Opinião

Será que asfixiar as importações ajuda o clima?

Autores

  • Thiago Stuque Freitas

    é advogado sócio fundador do escritório Stuque Freitas e Ficher Sociedade de Advogados especialista (Processo Civil e Direito Tributário) mestre e doutorando em Direito e professor da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp).

  • Augusto Fauvel de Moraes

    é advogado sócio do Fauvel e Moraes Sociedade de Advogados e presidente da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB-SP.

26 de janeiro de 2024, 6h32

Grandes transformações têm pouco de coincidência, muito de persistência e, às vezes, elas vêm para atender interesses nada altruístas. A perseverança, ao que parece, é capaz de nos convencer até da hipótese mais improvável.

Quem poderia dizer, em 1919, que aos 41 anos de idade James Lovelock (pesquisador ambientalista) iria, na década de 60, idealizar teoria ambiental revolucionária, a Hipótese de Gaia?

Quem, em 1961, preveria que em 1970 a Hipótese de Gaia seria amplamente aceita pela maioria da comunidade científica? E quem se atreveria dizer, em 1975, que esse trabalho ao que tudo indica influenciaria obras hollywoodianas da estatura de O Dia Depois de Amanhã (2004) e o documentário que o ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore roteirizou, Uma Verdade Inconveniente (2006)?

Quem imaginaria ser possível, na aurora de 2007, após James Lovelock ser considerado pela revista Time um dos 13 líderes e visionários [1] mais influentes do mundo, um herói do meio ambiente, que ele reconheceria, cinco anos mais tarde, ter sido alarmista o tempo todo?

A Terra como superorganismo
Realmente, tomar decisões que impactam todo o planeta exige análise mais completa e menos açodada. A Hipótese de Gaia, por exemplo, traduz a crença de que “a Terra seria um superorganismo” [2] capaz de se autorregular e se defender. Logo, “de acordo com a hipótese, os organismos bióticos controlam os organismos abióticos” [3].

E do legado dessa crença, se arvoraram diversos estudos apontando um aquecimento global motivado pela queima de combustíveis fósseis só que, em geral, essas conclusões parecem distanciar-se de métodos cientificamente aceitos. Veja-se, nesse particular, trecho de artigo dedicado ao tema:

“Discorrer sobre o aquecimento global com base na Teoria de Gaia requer, preliminarmente, um esforço de desprendimento dos esquemas mentais adquiridos ou impostos na academia, como: as concepções, os métodos ou as fórmulas paradigmáticas” [4].

Dentre alguns problemas, como se vê, verifica-se já de princípio o afastamento da metodologia científica, sobretudo, a preocupação com a prova. Dizer que há 40 anos isso ou aquilo era diferente soa vazio de credibilidade, pois o que é 40 anos para um planeta de 4,5 bilhões de anos [5].

James Lovelock, inclusive, reconheceu essa perspectiva no ano de 2012 declarando, simplesmente, que foi alarmista sobre as ditas alterações climáticas e que “não há nada realmente acontecendo ainda” [6].

Só que, mesmo apesar de poucos dados concretos, Leis começaram a ser editadas, mundo afora, para transformar a base energética dos povos com o escopo de migrar o uso de motores a combustão, de custo barato, para motores elétricos, placas fotovoltaicas e motores movidos pela força do vento cujo custo é altíssimo dado o domínio tecnológico.

No Brasil
A Lei nº 12.187/2009 pode ser, grosso modo, considerada a primeira lei brasileira decorrente da ideia expressada pela Hipótese de Gaia envolvendo motores de combustão. O efeito prático desta lei, em suma, é a redução significativa do emprego de motores de combustão interna, veja-se o artigo 12:

“Art. 12. Para alcançar os objetivos da PNMC, o País adotará, como compromisso nacional voluntário, ações de mitigação das emissões de gases de efeito estufa, com vistas em reduzir entre 36,1% (trinta e seis inteiros e um décimo por cento) e 38,9% (trinta e oito inteiros e nove décimos por cento) suas emissões projetadas até 2020”.

