Guinada democrática

Proibir juiz de condenar após MP pedir absolvição elevaria imparcialidade de decisões

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31 de janeiro de 2024, 8h51

Uma vez que o Brasil adota o sistema processual penal acusatório, o juiz não pode condenar o réu em uma ação penal se o Ministério Público opina pela absolvição. Assim sendo, a extinção dessa possibilidade tornará os julgamentos mais imparciais e democráticos.

Advogados apoiam ideia de proibir juiz de condenar após MP pedir absolvição

Essa é a opinião dos advogados ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre o tema. Eles apoiam a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 1.122, por meio da qual a Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim) pede que o Supremo Tribunal Federal reconheça a não recepção do artigo 385 do Código de Processo Penal pela Constituição de 1988. A ação foi distribuída ao ministro Edson Fachin.

O artigo 385 do CPP tem a seguinte redação: “Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada”.

Esse dispositivo viola os princípios do devido processo legal e do contraditório, sustenta a Anacrim na ADPF, protocolada na segunda-feira (29/1). A petição foi assinada pelos advogados Lenio Streck, Jacinto Coutinho, James Walker (presidente da Anacrim), Marcio Berti e Victor Quintiere.

O criminalista Luís Guilherme Vieira, ex-membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça, diz ser óbvio que o artigo 385 do CPP não foi recepcionado pela Constituição de 1988. “Ulysses Guimarães está rouco de tanto de gritar. Não lhe dão ouvidos!”.

“O Judiciário tem de se conformar que o sistema acusatório vige desde 1988. E os ministros têm de parar de se queixar aqui e no exterior de que o número de ações ajuizadas anualmente é extremado, expondo o Brasil ao ridículo. A solução: cumpram o estatuído há 35 anos. O Estado democrático de Direito agradece”, fala Vieira.

A ADPF da Anacrim busca corrigir um “resto anacrônico do autoritarismo do CPP de 1941”, que já deveria ter sido expurgado do processo penal brasileiro desde a Constituição de 1988, avalia Aury Lopes Jr., professor de Direito Processual Penal da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Por causa da cultura inquisitória, “ainda temos esse absurdo de permitir ao juiz condenar sem pedido”, o que viola a base do princípio da correlação, aponta o advogado. Além disso, ressalta ele, o artigo 385 do CPP contraria a estrutura do objeto do processo penal, que é a pretensão acusatória do Ministério Público, titular exclusivo da acusação pública, e a regra mais elementar do sistema acusatório, da separação de funções e do ne procedat iudex ex officio (que impede o juiz de agir de ofício). O dispositivo, segundo Lopes Jr., também desrespeita o “princípio supremo do processo penal”, que é a imparcialidade do juiz.

“Inacreditavelmente, ainda tem gente que defende, com base em absurdos como a ‘busca da verdade real’ (quem fala isso não sabe o que é verdade e menos ainda o que seja o ‘real’) e o ativismo judicial inquisitório (juiz-ator-inquisidor), que um juiz condene de ofício. Mais apavorante ainda é ver membros do Ministério Público sustentarem que o juiz pode condenar sem acusação, ou seja, relegando o MP a uma função secundária, e decorativa até, no processo penal”, opina o professor.

No sistema acusatório, o juiz é o destinatário das alegações do MP e da defesa. Então não faz sentido o julgador condenar ou decretar medidas cautelares se não há pedido ou manifestação favorável da acusação, destaca Pierpaolo Cruz Bottini, professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo.

“É um processo de partes. O processo não é do juiz. Então o nosso sistema penal, previsto na Constituição de 1988, não recepcionou o artigo 385 do CPP”, argumenta o criminalista.

O ex-professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro Geraldo Prado, hoje investigador integrado ao Instituto Ratio Legis da Universidade Autônoma de Lisboa e consultor sênior do Justicia Latinoamérica (Chile), sustenta no livro Sistema Acusatório: A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais (Lumen Juris), de 1999, que, caso o Ministério Público peça a absolvição do réu, o juiz não está autorizado a condená-lo.

“Pelo contrário. Como o contraditório é imperativo para a validade da sentença que o juiz venha a proferir, ou, dito de outra maneira, como o juiz não pode fundamentar sua decisão condenatória em provas ou argumentos que não tenham sido objeto de contraditório, é nula a sentença condenatória proferida quando a acusação opina pela absolvição”, afirma Prado.

O fundamento da nulidade é a violação do contraditório, destaca ele. Afinal, quando o MP, em alegações finais, opina pela absolvição do acusado, “o que ocorre em concreto, no processo, é que o acusador subtrai do debate contraditório a matéria referente à análise das provas que foram produzidas na etapa anterior e que possam ser consideradas desfavoráveis ao réu”. “Como a defesa poderá reagir a argumentos que não lhe foram apresentados?”, questiona o processualista.

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