Na mira de novo

TSE começa a julgar Bolsonaro por atos no Bicentenário da Independência

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24 de outubro de 2023, 21h17

O Tribunal Superior Eleitoral começou a julgar nesta terça-feira (24/10) três ações que discutem a ocorrência de abuso de poder político e econômico e conduta vedada praticados por Jair Bolsonaro em eventos de comemoração do Bicentenário da Independência do Brasil, no ano passado.

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Jair Bolsonaro participa do desfile de 7 de setembro ao lado da sua mulher, Michelle
Marcelo Camargo/Agência Brasil

A sessão contou com a leitura do relatório das ações pelo relator, ministro Benedito Gonçalves, que é o corregedor-geral eleitoral, e sustentações orais dos advogados das partes envolvidas, além de manifestação do Ministério Público Eleitoral.

Tratam-se de duas ações de investigação judicial eleitoral (Aijes) e uma representação que sustentam que Bolsonaro direcionou a comemoração de 7 de setembro de 2022, durante o período de campanha eleitoral, para obter vantagem indevida em relação a seus adversários.

Bolsonaro abriu o dia no tradicional desfile cívico-militar na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Ao fim do evento, tirou a faixa presidencial e se dirigiu a pé a um trio elétrico estacionado no local, onde fez discurso eleitoreiro visando às eleições de outubro.

No período da tarde, esteve no Rio de Janeiro, onde participou de uma motociata e de evento organizado pelas Forças Armadas na Praia de Copacabana. Na sequência, subiu em palanque ao lado de aliados, onde deu novas manifestações pedindo voto e apoio nas urnas.

À época, a revista eletrônica Consultor Jurídico mostrou a opinião de juristas de que o presidente praticou abuso de poder político e econômico. Mas eles também destacaram que o fato de os discursos terem sido feitos fora das celebrações oficiais poderia ser usado como brecha contra eventuais punições.

Bolsonaro não pôde usar as imagens do dia 7 de setembro em sua propaganda eleitoral por decisão do próprio TSE. Uma das Aijes foi ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). A outra ação e a representação partiram da candidata à Presidência Soraya Thronicke (União Brasil).

As ações pedem a inelegibilidade de Bolsonaro e fazem parte de um pacote de Aijes ajuizadas por causa dos atos do ex-presidente durante a campanha. Em uma delas, ele já foi condenado e, com isso, está inelegível até 2030.

Mais recentemente, o TSE julgou improcedentes três outras Aijes. O tribunal entendeu que Bolsonaro praticou ilícitos ao usar estruturas governamentais para fazer lives e eventos eleitoreiros, mas que não houve gravidade para levar à condenação.

O fator faixa presidencial
Nas sustentações orais, as partes autoras da ação apontaram que os eventos do 7 de setembro foram únicos, coordenados e propositais. Que o objetivo foi mostrar Bolsonaro, presidente e representante dos valores cívico-militares e patrióticos, como a melhor opção das urnas para utubro.

“Não foram dois eventos. Foi um só”, destacou Walber Agra, que representou o PDT na tribuna. Ele ainda criticou a hipótese de o abuso ser afastado apenas pelo fato de Bolsonaro ter retirado a faixa presidencial antes de se dirigir ao trio elétrico. “Como se a faixa fosse um fosso a dizer o que é público ou privado.” Também atua pelo PDT a advogada Ezikelly Barros.

A ação do PDT se restringe aos atos em Brasília. Já a aije de Soraya Thronicke é mais ampla e abarca também os ocorridos no Rio de Janeiro. A advogada da candidata, Marilda Silveira, apontou que foi clara a tentativa de transmitir ao eleitor uma imagem de força e poder que não é do candidato, mas do Estado brasileiro.

“Foi um uso descarado da posição de chefe de Estado e da estrutura montada para o maior e mais importante evento cívico daquele ano com objetivo de impulsionar a campanha”, destacou. Ela citou dez motivos para a gravidade da conduta incluindo falas nos eventos e a transmissão feita.

Seletividade para julgar
Advogado de Bolsonaro, Tarcísio Vieira de Carvalho apontou preliminares que podem, em tese, impedir o julgamento das aijes pelo TSE. A primeira delas indica a necessidade de incluir na ação a União, já que a ação teve liminar que implicou em restrição ao patrimônio público e registros históricos.

E também a inclusão dos diversos movimentos sociais que participaram dos eventos eleitorais, inclusive com apoio materiais. Esses deveria constar nas ações porque são passíveis de condenação por inelegibilidade, nos termos do artigo 22, inciso XIV da Lei Complementar 64/1990.

Como o limite para ajuizar a aije é a data da diplomação dos eleitos, o que ocorreu em dezembro de 2022, o acolhimento da preliminar implicaria em extinção da ação sem resolução do mérito.

Outra preliminar diz respeito à seletividade do TSE para julgar as aijes. Desta vez, o tribunal reuniu três ações sobre o mesmo fato e mesma causa de pedir, mas deliberadamente excluiu uma quarta ação, ajuizada pelo PT e mais ampla por se basear em fatos não contemplados nas demais.

No mérito, defendeu a tese de que houve uma efetiva cisão entre Bolsonaro presidente e candidato no momento em que retirou a faixa presidencial e deixou o local do desfile oficial. “O que está em desate é a realização de dois atos que não se confundem com a participação nos atos relativos às comemorações do bicentenário da Independência”, disse.

“Sem a faixa, não há potencialização”, acrescentou. E ainda afastou a gravidade dos atos justamente porque o TSE impediu o uso de imagens na propaganda. De ofício e sob orientação do jurídico, a campanha de Bolsonaro excluiu toda e qualquer imagem de todos os atos, mesmo as que o presidente sequer aparecia.

Atos entroncados
Último a falar, o vice-procurador-geral Eleitoral, Paulo Gustavo Gonet Branco, se manifestou pela procedência das ações. Para ele, houve uma mescla intencional dos eventos oficiais com aqueles de campanha, com convincente desvio de finalidade e uso da máquina estatal por Bolsonaro.

“O entroncamento de atos oficiais com eleitorais formou único campo visual para o público presente e para os que assistiram as reportagens a respeito”, afirmou. Para ele, transmitiu-se a ideia de que celebrar a pátria seria, também, apoiar Jair Bolsonaro na busca pela reeleição.

Afirmou que a gravidade está comprovada, especialmente pela imbricação do elemento militar. Para Gonet Branco, Bolsonaro expôs imagem de afinidade com as Forças Armadas , ao chama-la aos palanques e embates eleitorais, algo que a ordem jurídica busca evitar a todo custo.

Aije 0600972-43.2022.6.00.0000
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