Ambiente jurídico

Prescrição e processo administrativo ambiental

Autor

  • Talden Farias

    é advogado e professor de Direito Ambiental da UFPB e da UFPE pós-doutor e doutor em Direito da Cidade pela Uerj com doutorado sanduíche junto à Universidade de Paris 1 — Pantheón-Sorbonne Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e vice-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

9 de março de 2024, 10h42

É sabido que a aplicação de sanções administrativas pelo Poder Público, em obediência aos ditames constitucionais da segurança jurídica e da regular duração do processo, está sujeita aos prazos prescricionais disciplinados. A Lei 9.873/1999 estabelece da seguinte forma o prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal direta e indireta:

Art. 1°. Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.

§ 1º. Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.

§ 2°. Quando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.

Semelhante caminho é trilhado pela Lei 9.784/1999, a qual regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal:

Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

§ 1º. No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.

§ 2º. Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.

Isso implica dizer que o Estado dispõe do prazo de cinco anos para apurar a prática de infração administrativa, o que é contado a partir da ocorrência do fato ou, em caso de comprovada má-fé, do seu conhecimento, consoante dispõe o caput do artigo 1° transcrito acima.

Isso diz respeito a qualquer penalidade administrativa, independentemente da matéria em questão, seja ela tributária, de trânsito, consumerista ou ambiental.

De toda forma, o Decreto 6.514/2008, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ambientais e estabelece o processo administrativo ambiental federal, também dispõe especificamente sobre o assunto:

Art. 21.  Prescreve em cinco anos a ação da administração objetivando apurar a prática de infrações contra o meio ambiente, contada da data da prática do ato, ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que esta tiver cessado. 

§ 1o Considera-se iniciada a ação de apuração de infração ambiental pela administração com a lavratura do auto de infração. 

§ 2o Incide a prescrição no procedimento de apuração do auto de infração paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação.                

§ 3o Quando o fato objeto da infração também constituir crime, a prescrição de que trata o caput reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal. 

§ 4o A prescrição da pretensão punitiva da administração não elide a obrigação de reparar o dano ambiental.     

Entretanto, quando a prática da infração ambiental também constituir crime a regência do prazo prescricional terá como base aquele definido na lei penal, pois assim determina o § 2°do artigo 1º da citada lei e o § 3º do artigo 21 do citado decreto. Em matéria ambiental essa informação é especialmente relevante, uma vez que os tipos administrativos previstos no Decreto 6.514/2008 são praticamente uma transcrição dos tipos penais previstos na Lei n. 9.605/1998, que é conhecida como Lei de Crimes Ambientais. Logo, faz-se necessário verificar o prazo prescricional das infrações administrativas ambientais no Código Penal:

Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:

I – em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;

II – em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;

III – em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;

IV – em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;

V – em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;

VI – em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.

Prescrição das penas restritivas de direito

Parágrafo único – Aplicam-se às penas restritivas de direito os mesmos prazos previstos para as privativas de liberdade.  

Spacca

Na prática, por exemplo, vários tipos administrativos ambientais terão prazo prescricional distinto da regra geral. É a situação da multa administrativa ambiental simples por ausência de licença ambiental, por exemplo, que é prevista como infração administrativa e como crime ambiental punido com pena de detenção de um a seis meses, ou multa, ou ainda as duas penas simultaneamente.

Nesse caso, a prescrição se dará em três anos tendo em vista o que dispõe o inciso VI do artigo 109 transcrito. O prazo prescricional pode ser ainda menor se o fato tiver ocorrido antes da Lei 12.234/2010, já que essa aumentou de dois para três anos o prazo prescricional previsto no dispositivo mencionado.

Existe ainda a prescrição intercorrente, que se dá quando o processo administrativo fica paralisado por prazo superior a três anos, nos termos do que dispõem o § 1º do artigo 1º da Lei 9.873/1999 e o § 2º do artigo 21 do Decreto 6.514/2008.

Sobre a interrupção da prescrição do processo administrativo ambiental, o artigo 2º da Lei 9.873/1999 e o artigo 22 do Decreto 6.514/2008 dispõem sobre o assunto:

Art. 2º. Interrompe-se a prescrição da ação punitiva:

I – pela notificação ou citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital;

II – por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato;

III – pela decisão condenatória recorrível.

IV – por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito interno da administração pública federal.

Art. 22. Interrompe-se a prescrição:

I – pelo recebimento do auto de infração ou pela cientificação do infrator por qualquer outro meio, inclusive por edital;

II – por qualquer ato inequívoco da administração que importe apuração do fato; e

III – pela decisão condenatória recorrível.

Parágrafo único. Considera-se ato inequívoco da administração, para o efeito do que dispõe o inciso II, aqueles que impliquem instrução do processo.

Ao falar sobre ato inequívoco que importe apuração do fato, o intuito do decreto foi desconsiderar os despachos meramente formais ou protelatórios como causa de interrupção prescricional.

É evidente que a prática, às vezes costumeira em alguns órgãos ambientais, de se encaminhar o processo administrativo de um setor para outro sem a ocorrência de efetiva instrução processual, não poderia ser usada para impedir a prescrição. Com efeito, há que se procurar fazer a apuração efetiva do fato, seja do ponto de vista técnico ou jurídico.

Muitos órgãos ambientais estaduais e municipais utilizam o Decreto 6.514/2008 para fundamentar as suas sanções administrativas ambientais, bem como o correspondente processo administrativo ambiental. Não é permitido a tais órgãos tentar aplicar um regime prescricional diferente, não obstante integrem um outro nível federativo, uma vez que fazem uso da normativa federal.

Autores

  • é advogado e professor de Direito Ambiental da UFPB e da UFPE, pós-doutor e doutor em Direito da Cidade pela Uerj com doutorado sanduíche junto à Universidade de Paris 1 — Pantheón-Sorbonne, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e vice-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

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