Opinião

Como adequar particularidades da arbitragem às necessidades dos investidores do mercado de capitais

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  • Cedem

    (Centro de Estudos de Direito Empresarial) é um grupo de estudos credenciado na Comissão de Cultura e Extensão Universitária/CCEx da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP) e orientado pelo professor doutor José Marcelo Martins Proença. Este artigo foi escrito por Caio de Magalhães Brega e Julia Ruiz Monteiro Alves alunos da graduação na FDUSP que coordenaram as atividades do Cedem em 2023 e revisado pelo próprio professor. As opiniões aqui divulgadas refletem os estudos e discussões dos membros do Cedem a respeito do PL 2.925/2023 no segundo semestre de 2023.

2 de maio de 2024, 18h31

A admissão da arbitragem na solução de conflitos empresariais foi regulamentada no Brasil em 2001, por meio do §3º do artigo 109 da Lei nº 6.404/1976 (Lei das S.A.), que possibilita a previsão de cláusula arbitral no estatuto social, vinculando a todos os acionistas [1].

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Trata-se de uma alternativa tida como mais benéfica às companhias, em detrimento da via judicial, por fatores como a morosidade do Poder Judiciário e a falta de expertise dos juízes quando comparados a árbitros especializados e escolhidos pelas partes.

Por outro lado, a preferência das companhias pelo uso da arbitragem pode ser prejudicial à reparação dos danos sofridos por investidores, devido, principalmente, à confidencialidade desse procedimento.

A forma como as arbitragens são conduzidas no Brasil atualmente, com a manutenção de sigilo extremo, afasta o ingresso de acionistas nos processos arbitrais e impede a produção de jurisprudência, o que leva à redução da segurança jurídica no direito societário e no mercado de capitais.

Considerando tais problemas, o legislador endereçou mudanças essenciais ao funcionamento das arbitragens de companhias abertas no Projeto de Lei n° 2.925/2023, apresentado pelo Poder Executivo ao Congresso em junho de 2023, que traz modificações à Lei das S.A. e à Lei nº 6.385/1976, que criou a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e dispõe sobre o mercado de valores mobiliários. Este artigo visa a analisar brevemente como tais mudanças, apesar de potencialmente benéficas, podem gerar efeitos adversos se não forem devidamente aplicadas.

Em consonância com o já previsto na Lei das S.A., a primeira mudança no regime da arbitragem disposta no PL é a possibilidade de que os estatutos sociais, os regulamentos, as escrituras e os instrumentos de emissão de valores mobiliários estabeleçam que a ação civil de responsabilidade pelos danos decorrentes de infrações às regulamentações do mercado de valores mobiliários, descrita no artigo 27-H do PL 2925/2023, seja decidida por arbitragem [2]. Trata-se de previsão em conformidade às práticas societárias brasileiras, na medida em que o país, de modo particular, comumente adota a arbitragem em processos coletivos [3].

Contudo, o segundo e principal ponto de alteração proposto no PL 2.925 é a inclusão do artigo 27-I, §§1º e 2°, à Lei das S.A., que asseguraria publicidade aos procedimentos arbitrais que envolvam companhias abertas, com limitações que devem ser dispostas em regulamentação editada pela CVM.

Razão da mudança

A razão dessa mudança, como explicado na própria exposição de motivos, é a contradição existente entre o caráter eminentemente coletivo dos conflitos societários e as restrições na divulgação das informações nos procedimentos arbitrais pensados, a princípio, para solucionar litígios individuais [4].

É natural que as arbitragens societárias estejam frequentemente associadas com conflitos coletivos — seja pela dificuldade de alcançar a representação necessária do capital para o ajuizamento da ação individualmente [5], seja pela probabilidade de que os danos a serem indenizados em uma ação de responsabilização tenham atingido o coletivo de acionistas.

Nesse sentido, a publicidade das informações e dos atos processuais pertinentes facilitaria a intervenção de outros investidores no processo como litisconsortes, ampliando a eficácia do procedimento ao possibilitar que mais acionistas tenham voz ativa nos processos arbitrais e sejam indenizados pelos danos sofridos.

Outra vantagem da mudança prevista no PL 2.925/2023 é a possibilidade de criação de jurisprudência a partir da publicização das decisões arbitrais. Com essa divulgação ao público, salvaguardadas as informações sensíveis, cria-se um padrão de comportamento para os administradores e controladores em casos concretos [6]. Além disso, possibilita-se que os acionistas interessados em propor ações de responsabilidade estimem suas chances de vitória e tomem decisões mais embasadas.

