Opinião

Inovação nas cortes superiores: o papel da mediação na transação tributária

Autor

  • Guilherme Veiga Chaves

    é especialista em Direito Constitucional Internacional pela Universitá di Pisa / UNIPI Itália mestre em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco advogado sócio do escritório Gamborgi Bruno & Camisão.

16 de fevereiro de 2024, 19h17

Neste artigo abordaremos como as mediações nas cortes superiores (STJ e STF) podem ser aplicadas no desenvolvimento da transação por adesão no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica, impulsionando e aprimorando esta modalidade de transação tributária, visando potencializar o número de adesões, com ganhos para a Fazenda e contribuintes.

Modalidades de transação
As modalidades de transação tributária introduzidas pela Lei Federal nº 13.988/2020, compreenderam três formas:

  • a transação da dívida ativa;
  • a transação por adesão no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica [1];
  • e a transação por adesão no contencioso tributário de pequeno valor. Os créditos podem se encontrar no contencioso administrativo ou judicial [2].

Conceito de transação por adesão no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica
Para fins conceituais, considera-se controvérsia jurídica relevante e disseminada a que tenha por objeto questões tributárias que ultrapassem os interesses subjetivos da causa e, preferencialmente [3], ainda não afetadas a julgamento pelo rito dos recursos repetitivos de que tratam os artigos 1.036 a 1.041 da Lei nº 13.105, de 2015.

A relevância de uma controvérsia estará suficientemente demonstrada quando houver, alternativamente, a existência de:

  • impacto econômico igual ou superior a um bilhão de reais, considerando a totalidade dos processos judiciais e administrativos pendentes conhecidos;
  • decisões divergentes entre as turmas ordinárias e a Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais; ou
  • sentenças ou acórdãos de mérito divergentes no âmbito do contencioso judicial, conforme artigo 26, §2º, da Portaria Normativa MF nº 1584/2023.

A controvérsia será considerada disseminada quando se constate, alternativamente, a existência de:

  • demandas judiciais envolvendo partes e advogados distintos, em tramitação no âmbito de, pelo menos, três tribunais regionais federais;
  • mais de cinquenta processos judiciais ou administrativos referentes a sujeitos passivos distintos;
  • incidente de resolução de demandas repetitivas, cuja admissibilidade tenha sido reconhecida pelo tribunal processante; ou
  • demandas judiciais ou administrativas que envolvam parcela significativa dos contribuintes integrantes de determinado setor econômico ou produtivo, nos termos do artigo 26, §1º da Portaria Normativa MF nº 1584/2023. Na nossa apreciação, faltou constar processos selecionados para fins de edição de precedentes vinculantes no Superior Tribunal de Justiça ou no Supremo Tribunal Federal.

A forma atual de proposta da transação por adesão: unilateral pelo ministro da Economia
Nos termos do artigo 16, da Lei 13.988/20, o ministro da Economia poderá apresentar proposta de transação, por adesão, aos sujeitos passivos, para fins de resolução de litígios aduaneiros ou tributários decorrentes de relevante e disseminada controvérsia jurídica, com base em manifestação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia. A matéria está regulada no artigo 27, da Portaria Normativa MF nº 1584/23.

Esta modalidade de transação tributária nasce de uma proposta unilateral da Fazenda, cabendo apenas aos sujeitos passivos aderirem ou não aos termos da proposta, após a sua divulgação na imprensa oficial e nos sítios dos respectivos órgãos na internet, mediante edital que especifique, de maneira objetiva, as hipóteses fáticas e jurídicas nas quais a Fazenda Nacional propõe a transação no contencioso tributário, aberta à adesão de todos os sujeitos passivos que se enquadrem nessas hipóteses e que satisfaçam às condições previstas na Lei e no edital, conforme artigo 17, da Lei 13.988/20.

Desta forma, apesar de se tratar de uma transação, não há diálogo aberto entre a Fazenda e os contribuintes para a construção da proposta e elaboração do edital[4]. A consensualidade de uma transação se resume a aceitar ou não à proposta feita pela Fazenda.

A legitimidade para sugerir temas passíveis de transação
Poderão sugerir ao Ministro de Estado da Fazenda temas passíveis de serem objeto da transação por adesão:

  • o secretário executivo do Ministério da Fazenda;
  • o procurador-geral da Fazenda Nacional;
  • o secretário especial da Receita Federal do Brasil;
  • o presidente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais;
  • o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
  • o presidente do Conselho Nacional de Justiça; e
  • o presidente de confederação representativa de categoria econômica ou de centrais sindicais, habilitadas à indicação de conselheiros na forma prevista no artigo 28 do Anexo II da Portaria MF nº 343, de 9 de junho de 2015, do ministro da Fazenda, tudo conforme artigo 28 da Portaria Normativa MF nº 1584/23.

Mediação nas Cortes Superiores como meio para potencializar a transação tributária de relevante e disseminada controvérsia jurídica
A transação tributária de relevante e disseminada controvérsia jurídica deve ser desenvolvida de maneira mais dialogada, potencializando as chances de aumentar as adesões e também de aumentar os números de temas a serem transacionados.

Afinal, são objetivos da transação por adesão no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica:

  • promover a solução consensual de litígios administrativos ou judiciais mediante concessões recíprocas;
  • extinguir litígios administrativos ou judiciais já instaurados sobre determinada controvérsia jurídica, relevante e disseminada;
  • reduzir o número de litígios administrativos ou judiciais e os custos que lhes são inerentes;
  • estabelecer novo paradigma de relação entre administração tributária e contribuintes, primando pelo diálogo e adoção de meios adequados de solução de litígio; e
  • estimular a autorregularização e a conformidade fiscal. (artigo 3º, da Portaria Normativa MF nº 1584, de 13 de dezembro de 2023 [5]).

