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Nova lei paulista de transação tributária: melhoria das relações com o Fisco estadual

Autor

  • Heleno Taveira Torres

    é professor titular de Direito Financeiro e chefe do Departamento de Direito Econômico Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) e advogado.

29 de novembro de 2023, 14h28

Recentemente, foi publicada a Lei Estadual nº 17.843, de 7 de novembro de 2023, que introduziu no estado de São Paulo o novo modelo de transação tributária para resolução de litígios relativos à cobrança de créditos da Fazenda Pública, tributários ou não tributários, inscritos na dívida ativa. É o chamado “acordo paulista”, ainda pendente de regulamentação, o que deverá ocorrer nos próximos 90 dias, mas que evidencia uma importante mudança na relação Fisco-contribuintes e amplia as soluções multiportas com o Estado.

Esta lei tem larga importância, na medida que pode estimular a adoção de programas equivalentes por outros estados ou grandes municípios, como promoção da redução da litigiosidade, ampliação da arrecadação e convergência com as medidas de conformidade ou de cooperative compliance de outras unidades federativas. A experiência exitosa da PGFN na transação federal contribuiu para o fortalecimento desses instrumentos e, doravante, a tendência será a expansão federativa das medidas alternativas de soluções de controvérsias.

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Neste contexto de aprimoramento e melhorias no sistema tributário, com amparo na boa fé e confiança legítima, com vistas à desburocratização e fomento ao uso dos contratos tributários sobre os acréscimos de juros e multas, a Lei Estadual nº 17.843/2023 chega em boa hora. Temos uma reforma tributária que institui um novo modelo tributário e, diante disso, o Estado precisa enfrentar o estoque de passivo tributário.

Essa mudança de paradigma pelo estado de São Paulo começou a ser desenhada, em 2018, com a edição da Lei Complementar Estadual nº 1.320, que, de forma pioneira entre os entes subnacionais, instituiu o “Programa de Estímulo à Conformidade Tributária”, para promover um ambiente de confiança recíproca entre Fisco e contribuinte, a partir da 1) simplificação do sistema tributário estadual e segundo os princípios da 2) boa-fé e previsibilidade de condutas; 3) segurança jurídica na aplicação da legislação tributária; 4) publicidade e transparência na divulgação de dados e informações; e 4) concorrência leal entre os agentes econômicos.

O direito tributário deve orientar-se sempre em direção à praticabilidade e à segurança jurídica, mediante permanente observância dos princípios da certeza, da transparência, da confiabilidade, da simplicidade e da previsibilidade na criação de leis e na relação tributária. O ordenamento tributário não existe para fomentar a litigância, mas para permitir que os entes federativos arrecadem tributos e gastem com a execução dos seus orçamentos públicos, no mais breve tempo possível.

Não bastasse a autorização do artigo 171 do Código Tributário Nacional (CTN) para a transação específica em matéria tributária, o Código de Processo Civil em vigor (CPC) buscou estimular a conciliação e os demais meios alternativos de solução de controvérsias.  

A única interpretação coerente, a partir da entrada em vigor do CPC, em firme cumprimento desta norma geral de direito processual (artigo 24, §1º, CF), é aquela de se admitir um princípio de rápida solução dos litígios, e não sua eternização, com custos vários para o Estado.  

A transação tributária tem como pressupostos o litígio, de fato ou potencial (em curso de apuração) e aquele em processo administrativo ou judicializado, e a vontade de transigir, mediante concessões recíprocas do “sujeito ativo” e dos contribuintes, com vistas à obtenção de acordo. O sujeito ativo, portanto, será o competente para atuar na transação. No direito tributário internacional, por exemplo, temos os Advance Pricing Agreements (APA) e o Mutual Agreement Procedure (MAP), que nada mais são do que aplicação da mediação ou da transação em matéria tributária. A propósito, ambos previstos na nossa nova legislação de preços de transferência, a serem aplicados pela Receita Federal muito em breve.

Transação tributária tem como fundamento a confiança recíproca. A bilateralidade do acordo, decorrente do concurso de vontade das partes, como solução aos litígios existentes, mediante concessões mútuas, interpõe uma espécie de “coisa julgada”, com eficácia administrativa e judicial, e desta advirá a eficácia extintiva do crédito tributário. O que importa é que, ao final, tenha-se um ato administrativo, unilateral, constitutivo de um direito de crédito para a Fazenda Pública, nos termos do acordo pactuado, bem como a extinção de outros elementos em favor do contribuinte.

Muitos dos problemas da transação paulista estavam relacionados ao excesso de garantias exigidas do contribuinte pela Lei nº 17.293/2020, o que criava entraves à pactuação com o Fisco, além da impossibilidade de utilização de precatórios do contribuinte para abatimento do saldo devedor.

A Lei nº 17.843/2023 traz mudanças positivas a esses óbices, com o firme propósito de impulsionar a transação tributária do estado de São Paulo, sob as vestes de um modelo eficiente e flexível para, de um lado, promover a quitação de débitos de tributos estaduais pelo contribuinte e, de outro, facilitar a entrada de receita pública no caixa do Estado.

Agora, a Lei paulista nº 17.843/2023 prevê a possibilidade de utilização de precatórios e créditos acumulados de ICMS para abatimento de até 75% do débito transacionado, além de trazer maior flexibilidade com relação à apresentação de garantia.

Como regra, o débito poderá ter descontos de até 65% e ser parcelado em até 120 vezes. Para créditos irrecuperáveis ou de difícil recuperação, os descontos poderão alcançar até 70% do débito e a lei permite o parcelamento em até 145 vezes.

A nova transação paulista, portanto, deve funcionar como mecanismo de eficiência fiscal e orçamentária, ao representar fonte eficaz de arrecadação célere e sustentável de recursos, para custeio das políticas públicas. Dados da PGE-SP apontam para a existência de R$ 394 bilhões inscritos na dívida ativa estadual, dos quais, ao menos, R$ 157 bilhões são considerados cobráveis e com potencial de serem transacionados [1]. Ainda segundo a PGE-SP, com a entrada em vigor da Lei nº 17.843/2023, a estimativa de arrecadação por meio de transação tributária é de R$ 700 milhões para o próximo ano e, para 2025, pode alcançar a marca de R$ 1,5 bilhão e, para 2026, de R$ 2,2 bilhões [2]. Nossas estimativas, porém, são maiores e acreditamos que poderá chegar a muito mais.

Ainda que carente de regulamentação, o que deverá ser feito pela PGE-SP e entrar em vigor a partir de fevereiro de 2024, a Lei nº 17.843/2023 há de ser recebida com largo entusiasmo pelos contribuintes, ao tempo que surge como verdadeiro imperativo de eficiência administrativa, com condições de negociação e quitação de débitos atrativas e vocacionadas para compor um ambiente de negócios com maior segurança jurídica e conformidade. Portanto, há bons motivos para o contribuinte paulista comemorar neste final de ano a melhoria das relações com o Fisco estadual.


[1] BRASIL. Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo. Dívida ativa. Disponível em: <https://portal.fazenda.sp.gov.br/acessoinformacao/Paginas/D%C3%ADvida-Ativa.aspx. Acesso em 10/11/2023>. Acesso em 10/11/2023.

[2] Disponível em: <http://www.portal.pge.sp.gov.br/estado-de-sp-podera-parcelar-em-ate-145-vezes-debitos-inscritos-em-divida-ativa/>. Acesso em 10/11/2023.

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