Opinião

Direito de tag alongprevisto na Lei das Sociedades Anônimas e arbitragem

Autor

  • Felipe Bolívar

    é estudante de direito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e estagiário jurídico no escritório Gustavo Tepedino Advogados na área de contencioso cível estratégico e arbitragem.

26 de abril de 2024, 17h24

O direito de tag along (tag along right), previsto no artigo 254-A da Lei das Sociedades Anônimas (LSA) [1], assegura aos acionistas minoritários a possibilidade de alienar as suas ações em conjunto com o controlador, por preço justo, em razão da modificação da titularidade do controle acionário da companhia.

Isso se deve à relação de confiança estabelecida com o controlador, até ser rompida com o ingresso de terceiro na gestão da sociedade. Assim, preenchidos os requisitos fáticos para sua incidência, confere-se aos acionistas minoritários o direito de vender a sua participação acionária pelo preço no mínimo igual a 80% do valor pago por ação com direito de voto, integrante do bloco de controle [2].

Logo, se trata de uma garantia concedida ao acionista minoritário, titular de ação com direito de voto, de sair da companhia, após entrada de novo controlador.

Nesse sentido, frisa-se que o direito de saída conjunta não pode ser banalizado e adotado indiscriminadamente em toda e qualquer circunstância, sob pena de se provocarem incertezas e inseguranças no mercado [3], bem como pode vir a engessar a empresa, a qual deve ser estudada à luz de uma perspectiva funcional.

Ademais, no que se refere à transferência, há de se considerar que a norma não impõe alienação das demais ações da companhia, mas sim a oferta pública, assim, os acionistas destinatários da oferta devem se colocar na posição de comprar as demais ações.

Na mesma linha, a jurisprudência do STJ definiu que o adquirente das ações integrante do bloco majoritário, que ensejar a alienação do controle da companhia, deve se oferecer para comprar as ações dos demais acionistas, seja para que eles possam se beneficiar do ágio, mas, em especial, como forma de compensação por se retirarem daquele âmbito empresarial pura e simplesmente em razão da alteração do detentor do poder de gestão [4].

Arbitragem

Feito este esclarecimento acerca do tag along right, nos debruçamos no que concerne a arbitragem, tida como um método alternativo de resolução de conflitos. Nessa lógica, em apertada síntese, a arbitragem será dividida em dois campos: arbitrabilidade subjetiva, delimitando quem pode ser submetido à arbitragem; e arbitrabilidade objetiva, relativa às matérias que podem ser levadas ao conhecimento dos árbitros [5].

Assim, a arbitragem será instituída por meio da cláusula compromissória, dispositivo constituído pelas partes no exercício de sua autonomia privada, o qual as vincula e submete à resolução da controvérsia a via arbitral.

Nesse sentido, se tratará da cláusula compromissória estatutária, ou seja, aquela prevista no estatuto da companhia, em que a própria sociedade se vincula à resolução de disputas por arbitragem, embora não manifeste de forma expressa ou por meio de voto [6].

Spacca

Assim, em caso de contrato de alienação do controle acionário, sem o pleno exercício do tag along right, poderá o acionista minoritário submeter o litígio à arbitragem. Logo, se torna evidente a composição da arbitrabilidade objetiva [7].

Contudo, a dificuldade se encontra na definição do âmbito subjetivo, vez que há dúvida sobre quem irá compor, se o alienante ou adquirente. Sob minha perspectiva, é interessante ambos integrarem o litígio, tendo em vista que, ao tempo da alienação, a cláusula compromissória ainda vincula o acionista majoritário. E, no caso do adquirente, o qual passará a integrar o bloco controle, é razoável a extensão da cláusula compromissória estatutária.

Dessa forma, em certos casos, os tribunais arbitrais estendem a cláusula compromissória à pessoa que tenha participado da negociação, celebração ou execução do contrato ou, ainda, que sofra diretamente os efeitos da sua execução, embora não tenha formalmente assinado o acordo, pois seria possível extrair, das circunstâncias do caso concreto, sua vontade de participar do procedimento de arbitragem [8].