Uma nova forma de relação entre a administração tributária e os contribuintes, primando pelo efetivo diálogo e adoção de meios adequados de solução de litígio, tal como proposto no artigo 3º, da Portaria Normativa MF nº 1584/2023 [6], deve ser explorada nas cortes superiores, para potencialização dos resultados.

A mediação nas cortes superiores é uma realidade, com previsão no Superior Tribunal de Justiça (RISTJ, artigos 288-A a 288-C) e no Supremo Tribunal Federal (Resolução 790/22). As vantagens de se mediar perante uma Corte Superior são muitas. Abordamos este ponto na obra “Mediação nas Cortes Superiores: da Teoria à Prática” [7].

Nas cortes superiores pode-se mediar apenas o caso concreto, com efeitos apenas para as partes. Porém, o principal objetivo das mediações no STJ e STF deve ser uma mediação em larga escala, partindo da seleção de caso que esteja em tramitação na corte superior, para dar início à mediação e, assim, obter um acordo global sobre a tese, para fins de possibilidade de adesão aos termos negociados.

São, as por nós denominadas de “transações de teses nacionais”, que uma vez homologadas, passam a ser divulgadas para fins de adesão pelas partes interessadas.

Entendemos adequada a possibilidade de se instaurar mediações perante as Cortes Superiores (STJ e STF), em matéria tributária, envolvendo a representação da Fazenda Nacional e a representação adequada dos sujeitos passivos da controvérsia jurídica relevante e disseminada, para que, juntos, possam dialogar verdadeiramente, com o auxílio de mediadores, para obterem uma solução justa, adequada e personalizada para o segmento econômico ou produtivo.

Desta forma, a proposta de adesão deixaria de ser construída de forma unilateral pelo ministro da Economia e passaria a ser efetivamente um diálogo qualificado e democrático.

Como resultado desta mediação, a proposta de edital para transação tributária já teria sido previamente debatida com o setor contribuinte, potencializando as chances de adesão.

Benefícios da mediação para o sujeito ativo e passivo
A mediação nas cortes superiores em matéria tributária tornará possível uma a proposta de transação por adesão muito mais dialogada, para fins de solução dos litígios tributários.

Tornando claro: abre-se o diálogo efetivo, por meio da mediação, perante o STJ ou STF, com relação a controvérsia jurídica relevante e disseminada, para que a Fazenda Nacional e os representantes adequados dos sujeitos passivos possam construir em conjunto, de forma democrática, uma solução personalizada, que visa obter o maior número de adesão para a transação.

Quando a transação é proposta unilateralmente pela Fazenda Nacional, as chances de adesão não são tão potencializadas, se comparadas àquelas em que houve ampla discussão de uma proposta de adesão. A visão da transação se torna muito mais plural e com ganhos para todas as partes.

É importante perceber que, além de potencializar as chances de adesão da tese mediada, em razão do envolvimento direto dos sujeitos passivos na construção da transação, esta medida evita a edição de um precedente vinculante que poderia prejudicar a Fazenda Nacional, os sujeitos passivos ou ambos.

Unir as técnicas de mediação perante as Cortes Superiores, com a modalidade de transação tributária de relevante e disseminada controvérsia jurídica, pode ser uma forma de potencializar as adesões e até fomentar mais casos de transações.

Conclusão
A implementação da mediação nas Cortes Superiores (STF e STJ) representa um avanço significativo na resolução de controvérsias relevantes e que pode ser utilizada em matérias tributárias de grande impacto. Esta abordagem promove um diálogo construtivo entre a Fazenda Nacional e os contribuintes, potencializando o número de adesões às propostas de transação tributária de relevante e disseminada controvérsia jurídica, contribuindo para uma solução mais justa e eficiente dos litígios.

Além disso, a mediação ajuda a evitar a criação de precedentes vinculantes que poderiam ser desfavoráveis a ambas as partes, reforçando a importância de métodos adequados de resolução de disputas no âmbito tributário.


[1] Portaria ME nº 247, de 16 de junho de 2020, que disciplinava a os critérios e procedimentos para a elaboração de proposta e de celebração de transação por adesão no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica e no de pequeno valor, foi revogada pela Portaria Normativa MF nº 1584, de 13 de dezembro de 2023 que estabeleceu novos regramentos para esta modalidade de transação.

[2] Com a entrada em vigor da Lei Federal nº 14.375/2022, também os créditos tributários sob administração da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia (RFB) foram também admitidos para a transação tributária, ou seja, no âmbito do contencioso administrativo fiscal.

[3] Não há impedimento legal que a matéria já tenha sido selecionada para julgamento de recurso especial repetitivo ou repercussão geral.

[4] Em consulta ao site da Receita Federal a última atualização sobre os editais de acordo de transação tributária com a Receita Federal ocorreu em 26/12/2022, disponível em https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/centrais-de-conteudo/editais/transacao-tributaria Acesso em 06/02/2024..

[5] Disponível em http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=135260  Acesso em 06/02/2024.

[6] Disponível em http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=135260  Acesso em 06/02/2024.

[7] VEIGA, Guilherme. Mediação nas Cortes Superiores: Da Teoria à Prática. Editora Thoth. 2024.

Autores

  • é advogado nas Cortes Superiores, especialista em Direito Constitucional Internacional pela Universitá di Pisa/UNIPI, Itália, mestre em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco, doutorando em Direito pelo CEUB/Brasília e pós-graduado pelo Mackenzie de Brasília em Processos nas Cortes Superiores.

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