Sob essa perspectiva, ambientada numa atmosfera de campanha midiática difusora, em larga escala, do ideário de energia segura, outras leis estão sendo gestadas. Chama atenção, dentre elas, o projeto de Lei 2.148/2015, o projeto de Lei 295/2023 e a Medida Provisória 1.205/2023.

O primeiro projeto, em resumo, se aprovado como está obrigará o(a) proprietário(a) de veículo equipado com motor a combustão a comprar, se o quiser usar, créditos de carbono. O segundo irá impedir, se aprovado também como está, a venda de veículos novos que utilizem motor de combustão interna.

Já a Medida Provisória, em vigor nos próximos meses, imporá intransponíveis condições à importação de veículos novos movidos a motor a combustão. E mais do que isso, com efeito, para favorecer a aquisição de tecnologias estrangeiras (claro!) serão, como explicado na exposição de motivos da sobredita Medida, “autorizados os seguintes valores globais para cada ano-calendário: para 2024, R$ 3,50 bilhões; para 2025, R$ 4,00 bilhões; e para 2026, R$ 4,25 bilhões.”

Bem, como quem “quer os fins, tem que dar os meios” [7] na exposição de motivos da Medida Provisória encontra-se os mecanismos para manutenção do equilíbrio econômico/fiscal, pois o artigo 14 da Lei complementar nº 101/2000 exige, dentre outras providências, o encontro de expediente capaz de promover compensação da renúncia/investimento fiscal.

E para variar, o investimento na tecnologia estrangeira será compensado via aumento de alíquotas de outros tributos, consequentemente, o povo pagará mais uma vez a extravagância. Não bastasse a já sufocante carga tributária há quem defenda ainda “o tributo como instrumento de tutela do meio ambiente” [8].

Haverá aumento no preço final de diversos produtos, sobretudo, os indispensáveis à vida moderna a citar, por exemplo, os veículos de motor de combustão porque, como bem se sabe, “o desenvolvimento material e intelectual da sociedade aumenta consideravelmente a gama das necessidades da própria vida” [9].

O caso indiano
Para se ter uma ideia do impacto daquelas ideias de Lovelock, a Índia, querendo atender esses anseios econômico/ambientalistas tomou, em 2016, US$ 1 bilhão [10][11] de empréstimo destinado ao investimento na área de energia solar, contraditoriamente, ainda hoje o investimento em saneamento básico se revela insatisfatório naquele país [12].

Investimentos em saneamento básico mitigam, sobremaneira, a degradação ambiental de atividades antrópicas, mas como pouco exigem destas novas tecnologias, o interesse de investimentos se mostra menor a indicar, intuitivamente, a busca de vantagem econômica subjacente.

Se tomado o caso da Índia, como exemplo, nota-se a escolha de investimento ambiental onde exige-se aquisição de tecnologia, pois em prol de uma dúvida (CO2 como causador de aquecimento global) uma certeza (ausência de saneamento básico) é negligenciada.

O saneamento básico carece de técnica já ao alcance dos países em desenvolvimento, assim, sua implementação gera pouca riqueza aos detentores destas novas tecnologias. Exceto, registre-se, a iniciativa do filantropo altruísta Bill Gates que financiou via Fundação Bill e Melinda Gates projetos focados em saneamento básico [13].

Querendo impor, entre nós, a migração de fontes energéticas derivadas de motores de combustão para elétricos a Medida Provisória nº 1.205/2023 se revela muito influenciada pelas concepções das teorias de James Lovelock, em diversos dispositivos, encontra-se menções claras às emissões de carbono, artigos 1º, IV, §1º, §2º, V e IX; 2º, §4º, §5º, I, IV, §6º e §8º além das penalidades do artigo 6º.

Vê-se, consequentemente, que o discrímen se apoia em dados e elementos indicadores distorcidos de realidade e, por isso mesmo, ela cria injusta discriminação. E não só, porque como o emprego de medida provisória tem caráter excepcional de ato normativo, pois ato legislativo de iniciativa do Presidente da República (art. 62 da Constituição da República), é de se reconhecer sua intuitiva limitação.

Há, ainda, manifesta inconstitucionalidade da Medida Provisória haja vista a criação de prazo para que o importador permaneça com o veículo importado, conforme se verifica de seu artigo 4º, §1º, II, MP.

