Público & Pragmático

A Secex Consenso do TCU: análise e perspectivas

Autores

  • Gustavo Justino de Oliveira

    é professor doutor de Direito Administrativo na Faculdade de Direito na USP e no IDP (Brasília) árbitro mediador consultor advogado especializado em Direito Público e membro integrante do Comitê Gestor de Conciliação da Comissão Permanente de Solução Adequada de Conflitos do CNJ.

  • Gabriela Lima Pereira

    é advogada especialista em arbitragem e Processo Civil coordenadora de arbitragem e contencioso judicial no escritório Justino de Oliveira Advogados.

  • Thalita Hage

    é assessora Acadêmica no Justino de Oliveira Advogados monitora da disciplina de Direitos Humanos na PUC Campinas pesquisadora bolsista em sua terceira iniciação científica (sendo as duas primeiras com bolsa Pibic/CNPq) integrante do grupo de pesquisa Saúde Direitos Humanos e Vulnerabilidades e graduanda em Direito na Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

25 de fevereiro de 2024, 8h00

Criada em dezembro de 2022, e em funcionamento desde o início de 2023 [1], a Secex Consenso, é, como o próprio nome aduz, uma das Secretarias de Controle Externo [2], voltada à realização de procedimentos que visam a solução consensual e prevenção de conflitos em relação a órgãos da administração pública federal, e matéria de competência do Tribunal de Contas da União (TCU).

A iniciativa do ministro Bruno Dantas, presidente do tribunal, é dividida em eixos, todos interligados: (1) construção colaborativa de soluções consensuais na administração pública; (2) diálogo com as instituições na prevenção dos conflitos; (3) compartilhamento de informações entre entidades públicas durante a fase de negociação dos acordos de leniência, com a inclusão dos processos do TCU no escopo desses acordos; (4) elaboração e execução de estratégias para a participação cidadã no dia a dia do TCU, com o intercâmbio nacional e internacional de boas práticas; e (5) a articulação de ações do controle externo com os Tribunais de Contas do Brasil, além do compartilhamento de boas práticas de políticas públicas descentralizadas [3].

A Instrução Normativa nº 91 de 2022 [4] foi a responsável por sua criação e definição de competências, uma vez que “institui, no âmbito do Tribunal de Contas da União, procedimentos de solução consensual de controvérsias relevantes e prevenção de conflitos afetos a órgãos e entidades da Administração Pública Federal”, tendo sido posteriormente alterada, em poucos aspectos, pela Instrução Normativa nº 92 de 2023 [5]. Afirma-se que tal normativo foi inspirado no “Princípio da Eficiência na Administração Pública”, uma vez que busca solucionar controvérsias “por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia” (Moraes, 2002, p. 787).

Procedimento
Segundo o artigo 2º da IN, a solicitação de solução consensual pode ser formulada por três categorias: (1) pelas autoridades elencadas no artigo 264 do Regimento Interno do TCU; (2) pelos dirigentes máximos das agências reguladoras definidas no artigo 2º da Lei nº 13.848, de 25 de junho de 2019; e (3) por relator de processo em tramitação no TCU. E deve conter os elementos mínimos previstos no artigo 3º.

Tal solicitação será autuada como processo de Solicitação de Solução Consensual (SSC), que deverá ser encaminhado à Secex Consenso, para fins de análise prévia de admissibilidade (artigo 4º), de acordo com os requisitos do artigo 5º. Segundo o artigo 7º, com a admissibilidade, “o processo de SSC será encaminhado à Secretaria Geral de Controle Externo (Segecex) para, ouvida a Secex Consenso, designar, por meio de portaria, os membros da Comissão de Solução Consensual (CSC)”, que terá 90 dias “contados da sua constituição para elaborar proposta de solução, podendo o referido prazo, a critério do Presidente do TCU, ser prorrogado por até trinta dias” (artigo 7º, §4º).

Ainda, “a formalização da solução será realizada por meio de termo a ser firmado (…) em até 30 dias após a deliberação final do Plenário do Tribunal que aprovar a referida solução” (artigo 12) e, por fim, segundo o artigo 15, em razão da “natureza dialógica” do processo, não caberá recurso.

Avanço
Deste modo, após um ano da implementação da Secex Consenso, percebeu-se o grande número de pedidos de resolução e conflitos pelo meio consensual. No ano de 2023, “conforme dados do TCU, 21 processos foram levados à Secex, sendo que cinco deles já tiveram decisões do tribunal e dois foram encerrados” (Tajra, 2024). O ministro Bruno Dantas inclusive proferiu sua opinião [6], ao Correio Braziliense, no começo de 2024, e afirmou que uma das prioridades de sua gestão era “implementar a cultura da solução consensual”, o que foi materializado na institucionalização de “ambiente de diálogo público-privado, orientado pelo interesse público primário, pela eficiência e pela segurança jurídica”, referindo-se à Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos.

