Opinião

Impactos da aplicação da taxa Selic para correção das dívidas civis

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11 de março de 2024, 13h20

No último dia 6 de março, foi julgado pela Corte Especial do STJ o Recurso Especial nº 1.795.982/SP, que trata da aplicação da taxa Selic para correção das dívidas civis cobradas judicialmente, em detrimento da correção monetária por índices inflacionários, acrescida de juros de mora de 1% ao mês.

O julgamento teve uma votação bastante apertada (6 votos a 5) pela adoção da taxa Selic para correção das dívidas; o voto divergente do ministro Raul Araújo conduziu e serviu de esteio para os votos dos ministros Benedito Gonçalves, Isabel Gallotti, Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha e Maria Thereza de Assis Moura, que entenderam pela adoção da taxa Selic para correção das dívidas civis.

Ficaram vencidos os ministros Luis Felipe Salomão, Relator do Recurso, Antonio Carlos Ferreira, Humberto Martins, Mauro Campbell e Herman Benjamin.

Segundo a divergência aberta pelo ministro Raul Araújo, que foi acompanhado pela maioria do colegiado, a adoção da taxa Selic para correção das dívidas civis seguiria a própria letra da lei, mais precisamente o artigo 406 do Código Civil. Esse dispõe que os juros moratórios das dívidas civis devem seguir a mesma taxa vigente para a mora de pagamento dos impostos devidos à Fazenda Nacional, in casu a Selic.

Mesmo que tenha se decidido pela aplicação da Selic para a correção destas dívidas, o julgamento ainda não teve, de fato, um desfecho, uma vez que foram levantadas três questões de ordem pelo ministro Luis Felipe Salomão, que pendem de deliberação pela Corte, quais sejam:

(i) a nulidade do julgamento em razão da ausência dos Ministros Og Fernandes e Francisco Falcão;
(ii) a falta de clareza sobre qual das formas da taxa Selic seria adotada para fins de correção monetária, entre a multiplicação dos fatores diários da Selic, desde o início até o fim da correção da dívida (Selic Composta), ou se pela soma dos acumulados mensais da taxa e
(iii) falta de clareza no voto condutor, sobre a aplicação da taxa em casos em que os juros de mora tem incidência em data anterior ao termo inicial da correção monetária.

Gesrey/Freepik

Após os ministros João Otávio Noronha, Nancy Andrighi e Maria Thereza de Assis Moura terem votado pelo indeferimento de tais questões, o ministro Mauro Campbell pediu vistas, suspendendo a finalização do julgamento em si.

A adoção da taxa Selic em oposição à forma tradicional de correção monetária dos débitos civis, com correção monetária e juros de mora de 1% ao mês, é defendida por muitos setores da economia, tais como bancos e seguradoras, não apenas pela exposição destes players no Poder Judiciário, mas também porque para eles a forma de atualização das dívidas judiciais é incondizente com o momento econômico do país, além de estar muito distante da realidade atual da inflação, contribuindo para a judicialização extrema e litigância abusiva.

Contraponto

O contraponto aos argumentos favoráveis à adoção da taxa Selic era de que a Selic é instrumento de política monetária do Banco Central no combate à inflação para momento futuro, não se prestando para correção de dívidas, que possuem um caráter pretérito.

Além disso, a taxa não teria em si o caráter punitivo ao devedor, em caso de mora, favorecendo a litigância em si, com seu enriquecimento ilícito. Pelo fato de a Selic ter coincidência de termos iniciais para correção monetária e cômputo de juros de mora, sua adoção afrontaria diretamente as Súmulas 54 e 362 do próprio STJ.

Ainda que o pedido de vistas tenha suspendido a sua finalização, o julgamento com formação de maioria pela Corte Especial é de alta relevância. Não apenas pela mudança na forma tradicional de correção das dívidas civis cobradas judicialmente, mas sobretudo para aqueles casos em que a composição dos juros moratórios não tenha sido previamente ajustada.

É incontroverso que a dívida civil corrigida apenas pela Selic atinge valor bem mais baixo do que se fosse corrigida pela forma tradicional (cômputo de juros de mora mensal de 1% ao mês, com correção por índice inflacionário). A diferença (gritante) é digna de todo frisson que esse julgamento causou.

Destaca-se que o precedente firmado não tem os efeitos vinculantes típicos dos julgamentos dos recursos repetitivos, mas representa nova interpretação do STJ acerca da matéria, que, em tempo, deverá a ser seguida pelas Instâncias inferiores, afetando todas as cobranças lançadas ao crivo do Poder Judiciário.

Contudo, mesmo que não siga o rito dos repetitivos, a modulação de seus efeitos ganha um caráter urgente e é autorizada pelo próprio artigo 927, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil, sobretudo porque a para preservação do interesse social e segurança jurídica.

E essa ansiedade da comunidade jurídica tem razão de ser:  atualmente, a maioria dos processos indexados tramita perante a Justiça Estadual, sendo que destes, mais de 6 milhões de casos versam sobre descumprimento de obrigações e responsabilidades contratuais, conforme levantamento feito pelo CNJ em 2023 [1].

Saber se a Selic será utilizada para correção de valores nas demandas em curso, seja em fase de conhecimento, seja em fase de execução do julgado, é uma dúvida legítima, já que a adoção dessa taxa representa diminuição do valor envolvido no caso, com diminuição na expectativa de recebimento de valores pelo credor e alteração no provisionamento de passivo judicial pelo devedor.

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