Direto do Carf

Novo Ricarf e Súmulas: novidades e expectativas

Autores

  • Fernando Brasil de Oliveira Pinto

    é conselheiro da 1ª Turma Câmara Superior de Recursos Fiscais auditor fiscal da Receita Federal e professor em cursos de especialização na Unisinos Universidade Lasalle e Verbo Jurídico. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Feevale em parceria com a PUC-RS e bacharel em Direito pela Universidade Feevale e em Ciências Contábeis pela USP (Universidade de São Paulo).

  • Jorge Claudio Duarte Cardoso

    é mestre em Direito (Políticas Públicas e Processo) especialista em Direito Tributário e bacharel em Direito auditor-fiscal da Receita Federal do Brasil e membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais onde exerceu mandato de Conselheiro Representante da Fazenda Nacional e professor de Direito Tributário em cursos de graduação em Direito e pós-graduação.

7 de fevereiro de 2024, 8h00

Súmulas Carf: novo cenário
Os enunciados de Súmulas do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) já vinculavam seus membros, a teor do que dispunha o caput do artigo 72 do Ricarf/2015, aprovado pela Portaria MF nº 343/2015 [1].

Para surtir efeitos nos demais órgãos da administração tributária, havia necessidade de o ministro da Fazenda atribuir às Súmulas Carf efeito vinculante, nos termos do artigo 75 do Ricarf/2015.

Ao dar nova redação ao Decreto nº 70.235/1972, a Lei nº 14.689, de 20 de setembro de 2023, dispôs que, não somente o Carf, mas também as Delegacias da Receita Federal de Julgamento (DRJ), observarão as súmulas do Carf [2].

Em 21 de dezembro de 2023, foi publicado novo Regimento Interno do Carf – Ricarf/2023, aprovado pela Portaria MF nº 1.634/2023.

O Ricarf/2023 manteve a possibilidade de vinculação de toda a administração tributária por meio de ato do Ministro da Fazenda, conforme previsto em seu artigo 129 [3].

No que diz respeito ao efeito vinculante das Súmulas do Carf, em linha com o disposto na Lei nº 14.689/2023, o Ricarf/2023 dispôs que a simples aprovação de uma Súmula Carf, além de vincular os conselheiros do Carf, também demandará observância obrigatória pelas DRJ (§4º do artigo 123 [4]).

Não há mais necessidade de ato ministerial que atribua efeito vinculante às Súmulas Carf para que os julgadores das DRJ as observem, mantendo-se tal exigência tão somente para vincular a Receita Federal (Instruções Normativas, Portarias, lançamentos, despachos decisórios, etc.) e a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.

Spacca

Contemporâneo à imposição de vinculação do Carf e das DRJ às súmulas do Carf, instituída pela Lei 14.689/2023 (que incluiu o §13 no artigo 25 do Decreto nº 70.235, de 1972), o Ricarf/2023 traz outra novidade: o não conhecimento de recurso de ofício ou voluntário interpostos contra decisão de primeira instância que adote como razão de decidir Súmula aprovada pelo Carf (artigo 101 [5]), exceto quando “houver outra matéria a ser apreciada” ou “o recurso voluntário contiver argumentação com os motivos de fato ou de direito pelos quais o enunciado das súmulas ou as decisões não se aplicariam ao caso concreto” (incisos I e II do parágrafo único do artigo 101).

Sublinhe-se que o não conhecimento de recursos de ofício e voluntário nos casos em que as decisões de primeira instância adotarem como razão de decidir Súmula aprovada pelo Carf poderão ser tomadas monocraticamente pelos presidentes de Câmara, a teor do que dispõe o artigo 59, inciso XVII do Ricarf [6], por óbvio, nos casos de inexistência de distinguishing na decisão recorrida ou recurso, pois, caso contrário, os processos deverão ser sorteados para relato e posterior decisão no colegiado competente.

O Ricarf/2023 trouxe ainda mais uma novidade no que diz respeito aos efeitos das Súmulas: a reboque do que já vinha se decidindo na 1ª Turma da CSRF [7], agora, de forma explícita, dispensou-se a necessidade de retorno do processo para julgamento em segunda instância quando a matéria remanescente na instância especial (CSRF) for objeto de Súmula do Carf ou Resolução do Pleno da CSRF e versar exclusivamente sobre aplicação de direito (artigo 111, § 5º).

O mesmo procedimento se aplica para dispensa de retorno de processo para a 1ª instância (DRJ), em se tratando de matéria objeto de Súmula do Carf ou Resolução do Pleno (artigo 111, § 6º).

