Licitações e Contratos

Lei nº 14.133/2021: contratação direta e o devido processo legal

Autor

  • Guilherme Carvalho

    é doutor em Direito Administrativo mestre em Direito e políticas públicas ex-procurador do estado do Amapá bacharel em administração sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

12 de abril de 2024, 10h18

Similarmente ao que ocorria na antiga modalidade licitatória “Convite”, em que a presunção de flexibilidade quanto à competitividade era mais acentuada, tendo em conta a desnecessidade de ampla disputa, a contratação direta tem o potencial de provocar o mesmo tipo de entendimento.

Ocorre que, por se tratar de um procedimento simplificado de contratação pública, teoricamente sem a mesma competição que sói ocorrer nas demais modalidades licitatórias, há, por parte da Administração licitante, a busca por soluções menos engenhosas, mais céleres e que adiram às finalidades próprias da contratação direta.

Por outro lado, ao ensejo de ser mais efetiva e menos burocrática, muitas vezes é possível haver a mitigação de valores constitucionais mínimos, que garantem, àqueles licitantes que se submetem ao aludido processo de contratação mais sintético, o direito de se insurgirem contra um ou outro ato do qual possa lhes ocasionar algum prejuízo.

O diálogo entre a ampla concorrência e a mitigação desta mesma emulação, que predomina na mentalidade dos agentes públicos comprometidos com o processo de contratação, destina-se muito mais ao atendimento de futuro escrutínio por parte dos órgãos que exercem o controle externo do que à busca das finalidades da Administração.

Spacca

Mesmo assim, é bem possível identificar casos em que se intenta objetivar uma contratação direta, agilizando as demais etapas anteriores à formação do vínculo contratual entre Administração Pública e contratado, porém, suprimindo direitos essenciais à higidez da fase licitatória.

Logo, não é incomum haver, assim como já verificável no plano federal, contratações diretas, lastreadas nos incisos I e II do artigo 75 da Lei nº 14.133/2021, em que se elimina o direito ao recurso, embora norma geral de licitação com expressa previsão no artigo 165 da referida Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos.

À míngua de um critério específico (e objetivo) de competitividade, tende a prevalecer, se atendidos requisitos mínimos previstos na própria lei, a possibilidade de escolha de um licitante, embora existam outros virtualmente com a mesma qualidade de igualmente firmarem vínculo contratual.

Tudo porque a dita relação contratual é formada sem a necessidade maior de justificação prevalecente nas demais modalidades licitatórias, é dizer, escolher, dentre vários, o melhor, segundo critérios previamente fixados no instrumento convocatório.

Devido processo legal

Ainda assim, a despeito da tolhida mitigação de algumas fases, as quais podem ou não ocorrer — tal qual a fase recursal —, os órgãos de controle têm se posicionado no sentido de conferir ao licitante prejudicado os mesmos direitos atinentes ao amplo processo de contratação pública, os quais consagram o devido processo legal.

Nesse sentido, cite-se como exemplo recentíssimo julgado do Tribunal de Contas do Paraná (TCE-PR), entendendo que o direito de recorrer que encontra abrigo na Lei nº 14.133/2021 pode ser exercitado nas contratações diretas (Acórdão nº 1.714/2023-Pleno). O Tribunal refutou o argumento do município representado de que inexiste direito a recurso no caso de contratação direta.

Conforme sempre ressaltamos, normais gerais de licitação não podem ser objeto de supressão por parte das entidades licitantes, ainda que seja prática por parte da União e demais entidades federais, como comprova a ilegal IN nº 67/2021-Seges/ME, sobretudo se se tratar de direito fundamental com assento no artigo 5º, da CF/1988.

Presumir uma contratação direta sem direito às garantias mínimas é revolver a modalidade “Convite”, amplamente rechaçada por países que cultivam o mínimo apego aos ideais republicanos.

Definitivamente, salvo expressa previsão normativa, deve prevalecer a adesão aos direitos fundamentais daqueles que se submetem ao processo de contratação pública, sob pena de, em havendo negativa, sobressair a busca judicial pela via do mandado de segurança, mais custosa e menos efetiva, ao menos para o ente público que licita.

Autores

  • é doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e políticas públicas, ex-procurador do estado do Amapá, bacharel em administração e sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

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