Justiça Tributária

As contradições na MP que limita a compensação de créditos

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12 de fevereiro de 2024, 8h00

Consoante exposto em coluna anterior, as empresas brasileiras foram negativamente surpreendidas, no penúltimo dia útil de 2023, com a edição da Medida Provisória nº 1.202, que (dentre outras alterações legislativas) estabeleceu a limitação da compensação de créditos decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado. Logo em seguida (5/1/24), a Portaria Normativa (PN) nº 14/24 regulamentou os limites previsto na MP.

Perguntas e respostas na página da Receita
Essa regulamentação foi muito debatida até que, em 24 de janeiro do corrente ano, a Receita Federal divulgou uma série de “Perguntas e Respostas” que responderam a maior parte dos questionamentos dos contribuintes.

Com efeito, restaram confirmadas as seguintes premissas:

1) A limitação alcança todas as declarações de compensação transmitidas a partir de 5 de janeiro de 2024, data da publicação da Portaria Normativa MF nº 14/2024 (independentemente de a compensação estar em curso).
2) O limite é calculado por processo de habilitação do crédito decorrente de decisão judicial.
3) O contribuinte poderá atualizar e utilizar todo o seu crédito até que seja totalmente exaurido.
4) Caso a compensação, em determinado mês, tenha sido inferior ao limite, não é possível somar a parte não compensada para aumentar o limite de meses subsequentes. Por esse motivo, os créditos iguais ou superiores a R$ 10 milhões que, em razão da limitação de compensação, não puderem ser compensados no prazo de 5 anos, poderão continuar a ser compensados após esse período.
5) Será considerada não declarada a compensação que ultrapassar o limite mensal previsto, com cobrança imediata dos débitos, acrescidos dos encargos legais cabíveis.

Os vícios contidos na MP
Inobstante o Poder Executivo ter resolvido parte dos problemas decorrentes da MP nº 1.202/2024, a previsão legal ainda contém vários vícios, sendo que os três mais evidentes se encontram abaixo resumidos:

1. Aumento inconstitucional de tributo:

A limitação da compensação configura indireto aumento de tributo, e, nos termos do artigo 62, §2º, da Constituição da República Federativa do Brasil, a MP que implique instituição ou majoração de tributo somente pode produzir efeitos a partir do ano subsequente àquele em que a MP fosse convertida em lei, ou seja, em 2025, caso ela seja convertida em lei em 2024.

2. Ausência do requisito constitucional de urgência:

A MP produzirá efeitos imediatos para limitar as compensações tributárias. Porém, em relação a outros aumentos previstos na mesma MP, os efeitos somente ocorrerão a partir de abril de 2024 ou janeiro de 2025, dependendo do tributo majorado. Portanto, apesar de a norma poder ser considerada relevante, ela não preenche o requisito constitucional da “urgência”.

3. Empréstimo compulsório:

Em razão de representar um aumento da carga tributária para fins de financiamento das atividades estatais (pelos créditos não aproveitados pelos contribuintes), essa medida se assemelha à figura do empréstimo compulsório que depende de lei complementar para sua instituição (CRFB, art. 148).

A despeito dessas inconstitucionalidades, existem outros aspectos cujos resultados práticos comprovam a absoluta insubsistência dessa limitação.

Renúncia ao precatório
Com efeito, inicialmente devemos ressaltar que estamos tratando de um direito garantido por decisão judicial transitada em julgado que incorpora a viabilidade de sua execução à data do trânsito em julgado.

Spacca

Um elemento que corrobora esse entendimento é que nos casos já transitados em julgado em que a empresa optou por compensar ao invés de receber através de precatório, essa decisão levou em conta o direito então existente – à época de tal decisão – de que não haveria limitações à compensação.

Com base nessa premissa, o contribuinte foi obrigado a desistir, expressamente, do direito de executar o seu título judicial no intuito de obter a certidão judicial necessária à elaboração do respectivo Pedido Administrativo de Habilitação de Crédito.

Trata-se de uma condição imposta pela própria União e aplicável àquela situação específica (na qual o contribuinte acreditava que poderia compensar o valor integral, desde que habilitasse o crédito antes de transcorridos 5 anos do trânsito em julgado da decisão).

Portanto, para os contribuintes que foram obrigados a renunciar à liquidação/execução de sentença (precatório) para realizar a compensação, existe um direito adquirido de escoar esse crédito, inclusive com base nos princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e vedação do enriquecimento ilícito por parte da União.