Exercício pleno do direito de tag along

Além disso, destaca-se que a composição do procedimento pelo alienante e adquirente permite apurar com maior precisão as negociações estabelecidas, de modo a elucidar as informações consideradas para a celebração do contrato.

Nessa linha, torna-se oportuno considerar o dever do alienante de informar o adquirente, acerca da garantia do acionista minoritário. Portanto, ainda que inexistente vínculo contratual durante as negociações preliminares, encontram-se presentes deveres de conduta, fundados na boa-fé objetiva e no dever geral de neminem laedere, cuja violação ensejará o que se costuma referir como responsabilidade pré-contratual [9].

Assim, o alienante, agindo de maneira diligente, permite que o adquirente se posicione para realizar uma oferta pública pelas ações do minoritário. Portanto, se torna possível o exercício pleno do direito de tag along, garantido ao acionista minoritário, seja através da via arbitral, com a extensão da cláusula compromissória estatutária, ou, por meio do dever de informação, imputado ao alienante, anexo ao contrato de venda das ações, de modo que o acionista adquirente se disponha a comprar as ações do controlador, bem como de promover a oferta pública, por preço justo, em favor do minoritário.

 


[1] Dispõe o art. 254-A: “A alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle.”

[2] Gisela Sampaio, disponível em https://agiredireitoprivado.substack.com/p/agire107?r=3hbxl0&utm_campaign=post&utm_medium=web&triedRedirect=true

[3] Marcos Andrey de Sousa et al, Sociedade Anônima: 30 anos da Lei 6.404/76, coord. Rodrigo R. Monteiro de Castro, São Paulo: Quartier Latin, p. 290.

[4] “Nos casos de alienação do controle da companhia, pela inserção de novo gestor, aos minoritários será oportunizada a possibilidade de retirada, mediante pagamento de compensação, ou pagamento de prêmio para sua permanência.” (STJ, 3ª T., REsp. 1.837.538/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 07.03.2023, pub. 22.3.2023.)

[5] Andre Vasconcelos Roque, A Evolução da Arbitrabilidade Objetiva no Brasil: Tendências e Perspectivas, Revista do Ministério Público, Rio de Janeiro: MPRJ, n. 48, 2013, p. 5.

[6] Carlos Alberto Carmona et al, Sociedades Anônimas, Mercado de Capitais e outros estudos: Homenagem a Luiz Leonardo Cantidiano, vol. II, 2019, p. 479.

[7] Admite-se arbitrabilidade de conflitos relacionados a oferta públicas e seus remédios correlatos. Os direitos políticos dos sócios são considerados arbitráveis, dado que têm conteúdo patrimonial (pois tais direitos são exercidos com objetivos de gerar mais lucros, com reflexos no resultado econômico da sociedade e, por consequência, nos dividendos dos sócios). Carlos Alberto Carmona et al, Sociedades Anônimas, Mercado de Capitais e outros estudos: Homenagem a Luiz Leonardo Cantidiano, vol. II, 2019, p. 482-483.

[8] Gustavo Tepedino, Fundamentos do Direito Civil: Contratos, 5ª ed., vol. III, Rio de Janeiro: Forense, 2024, p. 557. Ademais, sobre o ponto, cfr. o precedente invocado por Fouchard, Gaillard, Goldamn, International comercial arbitration, Hague: Kluwer Law International, 1999, pp. 281-282; e o precedente ICC Case n. 6673 in Jean-Jacques Arnaldez, Yves Derains e Dominique Hascher, Collection of ICC arbitral awards 1991-1995, Hague: Kluwer Law International, 1997, p. 433.

[9] Gustavo Tepedino, Fundamentos do Direito Civil: Contratos, 5ª ed., vol. III, Rio de Janeiro: Forense, 2024, p. 86.

Autores

  • é estudante de direito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e estagiário jurídico no escritório Gustavo Tepedino Advogados, na área de contencioso cível estratégico e arbitragem.

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