Opinião

Motivação sucinta ou falta de motivação da sentença?

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9 de março de 2024, 13h21

O propósito desses apontamentos é distinguir a motivação sucinta (e válida) da falta de motivação de uma sentença ou de sua apresentação de forma deficiente/insuficiente, o que acarreta a nulidade do ato sentencial. Assim, convém primeiro recordar as noções sobre motivação da sentença para depois tratar dos aspectos relevantes que cercam essa questão.

A motivação ou a fundamentação da sentença constitui a sua principal parte (elemento essencial – artigo 489 do CPC), na qual, segundo Michele Taruffo [1], deve constar a exposição dos “argumentos em função dos quais o observador externo (as partes, os advogados, os outros juízes, a opinião pública) possa verificar que aquela decisão é lógica e juridicamente fundada”.

Nessa parte devem ser explicitadas as razões de fato e de direito que levam o julgador a acolher (total ou parcialmente) ou rejeitar o(s) pedido(s) formulado(s) pelas partes.

A fundamentação é, portanto, a exposição expressa e racional das razões de convencimento que embasam a decisão judicial (rationes decidendi); é a explanação das razões que amparam a convicção do julgador, que deve apresentar “uma justificação às partes quanto às questões de fato e quanto às questões de direito” [2], procurando explicar qual delas tem razão.

Se o magistrado não apresenta tais razões de forma suficiente (abordando os pontos importantes da ação ou da defesa), seu provimento será considerado imotivado.

Além de servir para que o próprio magistrado realize um juízo crítico das razões adotadas para decidir, a motivação, nas palavras de João Batista Gomes Moreira [3], “cumpre, dentre outros, o papel de persuadir as partes, sobretudo a parte que sucumbiu, de que a decisão não foi fruto de arbítrio, mas de adequado exame do fato, da norma e dos valores sociais”. A sentença adequada e suficientemente fundamentada desestimula a interposição de recursos.

Sucinta, mas não insuficiente

Spacca

A falta de motivação, ou a motivação falha ou deficiente, acarreta a nulidade da sentença. É o próprio Texto Constitucional que dispõe que as decisões judiciais deverão ser fundamentadas, “sob pena de nulidade” (artigo 93, IX, da CF/1988). Por sua vez, o Código de Processo Civil elenca, no § 1º do artigo 489, defeitos que configuram ausência de fundamentação adequada.

“Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão”, que, por exemplo, “II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador” (grifo do articulista).

Assim, “o juiz deve fundamentar todos os pontos relevantes da ação ou da defesa, tendo-se por relevante toda e qualquer suscitação de questão de fato ou de direito que pode influenciar o resultado do julgamento, no sentido de que, tendo-se por hipótese determinado resultado e a omissão do juiz, o ponto omisso poderia conduzir a conclusão diversa da que chegou o magistrado” [4].

É certo que a fundamentação não precisa ser longa ou exaustiva, podendo ser sucinta, objetiva, desde que não seja insuficiente, incompleta [5]. Infelizmente, às vezes, brevidade e concisão denotam ausência de motivação.

Ora, a sentença sucinta só é válida se apresentar as justificativas essenciais para a decisão tomada, isto é, o provimento deve trazer considerações sobre os argumentos relevantes apresentados pelas partes e que possam influenciar o resultado do processo. É claro que o julgador não precisa comentar todos os argumentos levantados pelos litigantes, porém aqueles mais importantes devem ser apreciados, como se espera num Estado democrático de Direito.

A marca da dialeticidade

Noutras palavras, a motivação pode ser sucinta, mas deve abarcar o contraditório participativo. Nesse sentido é enunciado nº 10 da Enfam a respeito do CPC de 2015:

“A fundamentação sucinta não se confunde com a ausência de fundamentação e não acarreta a nulidade da decisão se forem enfrentadas todas as questões cuja resolução, em tese, influencie a decisão da causa” (grifo do articulista).

O direito para o caso concreto deve exsurgir do confronto de argumentos e provas exibidos pelos litigantes. O juiz pode não acolher os principais argumentos de uma parte, sobretudo da que irá sucumbir, mas não pode ignorá-los em seu provimento.

Na verdade, a motivação do ato sentencial precisa ser suficiente para bem dirimir o conflito, abordando, mesmo que de forma mais concisa, as questões/aspectos jurídicos e fáticos relevantes da lide, sobretudo quando alegados por uma das partes.

Num Estado de feição democrática, em que o processo é o espaço comunicativo-discursivo concebido para viabilizar a participação dos contendores na composição do provimento final [6], a sentença deve ser marcada pela dialeticidade, isto é, o julgador deve mostrar que fez o contraste dos elementos probantes e bem sopesou os argumentos apresentados, buscando convencer as partes, a instância superior e, conforme o caso, esclarecer a opinião pública, fazendo com que aumente a confiança no Poder Judiciário.

Se o provimento é muito sintético e não atende a essas diretrizes, há de se reconhecer sua nulidade, pois atenta contra a Constituição e a lei processual, gera insatisfação e desconfiança, ou seja, não alcança legitimidade e pacificação social.

Enfim, uma boa decisão é identificada pelas boas razões em que se apoia, pela pertinência e completude de seus fundamentos, que não deixam de contemplar (ainda que para rechaçar) as alegações relevantes das partes.  Theodoro Júnior [7] ensina que “a boa sentença é aquela que não inspira suspeita e deixa a sociedade tranquila com relação ao seu conteúdo, graças à força de convencimento dos argumentos do magistrado”.

 

 


[1] TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. Trad. de Daniel Mitidiero, Rafael Abreu e Vitor de Paula Ramos. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p. 19.

[2] SOUZA, Wilson Alves de. Sentença civil imotivada. Caracterização da sentença civil imotivada no direito brasileiro. Salvador: JusPodivm, 2008, p. 201 e 202.

[3] MOREIRA, João Batista Gomes. Fundamentação Tridimensional da Sentença. In: Estudos. Revista da Universidade Católica de Goiás. Vol. 27, n. 4, out./dez. Goiânia: Editora da UCG, 2000, p. 883.

[4] SOUZA, Wilson Alves de. Sentença civil imotivada. Caracterização da sentença civil imotivada no direito brasileiro. Salvador: JusPodivm, 2008, p. 202

[5] SOUZA, Wilson Alves de. Sentença civil imotivada. Caracterização da sentença civil imotivada no direito brasileiro. Salvador: JusPodivm, 2008, p. 207

[6] CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 22.

[7] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Sentença. Direito Processual Civil ao Vivo. Vol. I. Rio de Janeiro: Aide, 1991, p. 16.

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