164, Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos: Lei nº 14.133, de 1º de Abril de 2021 – Volume 2, Fortini, Cristiana; Oliveira, Rafael Sérgio Lima de; Camarão, Tatiana (Coord.)., Belo Horizonte: Fórum, 2022, pág. 520.

[2] Marinela, Fernanda, Direito administrativo, 9ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2015, pág. 1.378.

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