Isso porque, não se pode impor a pessoa física importadora limitação da transferência da propriedade do veículo regularmente importado, pois o importador pagou todos os tributos e não teve sequer um incentivo ou isenção. Situação diversa, como se vê, de benefícios fiscais internos de isenções como, por exemplo, isenções por moléstia/doença grave que gera isenção a justificar, por isso mesmo, contrapartida da obrigatoriedade de permanecer por alguns anos sem a transferência de propriedade do veículo adquirido com benefício da isenção.

Além disso há, também, franca tentativa de “requentar” antiga exigência indevida da Receita Federal em relação a importação de veículos de forma independente ao prever, parágrafo 3º do artigo 4º da MP, que o conceito de usado está relacionado ao emplacamento e não ao estado de novo do veículo.

Entendimento do Judiciário
Sobre este tema, merece lembrança, o Poder Judiciário já tem a posição pacificada acerca do conceito de novo para fins de importação conforme se verifica de precedente do Egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região, apelação nº 0023907-04.2012.4.01.3400:

(…)

  1. O documento denominado “Certificate of Title”, exigido pela legislação norte-americana para que a exportadora efetue o procedimento de embarque do veículo importado para o país de destino, é ato meramente declaratório de propriedade, o qual, de forma alguma, desnatura a qualidade de novo do bem. [14]

Então, ainda que o veículo tenha — documentalmente — sido alvo de uma transferência no exterior, se não rodou (ou seja, se não foi utilizado para o fim a que se destina), ainda deve ser considerado novo para efeitos jurídicos.

Nas decisões judiciais sobre o assunto, o entendimento pacificado é de que questões formais não podem prevalecer sobre as de ordem material, porque, em última análise, é o direito material é o fim que o cidadão busca. Meras questões documentais relativas a ordenamentos internos de outros países, consequentemente, não devem afastar a conclusão inexorável de que o veículo é novo, porque jamais fora utilizado.

Logo, se revela ilegal a exigência do sobredito parágrafo terceiro do artigo 4º da referida MP.

Sob outro aspecto verifica-se que a iniciativa, de fato, é do presidente da República, mas o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de fixar entendimento de que “essa circunstância, contudo, não subtrai ao Judiciário o poder de apreciar e valorar, até, se for o caso, os requisitos constitucionais de edição das medidas provisórias” [15].

Logo, a criação injusta de um discrímen legítima a intervenção jurisdicional, afinal nenhuma lesão fica imune à apreciação do judiciário (artigo 5º, XXXV, da CR), nem mesmo as lesões perpetradas pelo legislador, eis aí uma “advertência permanente de que a onipotência do Estado tem limites” [16].

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao enfrentar questão similar a tratada aqui, deixou claro que “toda a atividade humana pode causar danos ao meio ambiente, não há ‘poluição zero’, de forma que a ideia de natureza intocada é um mito moderno” [17].

Portanto, esperava-se mais cuidado ao impactar toda nação, já que “reduzir as emissões de carbono significa reduzir a geração de energia elétrica, a mola propulsora do desenvolvimento e do bem-estar social, e condenar os países subdesenvolvidos à pobreza eterna e aos baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH)” [18].


[1] TIME, Heróis do Meio Ambiente. Disponível em: https://content.time.com/time/specials/2007/ completelist/0,29569,1663317,00.html. Acesso em: 10 jan. 2024.

[2] AZEVEDO, Reinaldo. Fim da Farsa. Disponível: https://veja.abril.com.br/coluna/reinaldo/fim-da-farsa-guia-espiritual-da-turma-do-aquecimento-global-confessa-8220-era-alarmismo-8221-leia-dilma-antes-de-se-submeter-a-patrulha-no-caso-do-codigo-florestal Acessado em 10 jan. 2024.

[3] Brasil Escola. A hipótese Gaia. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/ biologia/hipotese-gaia.htm Acessado em 10 jan. 2024.

[4] FILHO, Fadel David Antonio. O Aquecimento Global e a Teoria de Gaia: Subsídios para um Debate das Causas e Conseqüências. Disponível em: https://www.periodicos.rc.biblioteca. unesp.br/index.php/climatologia/article/view/720/633 . Acessado em 11 jan. 2024.

