Paradoxo da Corte

Dispensa da intimação pessoal do devedor de alimentos num recente julgado do STJ

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

23 de fevereiro de 2024, 8h00

Como já tive oportunidade de escrever, no cumprimento de sentença ou de decisão antecipatória, que tenha por objeto obrigação alimentar, sempre a requerimento do exequente, o juiz determinará a intimação pessoal do executado para, em três dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuar o pagamento.

Para a execução de prestações alimentares, prevista no artigo 528 do Código de Processo Civil, com a possibilidade do decreto de prisão, exige-se a intimação pessoal do devedor, não bastando a mera intimação no nome de seu advogado.

A observância desta determinação é inarredável sempre que a execução de alimentos definitivos se der ex intervallo, com a prévia extinção do processo de conhecimento, ainda que não tenha transcorrido o prazo de um ano a contar do trânsito em julgado, de acordo com a previsão do artigo 513, parágrafo 4º, do diploma processual.

Fica, pois, excluída a aplicação da regra geral do artigo 513, parágrafo 2º, inciso I, que contempla a intimação pela imprensa oficial, na pessoa do advogado, para as execuções de alimentos definitivos, sob pena de prisão.

Necessidade
A necessidade da intimação pessoal decorre da gravidade da imposição da pena de prisão, que não pode surpreender o devedor em hipótese alguma. A intimação do devedor será feita por meio de carta com aviso de recebimento, encaminhada para o endereço constante dos autos, sendo ônus das partes mantê-lo atualizado.

Lembre-se, a propósito, que nos termos do artigo 274, parágrafo único, do Código de Processo Civil, são reputadas válidas as intimações dirigidas aos endereços constantes dos autos, ainda que tenha havido mudança definitiva ou temporária.

Spacca

Salta aos olhos a falta de acuidade do legislador, nesse particular, quando determina, que mesmo se houver transcorrido mais de um ano a contar do trânsito em julgado, seja a intimação por carta encaminhada ao endereço antigo.

Ora, após um ano de interregno, presume-se que o processo permaneceu paralisado, ou porque as prestações vincendas vinham sendo pagas pelo devedor, ou porque o credor manteve-se inerte quanto ao débito em atraso, deixando que o processo fosse remetido ao arquivo.

É justamente nestas situações que o endereço do devedor — aquele constante dos autos — pode estar desatualizado, e não seria razoável exigir que ele ficasse atualizando sempre o seu respectivo endereço em processos findos ou arquivados.

Justificativa
Entendo, pois, que a interpretação do artigo 513, parágrafo 4º, deve ser feita cum granus salis, de modo a permitir ao devedor que não recebeu intimação do cumprimento de sentença, que apresente justificativa razoável para não ter mantido atualizado o seu endereço nos autos, depois de mais de 1 ano, a contar do trânsito em julgado da decisão condenatória.

Enfocando diferente situação, sustentei que se o cumprimento não for de sentença, mas de decisão antecipatória de tutela, instaurado em autos apartados, forçosamente perante o mesmo juízo no qual ainda tramita o processo, descortina-se dispensável a intimação pessoal do devedor que tem procurador constituído nos autos.

Bastará que a intimação recaia na pessoa do advogado que representa o requerido/executado, o que propicia enorme economia de esforços e garante maior efetividade do processo, dispensando atos e termos desnecessários.

Importa ressaltar, acerca dessa importante matéria, que recentemente a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, por unanimidade, em processo sob o signo da publicidade restrita (ex vi do artigo  189, inciso II, do Código de Processo Civil), que não há necessidade de o devedor de alimentos ser intimado pessoalmente, na hipótese de se tratar de uma sucessiva execução lastreada no mesmo título judicial condenatório.

HC
Assim sendo, baseando-se nesta novel interpretação da regra do supra aludido artigo 528, a turma julgadora não conheceu de um Habeas Corpus e, consequentemente, revogou a decisão liminar que sustava si et in quantum a eficácia do decreto de prisão.

Com o voto condutor do ministro Marco Aurélio Bellizze, a 3ª Turma asseverou que o devedor de alimentos, que já havia sido intimado pessoalmente na primeva execução, na qual inclusive fora preso, tinha, à evidência, pleno conhecimento da execução de dívida ulterior, oriunda da mesma sentença.

A elucidar tal entendimento, constou do voto a seguinte explicação: “Somente se fosse instaurado um novo cumprimento de sentença, referente a outro título judicial, é que seria necessária nova intimação pessoal do devedor, o que não é o caso dos autos”.

Procurando ainda alicerçar a tese sufragada pela turma julgadora, o respectivo acórdão explica que havia duas execuções em aberto, referentes a períodos diferentes, contra o pai condenado a pagar pensão à filha.

O primeiro cumprimento de sentença seguiu as regras do procedimento da penhora, uma vez que o executado já havia sido preso pela dívida daquele período. Na segunda execução, fundada no mesmo título judicial condenatório, a credora elegeu o procedimento contemplado no artigo 528, que prevê a possibilidade de prisão civil.

Diante da reabertura do prazo para pagamento do débito alimentar, atinente a esta sucessiva execução, na iminência de ser decretada a sua prisão, o executado impetrou Habeas Corpus com pedido de liminar no Tribunal de Justiça de São Paulo, alegando ofensa ao devido processo legal, uma vez que, a teor da legislação processual, a intimação do executado deveria ser pessoal e não por meio de seu patrono, como de fato ocorrera.

Sucede que o TJ bandeirante denegou a respectiva ordem, sob o fundamento de que a intimação pessoal se aperfeiçoou durante a audiência que estava sendo realizada numa ação de exoneração de alimentos, oportunidade em que o executado teria demonstrado claro conhecimento do débito alimentar em discussão.

Segundo os termos do mencionado acórdão relatado pelo ministro Marco Aurélio Bellizze, a demonstrar a excepcionalidade do caso em apreço, a jurisprudência do STJ tem orientação consolidada no sentido preconizado pela lei, ou seja, da exigência de intimação pessoal do devedor no caso de decretação de prisão civil, visto que, de acordo com a mens legis, diante das graves consequências advindas da segregação física do devedor de alimentos, deve ter-se certeza de sua efetiva ciência da execução contra ele aforada.

No entanto — ponderou o ministro relator —, na situação retratada nos autos, como ficou inclusive consignado na decisão proferida pelo tribunal de origem, inúmeros aspectos demonstram o inequívoco conhecimento do devedor da pendência da execução de alimentos, tendo sido ele inclusive preso durante o precedente cumprimento de sentença.

Em suma, como enfatizado no acórdão: “O fato de ter sido instaurado um segundo cumprimento de sentença não exige que o paciente seja novamente intimado pessoalmente, pois se trata do mesmo título judicial executado em relação ao primeiro cumprimento de sentença instaurado, mudando-se apenas o período correspondente ao débito executado”!

Reitere-se que esta nova interpretação do disposto no artigo 528 desponta de todo excepcional, como o próprio acórdão revela, não podendo por certo ser aplicada de forma extensiva, sob risco de violar a garantia constitucional do contraditório e, com isso, inquinar a execução de nulidade insanável.

Autores

  • é sócio do Tucci Advogados Associados, ex-presidente da Aasp, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual, conselheiro do MDA e vice- presidente do Conselho Superior de Assuntos Jurídicos da Fiesp.

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