Diário de Classe

Função institucional do Supremo Tribunal Federal

Autor

  • Jesus Alexsandro Alves Rosa

    é doutorando em Direito pela Unesa bacharel em ciências militares (Aman) e em Direito (Unesa) mestre em Administração (UFF) professor de Direito Tributário do Toth Concursos e membro do Dasein.

24 de fevereiro de 2024, 8h00

O Supremo Tribunal Federal é o órgão de máxima instância do Poder Judiciário, cabendo a ele a guarda precípua da Constituição, conforme o que preconiza o artigo 102 da Constituição de 1988. Trata-se do Tribunal Constitucional brasileiro, órgão máximo do Poder Judiciário.

Ademais, ao buscar detalhar o amparo legal do Poder Judiciário e, por conseguinte, o do STF, verifica-se que o Poder já é mencionado no artigo 2° da CRFB 88, que descreve sua existência como um Poder da União, independente e harmônico diante dos demais, e ainda indica sua função no sentido da aplicação das leis na resolução dos conflitos, bem como na garantia e defesa dos direitos dos cidadãos. O capítulo 3 do Poder Judiciário traz em seus artigos 92 ao 126 o detalhamento constitucional do Poder em comento.

Protagonismo político
Em tese, o STF seria um órgão eminentemente técnico, no entanto, com a inércia dos Poderes Legislativo e Executivo, e frustrando os anseios da sociedade, o STF acaba por ser tornar extremamente relevante politicamente no Brasil. Segundo Barroso, 2018:

“… Supremas Cortes e Cortes Constitucionais desempenham três grandes papeis: contramajoritário, quando invalidam atos dos Poderes eleitos; representativo, quando atendem demandas sociais não satisfeitas pelas instâncias políticas; e iluminista, quando promovem avanços civilizatórios independentemente das maiorias políticas circunstanciais. Esta última competência, como intuitivo, deve ser exercida em momentos excepcionais e com grande cautela, pelo risco autoritário que envolve.”

Nesse sentido, levando em conta o exercício da jurisdição constitucional estabelecida na Constituição de 1988, houve a concessão de legitimidade para o exercício da função política pelo Judiciário, a despeito de haver limites; temas relacionados a separação de poderes, federalismo, direitos fundamentais e funcionamento das instituições democráticas. Sendo assim, no Estado Democrático de Direito “o constitucionalismo pode ser definido como uma tentativa jurídica (Direito) de oferecer limites para o poder político (Política), o que se dá por meio das Constituições” (Clarissa Tassinari, 2013, p. 28) e mais, “a atuação do Judiciário, pela via do controle de constitucionalidade, estaria comprometida em possibilitar tal mudança, delimitando, por critérios jurídicos, os limites da Política” (STRECK; TASSINARI; LIMA, 2013, p. 739).

Inegável tem sido o protagonismo do STF no cotidiano político do Brasil. Fato é que o protagonismo existe e que dentre as várias possíveis causas, pode-se destacar a constante inércia dos poderes Executivo e Legislativo, bem como diversas ações atentatórias ao Estado Democrático de Direito e ao exercício harmônico do Poder tripartido.

O papel do STF e as teorias procedimentalista e substancialista
Novamente fica a questão de que se no buscar dos mecanismos de freios e contrapesos garantidores do perseguido Estado Democrático de Direito, bem como materializar e fomentar as ditas promessas da modernidade, instituídas e não materializadas, não estaria o STF extrapolando suas atribuições constitucionais e desequilibrando o exercício harmônico do Poder tripartido.

Cresce, portanto, a importância de dimensionar a função institucional do STF e compreender o papel do tribunal no contexto do Estado Democrático de Direito. Estado Democrático de Direito, este, que necessariamente deve realizar e proteger os direitos fundamentais.

Buscando compreender o exercício da jurisdição constitucional, bem como a dimensão política do Poder Judiciário, e desta forma do STF, surgem duas teorias: a procedimentalista e a substancialista.

A teoria procedimentalista é defendida por nomes como Habermas, John Hart Ely, Antoine Garapon e Wernneck Vianna. A teoria procedimentalista deslegitima a função política dos tribunais, uma vez que defende o papel instrumental da constituição. Habermas acredita que “o Tribunal Constitucional deve ficar limitado à tarefa de compreensão procedimental da constituição, isto é, limitando-se a proteger um processo de criação democrática do Direito” [1]. John Hart Ely ensinará que:

“Com efeito, a aplicação de valores pessoais dos próprios juízes contradiz o princípio democrático, uma vez que implicaria a imposição da vontade de um corpo de pessoas que não presta contas de sua ação perante o eleitorado sobre a vontade da maioria formada a partir da legítima manifestação política dos próprios eleitores. Ademais, essa posição colocaria a vida das pessoas, que depende tremendamente das decisões da Suprema Corte, à mercê do relativismo do que cada um dos juízes entenda seja um valor fundamental.” (JÚNIOR, 2001, p269)

A invasão do Judiciário na dimensão política, atentaria contra a imparcialidade e a democracia, uma vez que preencher lacunas legislativas desconsidera a vontade do povo materializada em seus representantes legitimados pelo voto para o exercício desta tarefa.

