Licitações e Contratos

Vigência da nova Lei de Licitações e não adaptação das entidades licitantes

Autor

  • Guilherme Carvalho

    é doutor em Direito Administrativo mestre em Direito e políticas públicas ex-procurador do estado do Amapá bacharel em administração sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

5 de janeiro de 2024, 9h19

A Lei nº 14.133/2021, publicada em 1/4/2021, possibilitou à Administração Pública a sua adoção desde o início de sua vigência, cujo prazo coincidia com a própria publicação. Certo é que, independentemente das anteriores prorrogações quanto à imperiosidade de aplicação do novo normativo, a Lei Complementar nº 198/2023 impôs, terminantemente, a impossibilidade de utilização das legislações anteriores após o dia 30/12/2023.

Tudo parece simples se se tratasse apenas de um marco temporal, como se a instituição de uma data fosse o suficiente para que todas as entidades licitantes estivessem plenamente adaptadas ao novo marco normativo. Eis, portanto, que surge uma primeira indagação: caso não haja, por parte de um ou outro ente contratante, a devida e esperada habilidade para contratar com base na Lei nº 14.133/2021, a utilização de legislações anteriores será possível e, se sim, quais os efeitos práticos dessa decisão?

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Não obstante a obrigatoriedade de uma lei, cujo cumprimento é, inquestionavelmente, mandatório, a Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos é, também, uma lei operacional, determinando, para além de uma nova modelagem de contratação pública, metódica funcional significativamente diversa, de como realizar um processo de contratação pública com observância de todos os rigores que são trazidos na novel legislação.

Já foi objeto de destaque, em mais de uma oportunidade (talvez, exaustivamente), a multiplicidade de cenários da Administração Pública brasileira, notadamente municípios com menos recursos e desguarnecidos de um aparato pessoal com maior habilidade para a condução de um processo licitatório nos moldes pretendidos pela Lei nº 14.133/2021.

Sem qualquer raridade, não será surpresa se, no panorama nacional, houver a incidência de contratações com base na legislação já revogada ou, até mesmo, um misto de dois sistemas legislativos: o revogado e o atual. Isso porque há uma expressiva probabilidade de não compreensão, por todos os entes licitantes, quanto à nova roupagem da contratação pública, nomeadamente a construção, desde o nascedouro, do processo licitatório.

Surgem, portanto, aspectos e desafios de ordem prática, os quais merecem sem enfrentados sob o viés pragmático, calculando os efeitos práticos da decisão ou da própria inação (omissão, deliberada ou não). Logo, em não sendo possível, à guisa dos mais variados aspectos, conduzir (e finalizar) um processo licitatório nos termos da Lei nº 14.133/2021, como deve proceder o ente licitante?

A indagação pode transparecer um conteúdo ilusório, como se o intervalo de quase três anos não fosse satisfatório para adaptação ao já plenamente vigente marco normativo. Decerto, a extensão da prospectiva vacatio legis (inicialmente, de dois anos e, logo após, com cancha de mais um bom par de meses) possibilitou um marco temporal à adaptabilidade necessária à instrumentalização da Lei nº 14.133/2021.

Ocorre que a absorção dos procedimentos e o grau de organização funcional por parte de todos os entes que à Lei de Licitações e Contratos Administrativos se submetem são diversos e, por isso, devem, na mesma medida, ser encarados de forma também distinta.

Na prática, sem abono às condutas equivocadas e, na mesma medida, ilegais (em desacordo com a Lei nº 14.133/2021), o consequencialismo, amplamente previsto no artigo 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb), deve ser levado em consideração, não apenas porque há um reforço semântico na parte final do artigo 5º da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, como também (e especialmente) tendo em vista a impraticabilidade de paralisação da máquina administrativa.

Dito isso, o presente texto não tem o condão de ovacionar medidas administrativas ilegais, lastreadas em legislação não mais vigente, ou, quando muito, sedimentadas ao arrepio do séquito procedimental previsto na atual e vigente legislação. Muito ao contrário!

Sucede que, consubstanciada alguma prática do processo de contratação pública que se desvie do ritmo procedimental previsto na Lei de Licitações e Contratos Administrativos, a aplicação da imediata nulidade pode não ser a melhor solução, maiormente quando a paralisação da pretendida contratação pública seja impossível no plano prático (v.g., serviços gerais, como limpeza e conservação, segurança, dentre outros).

Para além da incidência do controle externo e da imediata penalização dos agentes responsáveis pela subversão normativa, cujas consequências devem ser apuradas em cada caso em concreto, importa, à luz dos efeitos práticos da decisão, um tanto mais o resultado proveniente do contrato do que a anulação de todo o processo, sendo, por outro lado, inevitável um rigorismo contundente dos órgãos de controle nos casos de ocorrência de qualquer prática administrativa que não atinja os fins pretendidos pela Lei nº 14.133/2021 ou que com ela não sejam compatíveis.

Eis que, adjacentes a esse ousado aconselhamento, indene de dúvidas que há relevante chance de tais fatos ocorrerem, considerando, principalmente, o potencial de adoção de uma lei nacional aos mais díspares cenários encontrados em um país de dimensão continental.

Autores

  • é doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e políticas públicas, ex-procurador do estado do Amapá, bacharel em administração e sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

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