Licitações e Contratos

Licitações e a participação das cooperativas de transporte

Autor

  • Jonas Lima

    é sócio de Jonas Lima Advocacia especialista em Direito Público pelo IDP especialista em compliance regulatório pela Universidade da Pensilvânia ex-assessor da Presidência da República (CGU).

12 de janeiro de 2024, 20h31

Como fica a participação das cooperativas nas licitações de transporte de servidores públicos diante da Lei nº 14.133/21?

Inicialmente, ainda se verifica em alguns casos recentes um equivocado enquadramento de edital do “novo” modelo padrão da AGU mas com dedicação de mão de obra exclusiva.

Spacca

Em face das particularidades do transporte a ser executado, deveria ter sido escolhido o modelo sem dedicação de mão de obra exclusiva.

É importante o alerta, pois o objeto dos editais de transporte de servidores não é de terceirização de motoristas, mas de transporte sob demanda, não a cessão de mão de obra, além do que, os veíoculos não são de frota do órgão público.

Assim, contraria a eficiência do artigo 37 da Constituição Federal, enquadrar a utilidade do fim, que é transportar servidores, com contrato como se fosse equiparado ao de recepção, limpeza e portaria.

Observe-se que até projetos bem avançados no mercado, como o TaxiGov, federal e com a sua remuneração variável pela demanda, o uso é o fator que interfere no custo, não posto de trabalho.

Isso e mais o fato de que nenhum modelo da AGU proíbe cooperativas nas circunstâncias de remuneração por demanda e veículos não sendo de frota do ente público, tem-se que é inadmissível alteração em texto do edital de base.

De outro lado, não basta colacionar textos antigos, questionados e afastados pelas decisões dos tribunais, no sentido de que a participação de cooperativas no processo licitatório, em consonância com o Termo de Conciliação firmado entre o Ministério Público da União (MPU) e a União, representada pela AGU, em 5 de junho de 2003 (anos atrás sob outra legislação) e seria inviável, porque até naquela época de origem já se verificava no referido termo de conciliação que não havia vedação às cooperativas para serviço de transporte.

Não cabe pretensão de dissimular situações para dar feições trabalhistas ao objeto, que não se enquadra nisso, aliás, como de se destacar, sem verificar o que consta do próprio Termo de Conciliação firmado entre o MPU e a União:

“O Termo de Conciliação Judicial firmado entre a AGU e o MPT nos autos do processo 01082-2002-020-10-00-0, da 20ª Vara do Trabalho de Brasília, enumera alguns serviços em que a contratação destas é vedada. Nos termos da Cláusula Primeira do Termo de Conciliação firmado entre o Ministério Público do Trabalho e a AGU, a União deverá ser abster de contratar, por meio de cooperativas de mão de obra para a prestação de serviços terceirizados, sendo eles: (…) o) MOTORISTA, NO CASO DE OS VEÍCULOS SEREM FORNECIDOS PELO PRÓPRIO ÓRGÃO LICITANTE”.

Também é oportuno destacar que o Acórdão 396/2009 – Plenário, do TCU, considerou legítima a participação de cooperativa em licitação na qual os cooperados realizam o serviço de transporte com os seus próprios veículos. E a Súmula 281, do TCU, não foi originada de casos nessas condições, mas outros diferentes, que eram de terceirização de mão de obra, o que não ocorre nos contratos de transporte sob demanda.

Lembre-se que nem mesmo os editais federais do Taxigov, por exemplo, que atende vários entes federais em Brasília e os outros, nas tantas capitais pelo Brasil, nenhum dos editais, tem restrições, contra cooperativas.

De outro lado, o edital, mero ato administrativo, não pode desconsiderar entendimento do Judiciário Trabalhista, que é especializado já se pronunciou sobre o tema. No caso, por exemplo, o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região no Processo nº 0020386-70.2017.5.04.0664 (RO), decidiu o seguinte:

“…VÍNCULO DE EMPREGO NÃO CARACTERIZADO. Evidenciado pela prova dos autos que o reclamante era integrante de cooperativa de trabalho regularmente constituída e que com esta mantinha relação de verdadeiro cooperado, não há falar em vínculo de emprego, pela ausência dos requisitos previstos nos artigos 2º e 3º da CLT. Recurso do reclamante a que se nega provimento”.

Tem-se a adicionar posicionamento da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, como no Mandado de Segurança nº 5017270-08.2021.4.04.7100, no qual a MM. juíza federal da 8ª Vara Federal de Porto Alegre proferiu sentença da qual se destaca o seguinte:

“SENTENÇA

(…)

… a vedação de participação de cooperativas na referida licitação não encontra respaldo nas orientações da Súmula 281 do TCU, invocada pela impetrante, bem como ofende os princípios da isonomia e da competitividade, previstos no art. 3º, §1º, inc. I, da Lei nº 8.666/1993.

(…)

…Assim, com base na fundamentação supra, cabe ratificar a decisão liminar, concedendo em parte a segurança pleiteada….”.

O caso acima teve apelação/remessa necessária juntada pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que ressaltou que a Súmula 281 do TCU não se aplicava ao tipo de objeto tratado, de serviço de transporte, com veículos dos próprios cooperados e com o pagamento por demanda.

Edital, mero ato administrativo, não pode restringir direitos assegurados pela Lei nº 12.690/2012, que em seu artigo 10, § 2º, estabelece que:

“A COOPERATIVA DE TRABALHO NÃO PODERÁ SER IMPEDIDA DE PARTICIPAR de procedimentos de licitação pública que tenham por escopo os mesmos serviços, operações e atividades previstas em seu objeto social.”

Edital, mero ato administrativo, não pode restringir garantias de isonomia e igualdade de tratamento, que estão expressas, respectivamente, no caput e no inciso XXI, do artigo 37 da Constituição  e nem pode ir contra o mandamento do artigo 174, § 2º, da mesma Carta Magna, que determina que “a LEI apoiará e estimulará o cooperativismo”.

Edital, mero ato administrativo, não pode restringir direitos assegurados pela Lei nº 14.133/21, a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, advinda da competência sobre normas gerais de licitação da União, do artigo 22, inciso XXVII, da Constituição Federal, no caso, essas regras expressas:

“Art. 9º É vedado ao agente público designado para atuar na área de licitações e contratos, ressalvados os casos previstos em lei:

 I – admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos que praticar, situações que:

 a) comprometam, restrinjam ou frustrem o caráter competitivo do processo licitatório, inclusive nos casos de participação de sociedades cooperativas.”

Enfim, por todos esses aspectos, a conclusão é de que não se pode vedar a participação das cooperativas de transporte em licitação desse objeto, especialmente, quando não haverá a terceirização de mão de obra de motoristas para frota do órgão público.

Autores

  • é advogado especialista em licitações e contratos, pós-graduado em Direito Público pelo IDP e Compliance Regulatório pela Universidade da Pensilvânia e sócio do escritório Jonas Lima Sociedade de Advocacia.

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!