Ainda, a restrição na confidencialidade das arbitragens societárias é benéfica a todos os participantes do mercado de valores mobiliários. A Lei n° 9.307/1996, que dispõe sobre a arbitragem no Brasil, não prevê a necessidade de sigilo no procedimento, exigindo apenas a discrição dos árbitros [7].

Por outro lado, os regulamentos dos principais tribunais arbitrais exigem a observância da confidencialidade. Surge, assim, mais um confronto entre o instrumento utilizado e as necessidades da própria companhia de capital aberto, na medida em que o cumprimento do dever de transparência pode ser questionado pelos investidores e fragilizar a sua confiança, fundamental ao desenvolvimento do mercado de capitais.

Portanto, agiu bem o legislador ao propor maior publicidade para as arbitragens societárias. Ao contrário do que ocorre hoje, em que apenas os ementários das sentenças arbitrais são publicados, o PL 2925/2023 visa a garantir que demais atos processuais relevantes também sejam disponibilizados ao público.

Nesse ponto, entretanto, é necessária uma interpretação da proposta de alteração legislativa que considere as particularidades da arbitragem e sua distinção da justiça comum. O intuito não é disponibilizar aos investidores a íntegra dos autos, sob risco de vazamento de informações sensíveis das partes ou de terceiros envolvidos [8], mas garantir que o mercado de capitais seja devidamente notificado da instauração da arbitragem e tenha acesso aos atos processuais mais relevantes, conforme as determinações a serem feitas pela CVM.

Compreende-se, assim, os benefícios das alterações propostas no PL 2.925/2023 no que tange à arbitragem, tidos como uma forma de adequá-la às necessidades das companhias e de maximizar a reparação dos danos sofridos por investidores. Por outro lado, atenta-se para a importante função atribuída à CVM na limitação da publicidade das arbitragens societárias, sob pena de contrariar o intuito do legislador e gerar ainda mais litígios no mercado de capitais.

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[1] Conforme redação dada pela Lei nº 14.195, de 2021 ao art. 136-A da Lei das S.A.

[2] Art. 27-H. Os investidores legitimados poderão propor, em nome próprio e no interesse de todos os titulares de valores mobiliários da mesma espécie e classe, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos decorrentes de infrações à legislação ou à regulamentação do mercado de valores mobiliários.

[3] “A opção brasileira de permitir o uso da arbitragem para resolver disputas envolvendo participantes do mercado de valores mobiliários (incluindo companhias abertas) não encontra amparo em outras jurisdições tidas como referências, como Alemanha, Itália, Israel e Suécia.” (CVM, OCDE, SPE (Secretaria Especial da Fazenda). Fortalecimento dos meios de tutela reparatória dos direitos dos acionistas no mercado de capitais brasileiro. Relatório Preliminar, Brasília, 2019, p. 20).

[4] PEREIRA, Guilherme Setoguti J. Quo Vadis? Quatro Questões Fundamentais sobre Arbitragem Coletiva Societária no Brasil. In: Direito Societário e Outros Temas de Direito Empresarial Aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2021, p. 381-384.

[5] Trata-se de mudança também pensada pelo legislador no PL 2925/2023, mais especificamente para diminuir a porcentagem de representação do capital social necessária para a instauração das ações listadas no art. 291 da Lei das S.A.

[6] Conforme a Nota informativa do PL 2925/2023 divulgada pelo Ministério da Fazenda em 9 de agosto de 2023.

[7] Art. 13. Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes. (…) § 6º No desempenho de sua função, o árbitro deverá proceder com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição.

[8] PL altera Lei das SAs e visa transparência a arbitragens do mercado de capitais. Estúdio Jota, 10/2023. Disponível em: https://www.jota.info/coberturas-especiais/seguranca-juridica-investimento/pl-altera-lei-das-sas-e-visa-transparencia-a-arbitragens-do-mercado-de-capitais-18102023. Acesso em: 20/03/2023.

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  • (Centro de Estudos de Direito Empresarial) é um grupo de estudos credenciado na Comissão de Cultura e Extensão Universitária/CCEx da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP) e orientado pelo professor doutor José Marcelo Martins Proença. Este artigo foi escrito por Caio de Magalhães Brega e Julia Ruiz Monteiro Alves, alunos da graduação na FDUSP que coordenaram as atividades do Cedem em 2023, e revisado pelo próprio professor. As opiniões aqui divulgadas refletem os estudos e discussões dos membros do Cedem a respeito do PL 2.925/2023 no segundo semestre de 2023.

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