O Ricarf/2023 também deu relevância às súmulas ao dispor sobre a fundamentação das decisões por meio de referência à súmula do CARF, hipótese em que bastará ao acórdão identificar o número da súmula, os fundamentos determinantes e a demonstração de que o caso sob julgamento a eles se ajusta (inciso II, do §12 do art. 114).

Aprovação de Súmulas Carf: rito tradicional mantido e novo rito simplificado
No âmbito do Ricarf/2015, a aprovação de Súmulas já poderia ser feita no âmbito de cada Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) para aprovar enunciado de súmula que trate de matéria concernente à sua competência – ou ao Pleno da CSRF – para edição de enunciado de súmula quando se de matéria que, por sua natureza, for submetida a 2 ou mais turmas da CSRF (artigo 72, §§ 1º e 2º, do Anexo II do Ricarf/2015).

Essas mesmas hipóteses foram mantidas no Ricarf/2023 (artigo 123, §§ 1º e 2º).

Também não há novidades no que concerne no procedimento consagrado pelo artigo 73 do Anexo II do Ricarf/2015, em que a proposta de súmula poderia ser de iniciativa de conselheiro do Carf, do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, do Secretário da Receita Federal do Brasil, ou de Presidente de confederação representativa de categoria econômica ou de central sindical, habilitadas à indicação de conselheiros.

Na essência, o artigo 126 do Ricarf/2023 manteve a redação do artigo 73 do Ricarf/2015 e dispôs que a proposta deve ser instruída “com pelo menos cinco decisões proferidas cada uma em reuniões diversas, em pelo menos dois colegiados distintos” (§ 1º), exceto de Turmas Extraordinárias (§ 6º), exigindo-se para aprovação do enunciado voto de pelo menos três quintos da totalidade dos conselheiros do respectivo colegiado (§ 4º).

No padrão seguido até o Ricarf/2015, a aprovação de súmulas pelo Pleno da CSRF e pelas Turmas da CSRF ocorreria anualmente, em rito que compreende período de solicitação aos conselheiros para que proponham enunciados de súmulas e uma convocação do Pleno com finalidade específica de aprovação de súmulas.

Contudo, não houve convocação do Pleno e das Turmas da CSRF em vários anos.

A última reunião com essa finalidade ocorreu em 6 de agosto de 2021, quando foram apreciadas 49 propostas de enunciado de súmulas, referentes às proposições realizadas nos anos de 2020 e 2021 [8], com a aprovação de um total de 25 enunciados de Súmulas Carf [9].

Sob a ótica da uniformização de jurisprudência, a tardia aprovação de súmulas permite que discussões e divergências sobre um tema se perpetuem, acarretando morosidade na conclusão do julgamento dos processos.

O Ricarf/2023 inovou ao trazer duas novas alternativas para proposição de Súmulas: por conselheiro de Turma da CSRF (artigo 124); por conselheiro de turma ordinária, que, em tendo confirmação por sua turma ordinária, será levada à apreciação da Turma da CSRF (artigo 125).

A inovação criada pelo artigo 124 permite que qualquer conselheiro de Turma da CSRF possa “propor enunciado de súmula, que trate de matéria de competência da respectiva turma, correspondente a tese por ela adotada em três acórdãos concordantes proferidos por unanimidade ou maioria”.

Salienta-se que o quórum exigido no artigo 124 do Ricarf/2023 para os precedentes que embasarem a proposta de Súmula é diferenciado: os acórdãos têm que ter sido decididos por unanimidade ou maioria de votos, o que não se exige para as demais hipóteses regimentais de encaminhamento de propostas de súmulas [10].

Recebida a proposta de Súmula, o presidente de Turma da CSRF encaminhará ao presidente do Carf caso a matéria a ser sumulada seja comum a mais de uma das Seções de julgamento (§ 1º, inciso I – com convocação do Pleno pelo presidente do Carf) ou incluirá em pauta de reunião de julgamento da Turma, na hipótese de a matéria ser de competência exclusiva da respectiva Seção.

Para aprovação da súmula proposta nesses termos, mantém-se o quórum de 3/5 da totalidade dos conselheiros da Turma da CSRF, contudo, passou-se a exigir participação obrigatória do presidente e do vice-presidente do Carf (§ 2º).

Já em seu artigo 125, o Ricarf/2023 possibilitou ao conselheiro de Turma Ordinária “propor, em seu respectivo colegiado, enunciado de súmula para apreciação pela Turma da CSRF a quem compete a matéria, quando verificar ao menos três acórdãos concordantes proferidos por turmas ordinárias distintas, entre os proferidos nos três últimos anos”.