[5] STEINER, João. Como os cientistas sabem a idade da Terra? Disponível em: https://jornal.usp.br/radio-usp/atualidades-steiner_07-08-como-os-cientistas-sabem-a-idade-da-terra/ . Acessado em 11 jan. 2024.

[6] NBC NEWS. Cientista de ‘Gaia’ James Lovelock: Eu era ‘alarmista’ sobre as mudanças climáticas. Disponível in: https://www.nbcnews.com/news/world/gaia-scientist-james-lovelock-i-was-alarmist-about-climate-change-flna730066 . Acessado em 11 jan. 2024.

[7] PEREIRA, Cláudia Fernanda de Oliveira. A Constituição, que quer os fins, tem que dar os meios: o caso Fernando Carneiro. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mar-09/mp-debate-constituicao-fins-dar-meios-fernando-carneiro/  Acessado em 11 jan. 2024.

[8]CARVALHO, Valbério Nobre de; RIBAS, Lídia Maria L. R. O Tributo como instrumento de tutela do meio ambiente. Revista de direito ambiental, n° 54, RT, São Paulo, 2009. p. 185.

[9] ROSA, Roberto. Do abuso de direito ao abuso de poder. São Paulo: Malheiros, 2011.p. 61.

[10] REUTERS. Índia receberá mais de US$ 1 bilhão do Banco Mundial para metas solares de Modi Disponível em: https://www.reuters.com/article/india-solar-project-modi-world-bank-idINKCN0ZG0VH/ . Acessado em 11 jan. 2024.

[11] THE NEW INDIAN EXPRESS. Índia receberá mais de US$ 1 bilhão do Banco Mundial para metas solares de Modi. Disponível em: https://test.newindianexpress.com/business /2016/jun/30/India-to-get-over-1-billion-from-World-Bank-for-Modis-solar-goals-886754.html . Acessado em 11 jan. 2024.

[12] GATTUPALLI, Ankitha. Traduzido por SIMÕES, Diogo. Saneamento básico na Índia: passado, presente e futuro. Disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/1008746/saneamento-basico-na-india-passado-presente-e-futuro . Acessado em 13 jan. 2024.

[13] CABRERA, Rômulo. Iniciativa de Bill Gates transforma cocô em água limpa. Disponível em: https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2019/11/17/iniciativa-de-bill-gates-transforma-coco-em-fertilizante.htm?cmpid=copiaecola . Acessado em 13 jan. 2024.

[14] BRASIL. TRF1. Apelação nº 0023907-04.2012.4.01.3400. Relator desembargador Marcos Augusto de Sousa. Julg. 03/05/2021. Pub. 14/06/2021.

[15] BRASIL. Supremo Tribunal Federal, ADI 162 MC/DF, min. rel. Moreira Alves. Julg. 14.12.89. Pub. 19.09.97. extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://redir.stf.jus.br/paginador pub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=346219

[16] BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais? Tradução de José Manuel M. Cardoso da Costa. São Paulo: Almedina. p. 04

[17] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4a Região, Agravo de Instrumento nº 1998.04.01.016742-3, Terceira Turma, Rel. Marga Inge Barth Tessler. Porto Alegre, j. 02 de setembro de 1998. Disponível em <http://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/resultado_pesquisa.php> Acesso em 15 jan. 2012.

[18] LINO, Geraldo Luís. A fraude do aquecimento global: Como um fenômeno natural foi convertido numa falsa emergência mundial. Rio de Janeiro: Capax Dei,. 2010.p. 12.

Autores

  • é advogado, sócio fundador do escritório Stuque Freitas e Ficher Sociedade de Advogados, especialista (Processo Civil e Direito Tributário), mestre e doutorando em Direito e professor da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp).

  • é advogado, sócio fundador do escritório Fauvel e Moraes Sociedade de Advogados, pós-graduado em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra, especialista em Direito Tributário pela Unisul, MBA em gestão de Tributos pela Unicep, fundador e ex-presidente da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB-SP 2011/2018, autor de artigos e livros, palestrante e professor na área aduaneira.

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