Opinião

Limitação da base de cálculo das contribuições de terceiros: insegurança jurídica trazida pelo STJ

Autores

  • Mateus Nicacio

    é sócio do Chinaglia|Nicacio Advogados pós-graduado em Direito Tributário pela FGV-SP e em Direito de Empresa pela PUC-MG bacharel em Direito também pela PUC-MG e membro do Conselho Empresarial de Assuntos Jurídicos da Associação Comercial e Empresarial de Minas (ACMinas).

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  • Henrique Morum

    é advogado tributarista no Chinaglia Advogados.

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  • César Chinaglia

    é sócio do Chinaglia|Nicacio Advogados mestre e pós-graduado em Direito Tributário pela FGV-SP e professor da pós-graduação Lato Sensu do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).

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15 de maio de 2024, 16h21

Em dezembro de 2020, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) submeteu ao rito especial da sistemática repetitiva a seguinte questão: “definir se o limite de 20 salários mínimos é aplicável à apuração da base de cálculo de contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros”, nos termos do artigo 4º da Lei nº 6.950/1981, com as alterações promovidas em seu texto pelos artigos 1º e 3º do Decreto-Lei nº 2.318/1986” (Tema nº 1.079 dos Recursos Repetitivos).

Veja-se que, nesse momento, a corte superior foi absolutamente genérica, sem especificar quais “contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros” estariam abrangidas na questão controvertida.

Inclusive, nesta mesma decisão de afetação do tema ao rito dos recursos repetitivos, o STJ intimou “a União, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), o Serviço Social do Comércio (Sesc), o Serviço Social da Indústria (Sesi), o Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio (Senac) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae)”, deixando claro que, no mínimo, todas essas entidades seriam impactadas pela decisão.

Por fim, foi determinada pelo STJ a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versassem sobre a questão em todo território nacional, nos termos do artigo 1.037, II, do CPC/2015.

Naturalmente, para atender tal determinação, os tribunais regionais ederais locais se limitavam a analisar se, no respectivo caso, a discussão se referia a contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros. Em caso positivo, o processo era suspenso (após a análise de eventual pedido liminar).

Pois bem.

No dia 2 de maio de 2024 foi publicado pelo STJ o acórdão relativo ao Tema nº 1.079 dos recursos repetitivos. Todavia, enquanto a questão submetida a julgamento estava voltada a definir se o limite de 20 salários-mínimos seria aplicável à base de cálculo de “contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros”, a tese firmada foi menos ampla do que se esperava.

Isso porque, acatando por maioria o voto da ministra relatora, a corte afastou o teto de 20 salários-mínimos, mas deixou claro que o julgamento seria específico para as contribuições destinadas ao chamado Sistema S (isto é, Sesi, Senai, Sesc e Senac).

Frisa-se que o voto vencedor reconheceu que “o pedido formulado na petição inicial das empresas autoras é o de ter reconhecido o direito ao recolhimento sobre bases de cálculo limitadas a vinte salários-mínimos das contribuições destinadas ao Sesi/Senai, Sesc/Senac, Incra, Salário-Educação e Sebrae”.

No entanto, asseverou que “conquanto o pedido tenha avançado sobre um plexo mais amplo de exações”, a matéria devolvida ao Superior Tribunal “diz respeito de legislação centrada em conjunto restrito de contribuições, quais sejam, Sesi, Senai, Sesc e Senac, sendo certo, portanto, que as demais questões trazidas pelo voto-vista claramente se ressentem de falta de prequestionamento”.

Destaca-se que a ministra relatora até ponderou que a ausência de limitação da base contributiva “repercutirá, em tese, na apuração das contribuições de outras entidades parafiscais posteriores a 1988, cujos recursos são obtidos de forma indireta das bases de cálculo daquelas organizações (e.g., Sebrae)”. No entanto, deixou claro que o efeito vinculante não seria extensível a todas as contribuições parafiscais, ao afirmar que “tais elementos são insuficientes para validar, no presente repetitivo, o grande alargamento dos contornos e do conteúdo da lide”.

Controvérsias da decisão

Ocorre que, no nosso ponto de vista, essa redução do objeto poderá causar ao menos dois problemas. Explicamos.

O primeiro problema é que, ao assim fazer, o STJ abriu margem para se sustentar que a limitação da base de cálculo a 20 salários-mínimos ainda seria aplicável às contribuições não englobadas pelo tema repetitivo. Atitude justificável ante a expressa desautorização da ministra relatora à ampliação do tema afetado para contemplar outras contribuições que não aquelas relativas ao “Sistema S”.