Além do número expressivo de pedidos, “dos mais diversos setores regulados, como energético, rodoviário, ferroviário, portuário, aeroportuário e de telecomunicações”, o presidente afirma que “a soma dos valores em disputa é da ordem de 220 bilhões de reais”, bem como que “não apenas matérias de infraestrutura podem ser submetidas ao procedimento: está em discussão, por exemplo, uma possível devolução bilionária aos cofres públicos por parte do Fundo de Pensão do BNDES (FAPES)” (Dantas, 2024). Sabe-se, mesmo que o procedimento em si seja sigiloso, que a Fapes e o BNDES também já iniciaram, em janeiro de 2024, medidas consensuais com a presença da Secex Consenso[7].

Reações
Entretanto, o TCU recebeu algumas críticas, principalmente em razão do acordo aprovado no caso que soluciona as controvérsias entre a Aneel e a KPE, no Acórdão 2.508/2023-Plenário, de 6 de dezembro de 2023 [8] (Duque, 2024).

Segundo Duque, este conflito entre o Ministério de Minas e Energia (Aneel) e a empresa Karpowership Brasil Energia Ltda. (KPE) trata da execução de Contratos de Energia de Reserva celebrados em 2021, o qual já foi objeto de Solicitação de Solução Consensual (SSC) no TCU, gerou um acordo preliminar, e foi realizada nova composição, agora por meio da Secex Consenso (Ibidem, 2024).

Assim, pela análise do acórdão, foram tecidas diversas críticas às condições definidas, evidenciando um posicionamento que não reconhece apenas benefícios no aumento das soluções consensuais no TCU, mas também os questionamentos:

“Há a percepção de que número expressivo de pedidos de negociação recebidos pelo TCU em 2023 e comemorado por seu presidente na imprensa, foi impulsionado pelo fato de o carimbo do tribunal no acordo afastar a responsabilização pessoal dos gestores por condições negociadas em processo de SSC, salvo se verificada fraude ou dolo” (Ibidem, 2024).

Casos em análise e a live do ano passado
Emblemático o caso que envolve o conflito bilionário entre a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e Telefônica. Sabe-se que no final do ano de 2023, após anos de litígios, e o pedido está em andamento (Tajra, 2024), e ainda foram realizados outros pedidos de “Solicitação de Solução Consensual” (SSC) relacionado às contendas referentes à concessão de telefonia fixa da Telefônica [9]. Inclusive, o TCU já estabeleceu que o prazo final da negociação com a operadora Oi é em março de 2024[10].

Outro caso que está em análise na Secex Consenso é o do Processo Competitivo Simplificado (PCS), e integram a negociação: Âmbar, TCU, MME (Ministério de Minas e Energia) e Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) [11]. A empresa Âmbar, braço de energia da J&F, depende de um novo parecer da Aneel, pois busca explorar a térmica de Cuiabá no lugar de quatro novas usinas térmicas a gás.

Interessante também dizer que aconteceu um evento [12], em maio de 2023, promovido pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), intitulado: “O TCU e a Conciliação de Controvérsias na Administração Pública”, sendo essa uma live integrante do projeto “Quintas da CBIC”.

Presente no debate, o secretário da Secex Consenso do TCU, Nicola Khoury, afirmou o seguinte: “Em alguma medida a sociedade vem evoluindo muito, cobrando cada vez mais respostas céleres. E aí, como que a gente sai do outro lado, prioriza os temas mais contemporâneos, relevantes, que trazem o maior impacto em termos de resultado e agregação de valor para a sociedade num cenário de escassez de pessoas e aumento da demanda processual?” [13].

Portanto, evidente que a atuação da Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (Secex Consenso) no Tribunal de Contas da União (TCU) é uma temática recente e de extremo interesse público, sendo necessário, assim, o debate e estudo categórico acerca das consequências, benéficas ou não, de seu desempenho na solução consensual de conflitos que envolvam a Administração Pública.


Referências:

CBIC, Agência. Quintas da CBIC: TCU e a conciliação na administração pública. Disponível em: https://cbic.org.br/quintas-da-cbic-tcu-e-a-conciliacao-na-administracao-publica/. Link do YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=Zomb2BUzDGg&list=RDCMUCgN4gOIYYT9-t4NVr2IoIsQ&start_radio=1. Acesso em 08 fev. 2024.

DANTAS, Bruno. Um ano de Secex Consenso e a mediação técnica no TCU. Correio Braziliense, Opinião, 2024. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/direito-e-justica/2024/02/6796046-bruno-dantas-um-ano-de-secexconsenso-e-a-meditacao-tecnica-no-tcu.html. Acesso em 08 fev. 2024.

DUQUE, Gabriela. Soluções consensuais no TCU: entre comemorações e críticas. JOTA, 2024. https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/solucoes-consensuais-no-tcu-entre-comemoracoes-e-criticas-07022024. Acesso em 08 fev. 2024.

FAPES. FAPES e BNDES iniciaram reuniões com mediação do TCU. Disponível em: https://www.fapes.com.br/noticias-interna/noticias/fapes-e-bndes-iniciaram-reunioes-com-mediacao-do-tcu. Acesso em 07 fev. 2024.

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2002.

