Doutrina Chevron

Suprema Corte dos EUA poderá restringir poder normativo da administração pública

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22 de janeiro de 2024, 7h30

Os ministros conservadores da Suprema Corte indicaram, em uma audiência de sustentação oral, que pretendem reverter um precedente de 40 anos, estabelecido em Chevron v. Natural Resources Defense Council, o que irá restringir o poder dos órgãos públicos federais de regulamentar leis aprovadas pelo Congresso.

Suprema Corte dos EUA poderá restringir poder normativo da administração pública

O precedente de 1984 criou a “Doutrina Chevron”, segundo a qual os juízes federais devem acatar a interpretação e a regulamentação, pelos órgãos governamentais, de leis que são ambíguas ou omissas em alguns pontos que precisam ser regulamentados para serem aplicáveis – desde que a interpretação “seja razoável”.

Essa doutrina também é conhecida como “Chevron deference”, porque, por “deferência judicial”, os tribunais federais, de todas as instâncias, normalmente se fundamentam nesse precedente para decidir disputas contra órgãos públicos.

A presunção da “Doutrina Chevron” sempre foi a de que os órgãos públicos, que contratam cientistas e especialistas de todas as áreas, têm mais expertise do que os tribunais federais para regulamentar certas leis. Mas, com o precedente revogado, a “deferência judicial” deixa de existir. E o tal “poder” passa para os juízes federais.

A possível revogação desse precedente irá atar as mãos dos órgãos que regulamentam e fiscalizam atividades em todos os campos, como a Comissão de Valores Mobiliários, a Agência de Proteção Ambiental, o Conselho Nacional de Relações Trabalhistas, a Comissão Federal das Comunicações, a Administração de Alimentos e Drogas e de todos os demais órgãos que regulam as atividades na economia, saúde pública, educação, direitos civis, tecnologia, etc.

Para tomar uma decisão até o final de junho, a Suprema Corte está julgando dois casos de pescaria: Relentless Inc. v. Department of Commerce e Loper Bright Enterprises v. Raimondo. Os autores das ações contestam uma resolução de 2020 do National Marine Fisheries Service, que obriga as empresas de pesca a levarem em seus barcos um inspetor federal para monitorar a pescaria e impedir a sobrepesca (ou pesca predatória).

Mais que isso, o regulamento exige que as empresas – nesse caso específico, duas empresas de pesca de arenque, de propriedade familiar, que utilizam barcos pequenos para cinco ou seis pessoas – são obrigadas a pagar o salário dos inspetores federais, calculado pelo órgão governamental em US$ 710 por dia – uma quantia que pode exceder os lucros de um dia de pescaria, segundo a ação.

No entanto, as ações não se limitam a esse interesse específico das empresas. Há um pedido mais amplo, o de que a Suprema Corte revogue o precedente que criou a “Doutrina Chevron” e estabeleça que nenhum órgão do governo pode editar qualquer regulamento, sem autorização específica do Congresso.

Quatro dos seis ministros conservadores da corte – Clarence Thomas, Samuel Alito, Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh – deixaram claro na audiência de sustentação oral, por suas declarações e pela pressão que fizeram sobre a defesa do governo, que são a favor de revogar o precedente da “Doutrina Chevron”.

Os outros dois conservadores – o presidente da Suprema Corte John Roberts e a ministra  Amy Coney Barrett – não foram tão claros, porque manifestaram pontos contra e a favor do precedente. É preciso que apenas um deles decida votar a favor da revogação do precedente, para eliminá-lo da jurisprudência por 5 votos a 4.

As três ministras liberais – Sonia Sotomayor, Elena Kagan e Ketanji Brown Jackson – defenderam o precedente. A ministra Elena Kagan perguntou aos advogados dos pescadores: quem pode determinar se um produto a ser lançado no mercado, indicado para promover um colesterol saudável, é um suplemento dietético ou um medicamento, os cientistas da FDA ou os juízes?

E comentou: Se chegar à Suprema Corte uma ação que contesta a regulamentação da inteligência artificial, nós não vamos sequer entender a pergunta que nos é apresentada, quanto mais oferecer uma boa resposta para ela. Devemos deixar para as pessoas que realmente entendem a inteligência artificial que se responsabilizem pela tomada de decisões.

A ministra Ketanji Brown Jackson declarou que a “Doutrina Chevron” serve a um propósito importante. O Congresso atribuiu aos órgãos federais o poder de formular políticas, quando é necessário esclarecer ambiguidades e terminologia da lei. “Se o precedente for revogado, os juízes federais se tornarão superlegisladores”, ela disse.

Em vez de decidir se o precedente deve ou não ser revogado, os ministros da corte terão a opção de tomar uma decisão mais restrita – isto é, decidir apenas o caso dos pescadores e deixar o precedente em paz. Se for assim, o mais provável é que a corte considere que o regulamento do National Marine Fisheries Service não é razoável e decida a favor das empresas de pesca.

Com informações do Washington Post, The Hill, The Verge, Salon, SCOTUS Blog e Legal Information Institute.

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