“Em face disso, Habermas propõe um modelo de democracia constitucional que não tem como condição prévia fundamentar-se nem em valores compartilhados, nem em conteúdos substantivos, mas em procedimentos que asseguram a formação democrática da opinião e da vontade, e que exige uma identidade política não mais ancorada em uma “nação de cultura”, mas, sim, em uma “nação de cidadãos” (STRECK, 2013, p. 160)

Nesse sentido, na teoria procedimentalista, de modo geral, a Constituição é “desprovida de derivações valorativas. A Constituição, nestes termos, não possui qualquer conteúdo ideológico, predisposição ao humano, ao social ou ao econômico. Sua preocupação central seria apenas estabelecer procedimentos formais” (TAVARES, 2007, p. 338-339).

Sendo assim, Habermas e John Hart Ely atribuem ao Poder Judiciário a manutenção da soberania da vontade popular, uma vez dissociam a dimensão política da prática do Poder Judiciário, a “jurisdição constitucional como instrumento de defesa do procedimento democrático” [2]e o “o paradigma procedimentalista procura proteger, antes de tudo, as condições do procedimento democrático” [3].

“Na visão de Ely, a Constituição é um documento cuja finalidade precípua é de natureza procedimental, destinada a viabilizar que cada geração se autogoverne, consoante as decisões da maioria. Não contém ela, assim, um quadro de valores a ser descoberto; ao contrário, estabelece apenas os meios de chegar a tais valores. A essência da Constituição seria, portanto,a disciplina do procedimento democrático. O regime democrático, no entanto, pressupõe que todo cidadão deva ser tratado com igual respeito e que as minorias tenham assegurada a sua subsistência. No pensamento do autor norte-americano, a missão da jurisdição constitucional consistiria em velar por tais pressupostos procedimentais da democracia.” (BINEMBOJM, 2004. p. 102-103)

A teoria substancialista encara a Constituição eminentemente substantiva, como um repositório de valores e de direitos fundamentais e sociais, dentro de uma teoria material da constituição. Vai além do que a mera garantia do procedimento democrático, atribuindo possibilidade ao Poder Judiciário de realizar direitos fundamentais e sociais dispostos na Constituição e ainda não materializados, ditas promessas da modernidade [4], bem como “contribuir para o aumento da capacidade de incorporação do sistema político, garantindo a grupos marginais, destituídos dos meios para acessar os poderes políticos, uma oportunidade para a vocalização das suas expectativas e direito no processo judicial” [5] . Encontra como defensores Streck, Dworkin, Bonavides e Eros Grau.

“Os substancialistas, por sua vez, advogam a existência implícita ou declarada de valores substanciais nas Constituições que impõem ao legislador ordinário e ao juiz deveres e tarefas de realização. Significativamente, não veem a Constituição como mero fórum de discussão que leve a decisões cujos conteúdos se validam pelo devido processo deliberativo por ele regrado, mas como núcleo de sentido que, além de disciplinar os meios e formas de tomadas de decisões, servem de parâmetro substancial para avaliar a correção da decisão tomada. As teses fortes e fracas de Constituição dirigente estão bem catalogadas entre eles.” (SAMPAIO, 2013. p. 178.)

Nesse sentido, a teoria substancialista não aparta a dimensão política da esfera de atribuições do poder judiciário, sobretudo da função institucional do STF, podendo inclusive funcionar como indutor de políticas públicas que promovedoras de direitos fundamentais expostos explicitamente ou implicitamente no texto constitucional, assumindo papel “papel de um intérprete que põe em evidência, inclusive contra maiorias eventuais, a vontade geral implícita no direito positivo, especialmente nos textos constitucionais, e nos princípios selecionados como de valor permanente na sua cultura de origem e na do Ocidente” [6].

