Opinião

Alto número de ações anulatórias de sentenças arbitrais é fake news

Autor

  • Gabriel de Britto Silva

    é advogado especializado em direito imobiliário e participante da comissão de arbitragem do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ubradim) e da OAB/RJ.

16 de abril de 2024, 16h23

No último dia 19 março, foi debatido, em evento na FGV Direito SP, o resultado da pesquisa elaborada pelo Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr), divulgada no dia 22 de novembro de 2023, envolvendo os dados sobre as ações anulatórias de sentenças arbitrais proferidas em arbitragens com sede em São Paulo. O estudo se pautou nas anulatórias distribuídas e julgadas pelas varas especializadas em Direito Empresarial e arbitragem da comarca paulistana entre março de 2018 e novembro de 2022.

Até o momento, inexistia no país pesquisa indicativa do número de sentenças arbitrais proferidas em determinado ano, do número de ações anulatórias distribuídas quanto às referidas sentenças, e, ainda, do número de decisões transitadas em julgado que concluíram pela procedência das mencionadas ações anulatórias.

A comunidade arbitral sempre sustentou que eram poucas anulações. Porém, o tema das anulatórias está crescentemente presente em artigos, palestras e apresenta-se como um temor para o investidor que busca na escolha da sede da arbitragem um lugar que irá lhe prover segurança jurídica. A pesquisa, assim, é muito bem vinda e os seus números animadores.

De início, necessário pontuar que apenas foram analisados os processos não sujeitos a segredo de justiça e se recorreu ao banco de sentenças públicas do Tribunal de Justiça de São Paulo. Desta forma, não foi possível abarcar a totalidade dos processos existentes, de modo que as quantidades estão subestimadas, o que não gera prejuízo para fins estatísticos, ante um estudo pautado no uso de técnicas de amostragem.

Número é baixo

A pesquisa identificou, no período, 34 ações anulatórias oriundas de sentenças arbitrais advindas de contratos em geral. E 17,7% dos pedidos foram julgados procedentes, total ou parcialmente.

Como se verifica, o número de ações anulatórias é reduzido, ainda mais considerando um período de análise de quase cinco anos. Portanto, trata-se de indisfarçável fake news as rotineiras e infundadas falas sobre o elevado número de anulatórias no país.

Reprodução

Frise-se que, em evento promovido pela Associação Latinoamericana de Arbitragem (Alarb) no dia 18 de outubro de 2023, durante a SP Arbitration Week, foram abordados os desafios da utilização da arbitragem na América Latina. E foi pontuado que haveria resistência da escolha do Brasil como sede de arbitragens, ante o número de ações anulatórias. Como se conclui, tal resistência é substancialmente imotivada, já que pautada em fala retórica desacompanhada de suporte fático.

Adicionalmente, valendo das mesmas câmaras arbitrais que integram a pesquisa “Arbitragem em Números” elaborada anualmente pela professora Selma Lemes (CAM-CCBC, Ciesp/Fiesp, FGV, CCI, Camarb, Amcham e CBMA), e, pautando-se no mesmo período e sede de arbitragem, o estudo do CBAr identificou que foram proferidas 606 sentenças arbitrais, em face das quais foram distribuídas 17 ações anulatórias, sendo 6 foram julgadas procedentes no todo ou em parte.

O número de anulatórias novamente é baixo (2,8%: 606 x 17). A probabilidade de ter uma sentença anulada também é diminuta (0,99%: 606 x 6). Porém, dentre as anulatórias ajuizadas, o percentual de procedência apresentou-se como sendo de 35% (17 x 6).

Necessário que haja um estudo detido das sentenças de acolhimento das anulatórias pelos árbitros e pelos administradores das câmaras para que os mencionados percentuais de 17,7% e de 35% sejam ainda mais reduzidos. Como a evolução e o aperfeiçoamento devem ser contínuos, os árbitros e as câmaras devem, cada vez mais, caminhar no sentido de se evitar, na origem, via combate das causas, a prolação de sentença anulatórias de procedência.

Brasil será hub arbitral global

O estudo merece ir além. Merece ir além para o alcance dos números totais das sentenças proferidas, das anulatórias distribuídas e das sentenças de procedência também quanto aos processos em segredo de justiça. Merece ir além para abarcar todos os tribunais do país. Merece ir além para estudar o motivo das procedências.

E, merece ir além para que não sejam consultadas tão e somente as câmaras objeto da pesquisa “arbitragem em números” e também passe-se a observar Câmaras com grande volume de procedimentos arbitrais em trâmite, tais como a Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada (Cames), a Acordia, a Câmara da Associação Comercial de São Paulo (Cema AC), a Câmara de Mediação e Arbitragem Acif – CMAA, dentre outras, com a finalidade de que a sociedade tenha uma real, e não restrita, visão da grandiosidade dos números dos procedimentos arbitrais no país.

De todo modo, o objetivo maior restou alcançado. O número de anulatórias no país, como já se esperava, é insignificante. Certamente, o Brasil caminhará a passos largos rumo a consolidar-se como hub arbitral global, via contínuo incremento da escolha do país como sede arbitral. Câmaras e árbitros de excelência mundialmente reconhecidos, não faltam. E, o temor das anulatórias ficou retumbantemente para trás.

A arbitragem representa exercício pleno de cidadania, desempenha um papel fundamental na resolução de conflitos de maneira célere, qualificada e especializada, através da oportunização de que as partes envolvidas tenham um papel ativo na escolha, de comum acordo, do árbitro, na seleção das regras de procedimento e na formulação da convenção de arbitragem. Ela não é “gourmet”, não é “essencialmente elitizada”, não é “apenas adequada para específicos litígios de alto valor e complexidade” e todos cidadãos têm o direito de dela se beneficiar.

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!