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Árbitro deve revelar fatos que causem dúvidas justificadas sobre sua imparcialidade

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24 de abril de 2024, 19h11

Árbitros precisam ser transparentes e revelar fatos que causem dúvidas justificadas sobre sua independência e imparcialidade. A jurisprudência sobre homologação de sentenças arbitrais estrangeiras deve ser estável, de forma a garantir segurança jurídica e atrair investimentos. E a arbitragem é um bom caminho para resolver questões técnicas complexas em contratos envolvendo a administração pública.

Evento da FGV Rio discutiu questões atuais envolvendo a arbitragem no Brasil

Essa é a opinião dos especialistas no tema que participaram do seminário “Arbitragem e Judiciário”, promovido no Centro Cultural da Fundação Getulio Vargas, no Rio de Janeiro, na última sexta-feira (19/4).

No evento, Luis Felipe Salomão, ministro do Superior Tribunal de Justiça e corregedor nacional de Justiça, apresentou dados de uma pesquisa pioneira da FGV Justiça sobre ações anulatórias de sentenças arbitrais.

O estudo analisou 358 apelações e 32 recursos especiais. Em segunda instância, no período de 2018 a 2023, a taxa de procedência das ações anulatórias foi de 22,6%. No STJ, a taxa de procedência das ações anulatórias ficou em 9,4% no período de 2018 a 2023.

Imparcialidade do árbitro

O primeiro painel do evento, “Imparcialidade e independência do árbitro”, foi mediado por Peter Sester, pesquisador da FGV Justiça.

Na sessão, o ministro do STJ Ricardo Villas Bôas Cueva afirmou que o dever de revelação do árbitro não é uma “jaboticaba” do sistema arbitral brasileiro, pois foi estabelecido com base no modelo da Uncitral.

Não é fácil para profissionais que atuam em grandes escritórios ou empresas ter ciência de todas as situações que podem afetar processos arbitrais, destacou o magistrado. Mas é preciso um esforço constante para isso, avaliou ele, destacando o uso de ferramentas tecnológicas para acompanhar melhor os andamentos dos casos e identificar potenciais situações de conflito de interesse.

“O dever de revelação visa a promover o equilíbrio da assimetria informacional entre árbitros e partes, reduzindo essa assimetria através das informações relevantes. Isso não se confunde com uma full disclosure, revelar todos os fatos pretéritos sobre a vida da pessoa que possam, eventualmente, ter relação com o tema da arbitragem. É um ideal impossível. O dever de revelação alcança apenas os fatos que realmente sejam relevantes”, disse Cueva.

Nessa mesma linha, Gustavo Schmidt, procurador do município do Rio de Janeiro, presidente do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem e professor da FGV Direito Rio, apontou que o que tem de ser revelado é apenas o fato que cause dúvida justificada sobre a independência e imparcialidade do árbitro. Mas nem todas as conexões profissionais ou de amizade precisam ser divulgadas.

Schmidt também ressaltou ser preciso ter cautela com as investigações sobre árbitros feitas pelas partes. Afinal, isso pode gerar uma “tática de guerrilha”: a parte guarda a informação potencialmente comprometedora e só a utiliza se obtiver sentença desfavorável. “Cabe ao Judiciário repelir esse tipo de prática e ter muita cautela para evitar que haja uma manipulação do procedimento arbitral por parte de uma das partes que esteja inconformada com o seu resultado”, opinou o procurador.

Por sua vez, Bruna Bisi Ferreira de Queiroz, procuradora do município de Castelo (ES), declarou que a imparcialidade do julgador é examinada de forma mais rígida nas arbitragens do que em processos judiciais. Isso em razão de a arbitragem ser um meio heterocompositivo, em que as partes escolhem o árbitro em razão da sua competência para decidir a questão.

O advogado Flávio Galdino defendeu que o questionamento aos árbitros ocorra no início do procedimento. Isso evitaria a “tática de guerrilha” de guardar informações comprometedoras para o caso de eventual derrota e protegeria a integridade do instituto.

Sentenças estrangeiras

O segundo painel do evento, “Reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras”, foi mediado por Juliana Loss, diretora-executiva da Câmara de Mediação e Arbitragem da FGV.

O ministro do STJ João Otávio de Noronha destacou a importância de se ter regras claras, de forma a aumentar a segurança jurídica. Com essa garantia, investidores ficam confortáveis para aportar recursos no país.