Caso o colegiado aprove a proposta de enunciado de súmula, nesse caso, por maioria de votos, o conselheiro proponente deverá formalizar a proposta e encaminhá-la ao presidente da Turma, que a remeterá ao presidente da Seção (§ 1º), seguindo, a partir de então, o mesmo rito previsto na proposição de súmulas por membros da CSRF.

Há diferenças entre o conjunto de acórdãos paradigmas conforme a proposta seja baseada no artigo124 ou no artigo 125:

– no âmbito da CSRF, os conselheiros precisam de três acórdãos concordantes do próprio colegiado, sem limitação temporal ao período em que foram prolatados;

– aos conselheiros de Turma Ordinária também basta indicar três acórdãos concordantes, porém esses precisam ter sido proferidos por turmas ordinárias distintas nos últimos três anos.

Há de se ressaltar, contudo, que do mesmo modo que o Ricarf/2023 criou um rito célere e simplificado para aprovação de súmulas a partir da proposta de conselheiros da CSRF e de Turmas Ordinárias, no § 4º do artigo 124 também previu iter para revisão ou cancelamento de enunciado de súmula de Turma da CSRF, a partir de proposta do presidente da respectiva Turma da CSRF.

De toda forma, o Ricarf/2023 manteve em seu art. 128 o que já era previsto nos regimentos anteriores: a possibilidade de revisão ou cancelamento de enunciado de súmula a partir de proposta do presidente do Carf, do procurador-geral da Fazenda Nacional, do secretário especial da Receita Federal, de presidentes de Confederação representativa de categoria econômica de nível nacional ou de Central Sindical, habilitadas à indicação de conselheiros.

De modo similar ao Ricarf/2015 (art. 74, §§ 4º e 5º do Anexo II), quando sobrevier “decisão transitada em julgado do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, em sede de julgamento realizado na sistemática da repercussão geral ou dos recursos repetitivos, que contrarie seu conteúdo”, o presidente do Carf revogará súmula do Carf sem necessidade de aprovação pelos respectivos colegiados que as tenham aprovado (artigo 128, § 4 º), exceto nos casos das súmulas aprovadas pelo ministro da Fazenda (§ 5º), hipótese em que os mesmos interessados a propor súmula no rito tradicional poderão encaminhar, por intermédio do presidente do Carf, proposta ao ministro da Fazenda para revogação de enunciado.

Convém ressaltar que o artigo 25 do Ricarf/2023 determina que compete à Divisão de Análise de Recurso e Uniformização de Jurisprudência – Direj “analisar as propostas de súmula e resolução de uniformização de teses divergentes a serem submetidas ao Pleno e às Turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais”, sendo comum que muitas propostas que não preencham os pressupostos regimentais sejam de pronto obstadas, sem que haja necessidade de pronunciamento pelos colegiados do Carf.

No rito ora previsto no artigo 126 do Ricarf/2023, remanescente do Ricarf2015, não há dúvidas de que o papel da Direj permanecerá incólume.

Não resta claro, contudo, se nas novas formas de proposição de súmulas trazidas pelos artigos 124 e 125 do Ricarf/2023 haverá necessidade prévia de análise da Direj para que as propostas de enunciados sejam levadas ao escrutínio do colegiado competente.

O artigo 60, inciso VIII, determina que os presidentes de Seções deverão encaminhar à Direj “proposta, própria ou encaminhada por Presidente de Câmara ou Turma, para edição de súmula ou resolução de uniformização”, mas nada dispõe sobre os presidentes de Seção encaminharem à Direj as propostas de súmula de conselheiros da CSRF (artigo 124), de modo que é um ponto que merece ser tratado na regulamentação.

Quanto ao presidente de Câmara, não há dúvidas de que ele deve encaminhar ao presidente de Seção as propostas de Súmulas de que tratam o artigo 126 do Ricarf/2023 (artigo 59, inciso V).

O Ricarf/2023 atribuiu competência aos presidentes de Turma Ordinária para remeter ao presidente de Seção a proposta de Súmulas, após aprovação do encaminhamento pela maioria do colegiado a partir de proposta de um de seus próprios membros (parágrafo único do artigo 125), o que atrai aplicação do artigo 60, inciso VIII.

Aparentemente, portanto, as propostas de Súmulas de que tratam os artigos 125 e 126 do Ricarf/2023 deverão passar necessariamente pelo crivo da Direj antes de sua submissão aos colegiados.

De outra banda, em relação à proposta de súmula de que trata o artigo 124 do Ricarf/2023 (proposta por membros da CSRF com rito e critérios simplificados), o Regimento não prescreve a necessidade de análise por parte da Direj.

