Público & Pragmático

Estatais estrangeiras nas atividades estratégicas nacionais

Autor

  • Mariana Carnaes

    é advogada especialista em Direito Regulatório membro da Infrawomen Brazil e da Comissão do Acadêmico de Direito da OAB-SP mestre em Direito Administrativo pela PUC-SP doutora em Direito Administrativo pela USP e autora dos livros Compromisso de Ajustamento de Conduta e a Eficiência Administrativa.

21 de janeiro de 2024, 8h00

Em resposta à crise do Estado do Bem-Estar Social (Welfare State) houve, na década de 90, um movimento de privatização das atividades públicas, sob o argumento de enxugar a máquina estatal e tornar o serviço público mais eficiente. Viu-se, no setor privado, uma oportunidade de melhor desempenhar as atividades – antes públicas – tanto do ponto de vista técnico como do ponto de vista econômico. Seguindo um momento mundial, o Brasil instituiu o Programa Nacional de Desestatização (PND), que culminou em aproximadamente 110 privatizações de empresas públicas federais [1].

Apesar de ter havido um certo retorno ao fortalecimento das empresas estatais – especialmente após a crise de 2008, que escancarou as falhas de uma economia essencialmente neoliberal –, ainda são bastante frequentes as críticas à máquina pública, à sua burocracia e onerosidade. É dizer que a temática sobre a necessidade de privatizações não arrefeceu, mas, ao menos, ganhou maiores interlocutores com visões diferentes.

Ocorre que uma parte expressiva das privatizações ocorridas mantém as atividades brasileiras nas mãos do Estado: nesse caso, dos Estados estrangeiros. Muitas das empresas que são vencedoras das licitações (cujos editais não restringem a participação estrangeira) tem a maioria do seu capital público e passam a controlar as atividades nacionais. São estatais estrangeiras que obtêm autorização para atuar no Brasil em setores estratégicos para a economia nacional.

De maneira exemplificativa, o setor elétrico é expressivamente comandado pela chinesa State Grid, que controla 24 concessionárias de energia elétrica brasileiras [2] e, em 2023, venceu o maior lote do leilão de transmissão de energia promovido pela Aneel. Ainda no setor elétrico, é possível citar a Enel, controlada pelo governo italiano e responsável pela área de concessão da antiga Eletropaulo. Na área de portos, a chinesa CMPorts também adquiriu o controle da brasileira TCP, passando a atuar no mercado brasileiro. Mais recentemente, a Aena Desarrollo venceu a licitação de aeroportos, levando, dentre outros, os aeroportos de Congonhas (São Paulo), Campo Grande (MS) e Uberlândia (MG), sendo que já atuava nos aeroportos internacionais de Maceió (AL), Recife (PE), João Pessoa (PA) e Aracaju (SE).

Esse movimento mostra evidente enfraquecimento do governo brasileiro frente às suas atividades e descrença na eficiência e lisura das entidades estatais nacionais, atraindo estatais estrangeiras com maior apetite de risco – seja em razão da capitalização em moeda estrangeira, seja em razão da própria experiência que têm nos setores que são regulados.

A constante flexibilização, que permite a entrada de estrangeiros no comando de atividades estratégicas brasileiras, joga luz sobre a vulnerabilidade da soberania nacional, já que transfere ativos essenciais do país para as mãos externas e que, no limite, podem servir como moeda de troca quando necessário. Necessária reflexão a respeito.

 


[1] https://www.scielo.br/j/rdgv/a/s7MFgCxfv7C7VKkLSNRnDmG/

[2] https://stategrid.com.br/pt_br/concessionarias/

Autores

  • é advogada especialista em Direito Regulatório, membro da Infrawomen Brazil e da Comissão do Acadêmico de Direito da OAB-SP, mestre em Direito Administrativo pela PUC-SP, doutora em Direito Administrativo pela USP e autora dos livros Processo administrativo negocial e Compromisso de Ajustamento de Conduta e a Eficiência Administrativa.

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