SALOMÃO, Alex. TCU ameaça arquivar conciliação com empresa dos Batistas e pede novo parecer à Aneel. Folha de S.Paulo, 2024. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/01/tcu-ameaca-arquivar-conciliacao-com-empresa-dos-batistas-e-pede-novo-parecer-a-aneel.shtml. Acesso em 08 fev. 2024.

TAJRA, Alex. Arbitragem que envolve administração pública avança com processos bilionários. Conjur, 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-jan-29/arbitragem-que-envolve-administracao-publica-avanca-com-processos-bilionarios/. Acesso em 07 fev. 2024.

TCU, Portal. Criação das Secretárias de Controle Externo. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/centro-cultural-tcu/museu-do-tribunal-de-contas-da-uniao/tcu-a-evolucao-do-controle/criacao-das-secretarias-de-controle-externo.htm. Acesso em 07 fev. 2024.

TCU, Portal. Você conhece a nova sistemática de soluções consensuais do TCU? Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/voce-conhece-a-nova-sistematica-de-solucoes-consensuais-do-tcu.htm. Acesso em 07 fev. 2024.

TCU. Acórdão 2.508/2023 – Plenário. Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/documento/acordao-completo/*/NUMACORDAO%253A2508%2520ANOACORDAO%253A2023%2520/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/0. Acesso em 08 fev. 2024.

TCU. Instrução Normativa n° 91/2022. Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/documento/norma/*/COPIATIPONORMA:%28%22Instru%C3%A7%C3%A3o%20Normativa%22%29%20COPIAORIGEM:%28TCU%29%20NUMNORMA:91%20ANONORMA:2022/DATANORMAORDENACAO%20desc/0. Acesso em 07 fev. 2024.

TCU. Instrução Normativa n° 92/2023. Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/documento/norma/*/COPIATIPONORMA:%28%22Instru%C3%A7%C3%A3o%20Normativa%22%29%20COPIAORIGEM:%28TCU%29%20NUMNORMA:92%20ANONORMA:2023/DATANORMAORDENACAO%20desc/0. Acesso em 07 fev. 2024.

[1] Mais em: https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/voce-conhece-a-nova-sistematica-de-solucoes-consensuais-do-tcu.htm

[2] Mais em: https://portal.tcu.gov.br/centro-cultural-tcu/museu-do-tribunal-de-contas-da-uniao/tcu-a-evolucao-do-controle/criacao-das-secretarias-de-controle-externo.htm

[3] Mais em: https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/voce-conhece-a-nova-sistematica-de-solucoes-consensuais-do-tcu.htm

[4] Mais em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/documento/norma/*/COPIATIPONORMA:%28%22Instru%C3%A7%C3%A3o%20Normativa%22%29%20COPIAORIGEM:%28TCU%29%20NUMNORMA:91%20ANONORMA:2022/DATANORMAORDENACAO%20desc/0

[5] Mais em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/documento/norma/*/COPIATIPONORMA:%28%22Instru%C3%A7%C3%A3o%20Normativa%22%29%20COPIAORIGEM:%28TCU%29%20NUMNORMA:92%20ANONORMA:2023/DATANORMAORDENACAO%20desc/0

[6] Mais em: https://www.correiobraziliense.com.br/direito-e-justica/2024/02/6796046-bruno-dantas-um-ano-de-secexconsenso-e-a-meditacao-tecnica-no-tcu.html

[7] Mais em: https://www.fapes.com.br/noticias-interna/noticias/fapes-e-bndes-iniciaram-reunioes-com-mediacao-do-tcu

[8] Mais em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/documento/acordao-completo/*/NUMACORDAO%253A2508%2520ANOACORDAO%253A2023%2520/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/0

[9] Mais em: https://teletime.com.br/09/10/2023/processo-de-consenso-da-telefonica-comeca-a-tramitar-no-tcu/

[10] Mais em: https://teletime.com.br/06/02/2024/anatel-tem-marco-como-prazo-final-para-solucao-consensual-com-oi-no-tcu/

[11] Mais em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/01/tcu-ameaca-arquivar-conciliacao-com-empresa-dos-batistas-e-pede-novo-parecer-a-aneel.shtml

[12] Mais em: https://www.youtube.com/watch?v=Zomb2BUzDGg&list=RDCMUCgN4gOIYYT9-t4NVr2IoIsQ&start_radio=1

[13] Mais em: https://cbic.org.br/quintas-da-cbic-tcu-e-a-conciliacao-na-administracao-publica/

Autores

  • é professor doutor de Direito Administrativo na USP e no IDP (Brasília), árbitro, consultor e advogado especialista em Direito Público, membro integrante do Comitê Gestor de Conciliação da Comissão Permanente de Solução Adequada de Conflitos do CNJ.

  • é advogada especialista em arbitragem e Processo Civil, coordenadora de arbitragem e contencioso judicial no escritório Justino de Oliveira Advogados.

  • é assessora Acadêmica no Justino de Oliveira Advogados, monitora da disciplina de Direitos Humanos na PUC Campinas, pesquisadora bolsista, em sua terceira iniciação científica (sendo as duas primeiras com bolsa Pibic/CNPq), integrante do grupo de pesquisa Saúde, Direitos Humanos e Vulnerabilidades e graduanda em Direito na Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

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