Opinião

A perspectiva dos precedentes qualificados do 'outro lado do balcão'

Autor

  • Bruno Augusto Sampaio Fuga

    é advogado professor doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP (2020) pós-doutorando pela USP membro titular efetivo da Academia de Letras de Londrina (PR) mestre em Direito pela UEL (linha de Processo Civil) pós-graduado em Processo Civil (2009) pós-graduado em Filosofia Jurídica e Política pela UEL (2011) coordenador da Comissão de Processo Constitucional da OAB Londrina membro do IBPD e IAP conselheiro da OAB Londrina e editor-chefe da Editora Thoth.

23 de fevereiro de 2024, 15h33

Convidado para palestrar sobre precedentes, decidi fazer uma série de entrevistas que denominei inicialmente como “o outro lado do balcão”. Assim, não desejava falar na palestra sobre o mesmo conteúdo sobre o qual até então eu tinha estudado e falado em outros eventos.

Decidi, portanto, entrevistar pessoas que estavam diretamente trabalhando com precedentes qualificados no Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.

Ao total foram 15 entrevistados devidamente selecionados, que trabalham quase exclusivamente com precedentes qualificados no STJ ou STF; ao todo, gastei cinco horas com entrevistas.

Para tanto, levantei seis hipóteses formuladas por meio de perguntas direcionadas aos entrevistados, que deveriam responder sem qualquer interferência minha.

Não entrevistei ministros, e o motivo foi já minha primeira conclusão prévia sobre o tema: há “micromundos” nas cortes superiores.

Explico: dependendo de qual ministro você entrevista, há uma perspectiva diferente sobre os precedentes qualificados.

Assim, tentando fugir desse viés, procurei entrevistar pessoas que estavam ligadas não apenas ao trabalho de um ministro, mas também ao contexto do “todo”, com visão mais global sobre o tema e menos específica da forma de trabalhar de um ministro.

Essa foi, portanto, minha primeira hipótese, confirmada inclusive no decorrer das entrevistas: há “micromundos” por parte dos julgadores na forma de aplicar e entender os precedentes qualificados.

Assim, não há uma visão institucional qualificada da perspectiva de aplicar e entender os precedentes qualificados.

Melhor, então, seria entrevistar pessoas que trabalhavam nessa visão global dos precedentes, em “repartições”, núcleos ou órgãos responsáveis pela rotina dos precedentes qualificados, e assim foi feito.

As seis questões
Como afirmado anteriormente, fiz seis perguntas para os entrevistados. A primeira foi: após a formação do precedente qualificado, formada sua tese, aplica-se apenas a “tese ou há análise da “ratio”? 53,3% afirmaram que se aplica somente a tese, e 46,7% afirmaram que a ratio também é aplicada. Destaco algumas frases dos entrevistados sobre o tema: (1) melhorou muito, mas ainda pouca efetividade na análise da ratio; (2) muitas vezes, é só tese e tese mesmo; (3) tese funciona bem somente nos casos absolutamente iguais; (4) analisa-se bem ratio nos embargos infringentes.

A segunda pergunta foi: O uso da “tese” é bom para a racionalidade do sistema? Para 13,3% depende; 13,3% responderam que não é bom, e 73,3% responderam que é bom, sim. Destaco algumas frases dos entrevistados sobre o tema: (1) essencial haver tese; (2) causa muita confusão; (3) não há nada melhor que isso no momento; (4) tese é um simulacro de súmula; (5) “é ruim, mas é bom”.

A terceira pergunta foi: Após formado o precedente qualificado, há “problema” de interpretação pelos tribunais? 33,3 % responderam que raramente; 6,7% responderam que não, e 60% responderam que sim, há problemas. Destaco algumas frases dos entrevistados sobre o tema: (1) pouca margem para erro; (2) pode haver problema na interpretação da ratio sim; (3) só a casos binários aplica-se bem; (4) depende da fundamentação do precedente; (5) há precedente que tribunal descumpre mesmo.

A quarta pergunta foi: demorar afetar para julgar um precedente qualificado é bom ou ruim? 40% responderam que depende; 0% falaram que é bom demorar afetar, e 60% falaram que é ruim demorar afetar. Destaco algumas frases dos entrevistados sobre o tema: (1) ruim demorar afetar, pois é sazonal; (2) depende do caso; (3) não é bom esperar afetar não, não se aprofunda com o decorrer do tempo; (4) evita suspender nacionalmente para ver o comportamento dos tribunais; (5) tem caso que é melhor não fazer nada e esperar amadurecer; (6) uma pergunta muito boa, pois o “timing” é muito importante e depende; (7) diferenças na Seção 1 e Seção 2 do STJ.

A quinta pergunta foi: Há, atualmente, boa formação do precedente qualificado? 33,3 % responderam que mais ou menos; 46,7% responderam que sim, e 20% responderam que não. Destaco algumas frases dos entrevistados sobre o tema: (1) é bem fundamentado, mas é igual lei: precisa ser interpretado e lido; (2) melhorou muito com o tempo; (3) nosso sistema é complicado, o sistema de voto seriatim (em comparação com decisão per curiam); (4) não há uma decisão da corte, isso é ruim; (5) na academia é bom, mas melhorou muito também.

A sexta e última pergunta foi: para os grandes litigantes, há preocupação preventiva ou repressiva? 26.7% responderam que muito pouco; 46,7% responderam que sim, e 26,7% responderam que não. Destaco algumas frases dos entrevistados sobre o tema: (1) há acordos pontuais com a AGU; (2) há boas práticas sobre o tema; (3) só para sair na mídia; (4) O sistema usa do Judiciário; (5) só com AGU, nada com bancos e afins.

Conclusões
Em resumo, penso primeiramente que as perguntas são sobre temas muito importantes para os operadores do Direito, fato que despertou grande interesse por parte dos entrevistados. Tocam as perguntas em temas sensíveis e que merecem especial atenção. Em segundo lugar, considero que esse tipo de pesquisa (coleta de dados) não é comum no Direito, mas deve ser incentivada. Hoje, escrevemos muito sobre livros (livros que tratam sobre livros), com pouca preocupação pragmática.

Em rápida consideração final sobre o resultado da pesquisa: nos preocupamos muito pouco com os grandes litigantes, tanto preventivamente quanto repressivamente. Um estudo voltado para minimizar o impacto causado pelos grandes litigantes, bem como propor soluções, poderia ter alto impacto em todas as áreas do Direito.

Outro ponto: avançamos muito em relação aos precedentes qualificados, fato de que inequivocadamente estamos dialogando mais sobre como melhor compreendê-los. Essa discussão em passado recente não existia. Não é ainda o ideal, mas melhoramos: veja, por exemplo, o conteúdo das perguntas aos entrevistados e suas respostas.

Por fim, precisamos repensar também qual função específica terão os precedentes qualificados: julgar precedentes qualificados para ter impacto em casos absolutamente iguais aos posteriores, ou também contribuir para uma melhor dinâmica de fundamentação e aplicação de seus fundamentos determinantes (ratio) em casos posteriores?

Autores

  • é advogado e professor, doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP (2020), pós-doutorando pela USP, membro titular efetivo da Academia de Letras de Londrina, mestre em Direito pela UEL (linha de Processo Civil), pós-graduado em Processo Civil (2009) e em Filosofia Jurídica e Política pela UEL (2011), ex-coordenador e fundador da Comissão de Processo Civil da OAB-Londrina (PR), ex-coordenador da pós-graduação em Processo Civil do IDCC Londrina (2018-2022), membro do IBPD, IAP e IPDP, conselheiro da OAB Londrina e editor chefe da Editora Thoth.

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