É verdade que, embora um pedido desse timbre seja juridicamente possível, as chances de acolhimento, naturalmente, seriam diminutas, já que provavelmente o entendimento fixado no Tema nº 1.079 seria estendido às demais contribuições de terceiros.

De todo modo, não havendo efeito vinculante às contribuições não englobadas pelo tema repetitivo, há margem para que o contencioso sobre o tema continue, inclusive com novos argumentos a serem endereçados pelos contribuintes.

O segundo problema é que, como amplamente noticiado, foi acatada a modulação dos efeitos da decisão proposta pela ministra relatora. Prevaleceu, ao fim, a modulação “com relação às empresas que ingressaram com ação judicial e/ou protocolaram pedidos administrativos até a data do início do presente julgamento, obtendo pronunciamento (judicial ou administrativo) favorável, restringindo-se a limitação da base de cálculo, porém, até a publicação do acórdão”.

Como a tese final firmada englobou tão somente as contribuições destinadas ao Sesi, Senai, Sesc e Senac e a redação da modulação dos efeitos abrange, em caráter inespecífico, os contribuintes que obtiveram “pronunciamento favorável”, parece-nos incerto se as contribuições parafiscais não abarcadas pelo tema repetitivo se aproveitarão ou não da modulação proposta.

As consequências desta definição são sensíveis. Isso porque, sem que as demais contribuições sejam abrangidas pela modulação dos efeitos, o contribuinte que detém decisão favorável vigente poderá ver seu direito de manutenção da limitação da base de cálculo até a publicação do acórdão restrito às contribuições destinadas ao Sesi, Senai, Sesc e Senac, impondo-se o dever de recolhimento de todas as demais contribuições de forma retroativa, com a incidência de juros.

Um hipotético contribuinte que tenha impetrado mandado de segurança e obtido liminar favorável para limitar a base de cálculo das contribuições ao Incra, Sebrae e FNDE, portanto, não se qualificaria, em princípio, à modulação dos efeitos da decisão. Seria sujeito, pois, não só ao pagamento das próprias contribuições não recolhidas, mas também ao pagamento dos juros moratórios.

No entanto, se a proposta de modulação vingou, nas palavras da relatora, porque existiriam, apenas no âmbito da 2ª Turma, ao menos 15 decisões proferidas “englobando múltiplas contribuições” e ao menos cinco decisões da 1ª Turma, a favor da limitação da base de cálculo, seria correto que os mesmos contribuintes que discutem estas “múltiplas contribuições” que foram objeto das decisões historicamente favoráveis não fossem abrangidos pela proposta de modulação de efeitos do julgado?

É seguro dizer que a justa expectativa dos jurisdicionados que foi homenageada e preservada em relação ao entendimento consolidado à época pelo Superior Tribunal de Justiça não é a mesma para os contribuintes que estavam a recolher as contribuições ao Incra, Sebrae, FNDE, por exemplo?

Para que este juízo seja feito, é relevante lembrar, mais uma vez, que a própria decisão de afetação dos recursos ao rito dos recursos repetitivos definiu, de modo expresso, que o mérito da controvérsia consistiria em definir se o limite de 20 salários-mínimos é aplicável à apuração da base de cálculo de “contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros” e, inclusive, que Incra e Sebrae foram intimados para se manifestarem ao tempo da afetação.

Preocupante cenário em que, em razão da suspensão ordenada pelo próprio Superior Tribunal de Justiça, eventuais contribuições parafiscais não abrangidas pela tese final deixaram de ser recolhidas por anos, ante a vigência de pronunciamento judicial favorável e, por fim, não seriam abrangidas pela modulação dos efeitos.

Dado todo esse contexto, parece-nos relevante — e recomendável — que, no julgamento dos embargos de declaração opostos pelas partes, haja análise e definição expressa pelo STJ acerca da necessidade de extensão da modulação dos efeitos às demais contribuições parafiscais, homenageando a segurança jurídica e razoabilidade tão necessárias nos dias atuais.

Autores

  • é sócio do Chinaglia|Nicacio Advogados, pós-graduado em Direito Tributário pela FGV-SP e em Direito de Empresa pela PUC-MG, bacharel em Direito também pela PUC-MG e membro do Conselho Empresarial de Assuntos Jurídicos da Associação Comercial e Empresarial de Minas (ACMinas).

  • é advogado tributarista no Chinaglia | Nicacio Advogados e pós-graduando em Direito Tributário no Insper.

  • é sócio do Chinaglia|Nicacio Advogados, mestre e pós-graduado em Direito Tributário pela FGV-SP e professor da pós-graduação Lato Sensu do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).

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