Fernanda Pantoja, advogada e professora da PUC-Rio, explicou que, em casos de execução de tutela de urgência em arbitragem internacional proferida em outra jurisdição, não deve haver o procedimento de homologação de sentença estrangeira para a decisão arbitral valer no Brasil. Afinal, são ordens urgentes, que precisam ser rapidamente colocadas em prática. A tramitação via carta rogatória também não vale a pena, pois envolve um rito diplomático e cara.

A melhor solução, segundo Fernanda, é usar a carta arbitral. Trata-se de medida consideravelmente mais célere, prevista tanto pelo Código de Processo Civil quanto pela Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996). E há fortes argumentos, de acordo com a professora, para tais procedimentos poderem tramitar não só no STJ, mas em tribunais de segunda instância.

Peter Sester destacou que a não homologação de uma sentença estrangeira exige uma violação à ordem pública, a uma norma fundamental do Direito Constitucional, Civil, Penal ou Administrativo.

Por exemplo, uma condenação acima do dano que a parte sofreu implica distorção do sistema de responsabilidade civil brasileiro, e essa parte de uma sentença arbitral não pode ser homologada, pois seria uma afronta ao sistema nacional, disse Sester.

André Abbud, professor da Escola de Direito da FGV SP, opinou que a jurisprudência sobre homologação de sentenças arbitrais estrangeiras deve ser estável, monótona, ter só um tom.  Afinal, a arbitragem é a forma-padrão de resolução de disputas relativas a comércio internacional.

Isso porque nenhuma parte quer litigar no país da sua contraparte, e o sistema de execução de sentenças arbitrais é mais simples do que o de judiciais, informou Abbud. Ele ainda defendeu a adoção, pelo Brasil, da Convenção de Nova York, o que passaria aos demais países uma mensagem de que nos integramos ao sistema internacional de arbitragem.

Contratos públicos

O terceiro painel do evento, “Arbitragem na administração pública: uma tendência?”, foi mediado por Ricardo Couto, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e professor da FGV.

Mauro Campbell, ministro do STJ, avaliou que a arbitragem na administração pública é uma tendência positiva, especialmente em temas de alta complexidade técnica. A medida não terá grandes efeitos na desjudicialização, mas pode aumentar a qualidade da solução de conflitos, analisou o magistrado.

Nicola Khoury, secretário-geral adjunto de Controle Externo do Tribunal de Contas da União, expressou o receio de que a possibilidade do uso de arbitragem na nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021) não seja devidamente aproveitada — como ocorreu no caso das obras e serviços do regime diferenciado de contratação, criado para a Olimpíada de 2016.

Eugênia Marolla, procuradora do estado de São Paulo, disse ser importante que a advocacia pública participe da elaboração de normas e diretrizes sobre o uso da arbitragem em contratos com o Estado.

Gustavo Vaughn, advogado, afirmou que o crescimento do número de advogados públicos que frequentam eventos de arbitragem demonstra o interesse desses profissionais na utilização do mecanismo para a resolução de controvérsias envolvendo a administração.

Pesquisa comentada

Ao comentar os dados da pesquisa da FGV Justiça, o procurador Olavo Alves Ferreira explicou à revista eletrônica Consultor Jurídico que o Judiciário não avalia o mérito das sentenças arbitrais, apenas os aspectos formais estabelecidos pelo artigo 32 da Lei de Arbitragem.

O dispositivo determina que é inválida a sentença arbitral se: for nula a convenção de arbitragem; emanou de quem não podia ser árbitro; não contiver os requisitos do artigo 26 da lei (relatório, com nomes das partes e um resumo do litígio; fundamentos da decisão, onde são analisadas as questões de fato e de direito, mencionando-se, expressamente, se os árbitros julgaram por equidade; o dispositivo, em que os árbitros resolverão as questões que lhes forem submetidas e estabelecerão o prazo para o cumprimento da decisão; e a data e o lugar em que foi proferida); for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem; for comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva; for proferida fora do prazo; e forem desrespeitados os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento.

Ferreira também disse que dificilmente uma ação anulatória de sentença arbitral vai se encerrar na primeira instância do Judiciário, uma vez que são casos que envolvem altos valores financeiros. Dessa maneira, ele elogiou a metodologia da pesquisa da FGV Justiça, de se concentrar em processos da segunda instância e do STJ.

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