De toda sorte, a dúvida poderá ser dirimida por ato do presidente do Carf, a teor do que dispõe o artigo 127 do RICARF/2023 ao atribuir a ele competência para regulamentar o processamento das propostas de súmulas.

Conclusões
Conforme se observa, o Ricarf/2023 foi muito além do que meramente reproduzir o Ricarf/2015 ou a Lei nº 14.689, de 2023, no que diz respeito às propostas de enunciados de Súmula e seus efeitos nos julgamentos realizados não só no âmbito do Carf, mas também nos julgamento em 1ª instância, à medida que inovou a forma de os conselheiros proporem enunciados de súmula, com requisito diferenciado de acórdãos paradigmas, e possibilitou aprovação de súmula de Turma da CSRF em pauta de julgamento do colegiado.

Espera-se, assim, que tais medidas contribuam para que as Súmulas do Carf sejam aprovadas em menor tempo e maior número, contribuindo para maior celeridade no julgamento de recursos em primeira e segunda instâncias — com consequente redução da temporalidade do acervo no âmbito do Carf (e também nas DRJ) — e para redução de litigiosidade fiscal quando da atribuição às Súmulas, pelo ministro da Fazenda, de efeitos vinculantes a toda administração tributária.

[1] Disponível aqui.

[2] § 13. Os órgãos julgadores referidos nos incisos I e II do caput deste artigo observarão as súmulas de jurisprudência publicadas pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.” (NR)

[3] Art. 129. O Ministro de Estado da Fazenda poderá, por proposta do Presidente do Carf, do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, do Secretário Especial da Receita Federal do Brasil ou de Presidente de Confederação representativa de categoria econômica ou profissional habilitada à indicação de conselheiros, atribuir à súmula do Carf, ou à Resolução do Pleno, efeito vinculante em relação à administração tributária federal.

[4] Art. 123. […]

Parágrafo 4º As Súmula de Jurisprudência do Carf deverão ser observadas nas decisões dos órgãos julgadores referidos nos incisos I [Delegacias da Receita Federal de Julgamento] e II [CARF] do caput do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 1972.

[5] Na realidade, o art. 101 do Ricarf/2023 também cria hipóteses de não conhecimento de recursos de ofício e voluntário (decisão de primeira instância que adote como razões de decidir decisão plenária definitiva do STF, Súmulas Vinculantes do STF e Súmulas Carf), hipóteses essas antes previstas no Ricarf/2015 somente para não conhecimento de recursos especiais (art. 67, § 12, do Anexo II do Ricarf/2015).

[6] Art. 59. Aos Presidentes de Câmara incumbe:

[…]

XVII – nas hipóteses do art. 101, negar conhecimento ao recurso de ofício e ao recurso voluntário quando, nesse último caso, o recurso não contiver argumentação com os motivos de fato ou de direito pelos quais o enunciado das súmulas ou as decisões não se aplicariam ao caso concreto.

[7] No Acórdão nº 9101-006.602, de 11/05/2023, por exemplo, apesar da nulidade da decisão de primeira instância, dispensou-se o reconhecimento de nulidade, pois o retorno se limitaria à aplicação da Súmula CARF nº 178 quanto à exigência de multa isolada após o encerramento do ano-calendário.

 

[8] PORTARIA CARF/ME Nº 7.974, DE 2 DE JULHO DE 2021. Publicado em: 05/07/2021 | Edição: 124 | Seção: 1 | Página: 15

[9] http://idg.carf.fazenda.gov.br/jurisprudencia/sumulas-carf

[10] Em tese, nas propostas de súmulas de que tratam os arts. 125 e 126 do Ricarf/2023, os acórdãos indicados podem ter sido decidido por voto de qualidade ou com base no revogado art.19-E da Lei nº 10.522/2002, com a redação dada pela lei nº 13.988/2020.

Autores

  • é conselheiro da 1ª Turma Câmara Superior de Recursos Fiscais,, auditor fiscal da Receita Federal e professor em cursos de especialização na Unisinos, Universidade Lasalle e Verbo Jurídico. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Feevale em parceria com a PUC-RS e bacharel em Direito pela Universidade Feevale e em Ciências Contábeis pela USP (Universidade de São Paulo).

  • é mestre em Direito (Políticas Públicas e Processo), especialista em Direito Tributário e bacharel em Direito, auditor-fiscal da Receita Federal do Brasil e membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, onde exerceu mandato de Conselheiro Representante da Fazenda Nacional, e professor de Direito Tributário em cursos de graduação em Direito e pós-graduação.

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