No entanto, a teoria substancialista, com o propósito de evitar autoritarismo/solipsismo, vincula-se ao modelo constitucional apresentado pela CRFB/1988 que por si só afasta a prevalência da teoria procedimentalista, uma vez que a partir do dirigismo constitucional pressupõe uma concepção de Estado e de seu modelo de regulação social, econômica e cultural (CANOTILHO, 2005. p.145)

“O modelo substancialista – que, em parte, aqui subscrevo, ressalvando sempre o problema do ‘fundamento’ da Constituição, 34 que não pode ser entendida como uma categoria ou hipótese, mas, antes disso, como um paradoxo – trabalha na perspectiva de que a Constituição estabelece as condições do agir político-estatal, a partir do pressuposto de que a Constituição é a explicitação do contrato social (contrato social também deve ser entendido a partir do paradigma hermenêutico e não como um ponto de partida congelado). É o constitucionalismo-dirigente que ingressa nos ordenamentos dos países após a segunda guerra. Conseqüentemente, é inexorável que, com a positivação dos direitos sociais-fundamentais, o poder judiciário (e, em especial, a justiça constitucional) passe a ter um papel de absoluta relevância, mormente no que pertine à jurisdição constitucional.” (STRECK, 2003, p. 271)

A partir dessa forma dirigente e vinculativa do texto constitucional ao exercício da teoria substancialista por parte do Poder Judiciário, o professor Lenio Streck propõe ideia da Teoria da Constituição Dirigente Adequada a Países de Modernidade Tardia (TCDAPMT) [7] de forma a implementar na sociedade direitos fundamentais e sociais induzindo, conforme já mencionado, políticas públicas fomentadoras desses direitos. Mas isso é assunto para um próximo artigo.

Por fim, a teoria substancialista é a mais adequada ao modelo constitucional brasileiro face a “notória inefetividade da constituição e da omissão dos poderes legislativo e executivo” (STRECK, 2011, p. 81). Sendo assim, levando em conta a supremacia da Constituição, e sua natureza também conteudística, sobretudo no que diz respeito aos direitos fundamentais, a função institucional do STF abarcará as ausências do Poder Executivo e Legislativo na consecução do Estado Democrático de Direito.


Referências

BARROSO, L. R.. (2018). Countermajoritarian, Representative, and Enlightened: The roles of constitutional tribunals in contemporary democracies. Revista Direito E Práxis, 9(4), 2171–2228. https://doi.org/10.1590/2179-8966/2017/30806. Acesso em: 07 nov.2023

BINEMBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional – Legitimidade democrática e instrumentos de realização. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 102-103

CANOTILHO, José Joaquim Gomes (2005). O Estado Adjetivo e a Teoria da Constituição. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais. Belo Horizonte: Del Rey nº 5 – jan/jun. p. 145.

HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia, entre a facticidade e validade. v. 2. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p. 183.

JÚNIOR, José Jardim-Rocha. Problemas com o governo dos juízes: sobre a legitimidade democrática do judicial review. Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 38 n. 151 jul./set. 2001.p269

SAMPAIO, José Adércio Leite. Teoria da Constituição e dos Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2013. p. 178.

STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2004.p 162.

________. Jurisdição constitucional e hermenêutica: Perspectivas e Possibilidades de Concretização dos Direitos Fundamentais-Sociais no Brasil, Novos Estudos Jurídicos – Volume 8 – Nº 2 – p.257-301, maio/ago. 2003.p 271.274

________. Hermenêutica (e)m crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 10.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 50.

________. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 44-45

________. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. São Paulo: RT, 2013. p. 160.

________. TASSINARI, Clarissa; LIMA, Danilo Pereira. “A relação direito e política: uma análise da atuação do Judiciário na história brasileira”. Revista Pensar. Fortaleza, v. 18, n. 3, p. 737-758, set./dez. 2013.

________. TASSINARI, Clarissa ; LEPPER, Adriano Obach. O problema do ativismo judicial: uma análise do caso MS3326. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 5, Número Especial, 2015 p. 51-61

TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial: limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 28.

TAVARES,    Rodrigo.  Neopositivismos:  novas  ideias  sobre  uma  antiga  tese.  In  DIMOULIS, Dimitri.  DUARTE,  Écio Oto.  (Orgs.) Teoria  do  direito  neoconstitucional:  superação  ou reconstrução do positivismo jurídico? São Paulo: Método, 2008. p. 403.

[1] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica (e)m crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 10.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 55.

[2] BINEMBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional – Legitimidade democrática e instrumentos de realização. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 102-103

[3] HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia, entre a facticidade e validade. v. 2. Tradução de

Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p. 183.

[4] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica (e)m crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 10.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 53.

[5] STRECK, Lenio. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 44-45

[6] STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2004.p 162.

[7] Jurisdição constitucional e hermenêutica: Perspectivas e Possibilidades de Concretização dos Direitos Fundamentais-Sociais no Brasil, Novos Estudos Jurídicos – Volume 8 – Nº 2 – p.257-301, maio/ago. 2003.p 274.

Autores

  • é doutorando em Direito pela Unesa, bacharel em Ciências Militares (Aman) e em Direito (Unesa), mestre em Administração (UFF), professor de Direito Tributário do Toth Concursos e membro do Dasein.

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