Dessa feita, não pode uma lei retroagir para atingir a opção já adotada pelo contribuinte (de compensar a totalidade do valor indevidamente pago, com os tributos vincendos, sem qualquer nova limitação), sem, pelo menos, garantir que a desistência possa ser relevada no caso de remanescer crédito (saldo) após a o prazo máximo previsto na norma (60 meses).

Nesses casos, a norma deve autorizar que o saldo seja restituído por meio de liquidação/execução de sentença (precatório), vez que, caso não seja admitido esse procedimento, existe o risco de o crédito ser alcançado pela prescrição imposta pela norma em razão das limitações temporais nela contidas. E, consequentemente, além de afronta ao princípio da imutabilidade da coisa julgada, a limitação deve ser considerada uma injúria ao princípio do não confisco.

Compensação realizada a maior
Outro aspecto que causa espécie está relacionado com a previsão de qualquer compensação realizada a maior ser diretamente enviada para inscrição em Dívida Ativa da União, sem direito ao contraditório administrativo.

A razão é simples: a compensação realizada a maior não pode ser considerada “falta de pagamento”, mas mera antecipação do direito do contribuinte e, portanto, postergação do pagamento do tributo compensado.

Quem nasceu na época da alta inflação deve lembrar como algumas empresas antecipavam despesas ou postergavam receitas no intuito de reduzir as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Nestes casos, a Receita Federal foi expressamente instruída a não glosar os valores deduzidos/acrescidos a maior, mas somente exigir os encargos legais sobre o valor que deixou de ser recolhido no respectivo período, em razão da inobservância do regime de competência.

Nesse sentido, os §§ 4º a 7º do artigo 6º do Decreto-lei nº 1.598/77 que podem ser assim resumidos:

a) a antecipação da receita ou a postergação da despesa não constitui motivo para lançamento de imposto, multa, correção monetária ou juros de mora, desde que a alíquota do tributo seja a mesma nos dois períodos-base;

b) a antecipação da despesa ou a postergação da receita enseja a cobrança de correção monetária e juros de mora sobre o imposto postergado, mas o imposto pago a menor no período-base anterior será compensado com o imposto pago a maior no período-base posterior.

Exemplificando: se a despesa antecipada foi de R$ 100 mil e a alíquota do imposto no exercício anterior e no subsequente for idêntica (digamos, de 25%), no exercício em que a despesa foi indevidamente lançada teremos R$ 25 mil de imposto pago a menor.

No exercício posterior, entretanto, a empresa pagou imposto a maior justamente no valor de R$ 25 mil por não ter computado a despesa antecipada. Fazendo a compensação de que trata o artigo 6º do Decreto-lei nº 1.598/77, não haverá diferença de imposto a lançar. Contudo, a ocorrerá a cobrança de juros e correção monetária (hoje englobadas na Selic), vez que houve postergação no pagamento de imposto.

Assim, a inobservância do regime de independência dos exercícios financeiros constitui um importante marco legal, vez que evitou a dupla incidência dos tributos (IRPJ/CSLL).

Seguindo na linha do tempo, após a edição do artigo 42, da Lei nº 8.981/95 que limitou a compensação de prejuízo a 30% do imposto devido, algumas empresas ultrapassaram essa limitação e compensaram, a maior, o prejuízo fiscal.

Com base na previsão contida no Decreto-lei nº 1.598/77, por analogia, o Carf editou a Súmula Vinculante nº 36 (DOU de 14/7/2010) nos seguintes termos: a inobservância do limite legal de trinta por cento para compensação de prejuízos fiscais ou bases negativas da CSLL, quando comprovado pelo sujeito passivo que o tributo que deixou de ser pago em razão dessas compensações o foi em período posterior, caracteriza postergação do pagamento do IRPJ ou da CSLL, o que implica em excluir da exigência a parcela paga posteriormente.

Mutatis mutandis, o mesmo raciocínio deve ser adotado no caso de algum contribuinte realizar compensações superiores às limitações previstas na MP nº nº 1.202.

O valor compensado a maior não pode ser inscrito em Dívida Ativa, vez que não constitui falta de pagamento (a empresa possui o direito líquido e certo de compensar o crédito reconhecido por decisão transitada em julgado em período subsequente), mas mera postergação do pagamento do tributo. Portanto, no caso concreto, o lançamento fiscal deve se restringir à incidência de juros e (convenhamos) multa de mora.

Contudo, qualquer tentativa de exigir o tributo compensado a maior resulta em cobrança indevida e, caso não possa ser discutida na esfera administrativa, resultará em longa e improfícua Execução Fiscal que resultará na condenação da União no pagamento de honorários sucumbenciais!

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