Regra do TJ-SP sobre intimação na sessão viola CPC e competência da União
13 de janeiro de 2024, 9h49
A 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), em decisão recente, aplicou uma norma da Corregedoria-Geral da Justiça estadual que considera a parte intimada de um acórdão quando a súmula de julgamento é lida na própria sessão. Essa regra, porém, não está em harmonia com o Código de Processo Civil e extrapola a competência da corte paulista.

Previsão das Normas Judiciais da Corregedoria da corte paulista não corresponde às regras do CPC
No caso julgado, os desembargadores consideraram que o prazo para interposição de recursos teve início no dia da sessão de julgamento. Por isso, os embargos apresentados pelas recorrentes e por sua assistente no processo sequer foram analisados.
O colegiado se baseou no artigo 718 das Normas Judiciais da Corregedoria. Esse dispositivo trata as partes como intimadas assim que saem da sessão de julgamento, pois considera que a leitura da ementa na presença dos advogados já configura intimação. Para causídicos ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico, esse entendimento é problemático.
Atenção ao CPC
Rogerio Licastro Torres de Mello — advogado, professor de Direito Processual Civil da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap) e conselheiro de prerrogativas da OAB-SP — explica que o CPC não prevê intimação de decisão de segundo grau em sessão de julgamento.
O parágrafo 2º do artigo 943 da lei determina a disponibilização da ementa na imprensa oficial. Já o artigo 1.003 apenas diz que o prazo para interposição de qualquer tipo de recurso começa a ser contado a partir da intimação do acórdão.
Em uma análise conjunta desses dispositivos, Licastro conclui que “o prazo para embargos de declaração flui a partir da publicação da ementa na imprensa oficial, e não da leitura do voto ou da ementa na sessão de julgamento”.
O próprio artigo 718 das Normas Judiciais da Corregedoria do TJ-SP menciona que a intimação do acórdão pode ser efetivada quando a súmula de julgamento for publicada no Diário da Justiça Eletrônico, mas também oferece como alternativa a leitura desse documento na própria sessão.
O advogado processualista Tiago Asfor Rocha Lima também entende que o regulamento da Corregedoria “não poderia versar sobre matéria de Direito Processual, muito menos sobre tema que tem tratamento claro no inciso VII do artigo 231 do CPC”.
Segundo tal dispositivo, a intimação ocorre pelo Diário da Justiça impresso ou eletrônico e o prazo começa a ser contado na data de publicação.
Já o advogado Hélio João Pepe de Moraes, mestre em Direito Processual, lembra que o parágrafo 1º do artigo 1.003 menciona a intimação a partir da audiência. Mas, segundo ele, o termo “audiência” deve ser interpretado como aquela feita pelo juiz de primeira instância (audiência de conciliação, justificação ou instrução).
“Na audiência, a decisão é publicada imediatamente”, explica. “Mas na sessão de julgamento, o acórdão só fica disponível quando consolidado, entre votos e notas taquigráficas, e publicado.”
Licastro ainda destaca que, após a mera leitura do voto em uma sessão de julgamento, não há como saber se o acórdão está disponível de forma integral para acesso e leitura. “Como é possível que se considere a parte intimada de algo que sequer se sabe se está disponibilizado na íntegra?”, indaga.

Intimação dá início à contagem do prazo para interposição de recursos
Competência
Lima vê violação à Constituição no caso porque o inciso I do seu artigo 22 prevê a competência exclusiva da União para legislar sobre Direito Processual. Além disso, segundo Licastro, somente o CPC pode conter regras sobre intimação de acórdão, que “é algo de natureza processual”.
Ou seja, os tribunais estaduais não têm competência para tratar do assunto. Portanto, o artigo 718 das Normas Judiciais da Corregedoria do TJ-SP entra em confronto com o CPC, e a lei prevalece sobre o regimento.
Moraes indica que a lei “estabelece as regras de processo” e os regimentos “estabelecem os procedimentos”. No caso de um TJ e seus procedimentos judiciais, o regimento interno pode estabelecer “tudo aquilo que não confrontar diretamente, por princípio ou sistematicamente, a lei processual”.
Por todos esses motivos, Moraes acredita que a regra da Corregedoria traz “uma violação da prerrogativa da parte de praticar os atos processuais a partir da sua intimação”.
O caso
Na recente decisão do TJ-SP, os embargos foram apresentados por empresas de fretamento de ônibus e pela startup Buser para questionar um acórdão, mas o colegiado sequer conheceu deles.
O acórdão contestado é de outubro do último ano. Na ocasião, a 10ª Câmara de Direito Público proibiu as rés de fornecer viagens com saída e chegada em Ubatuba (SP) na modalidade de fretamento colaborativo.
Esse modelo de transporte é operado na plataforma da Buser, que conecta pessoas interessadas em uma mesma viagem na mesma data com as fretadoras de ônibus. A startup atuou como assistente das empresas no processo.
Em nota, o advogado Caio Scheunemann Longhi, sócio do escritório Pinheiro Guimarães Advogados, que defende a Buser no caso, diz que vai recorrer da decisão relativa aos embargos. Ele aponta que o colegiado aplicou “dispositivo hierarquicamente inferior ao CPC”.
Na sua visão, o dispositivo das Normas da Corregedoria “deveria ser restrito aos casos em trâmite perante o sistema dos Juizados Especiais” — o que não inclui a ação em questão.
“A consequência trazida pelo julgado traz um risco adicional para a classe de advogados, pois pode vir a restringir as sustentações orais perante as turmas julgadoras, um direito inerente ao exercício da advocacia.”
Processo 1004314-54.2021.8.26.0642/50001
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