Opinião

Brasil sofre crítica internacional por impunidade em casos de corrupção

Autor

  • Diogo Souza Telho

    é mestre em estratégias anticorrupção e políticas de integridade pela Universidade de Salamanca (ESP). Especialista em compliance proteção de dados e penal empresarial do escritório Chediak Advogados.

16 de novembro de 2023, 6h30

Em 2020, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) decidiu monitorar de perto o Brasil em relação às suas ações anticorrupção e designou grupo específico para essa missão. A decisão teve origem na clara percepção de enfraquecimento das instituições brasileiras responsáveis por esse controle, motivada por ingerências do Executivo, retrocessos legislativos e conivência do Judiciário.

Recentemente, o grupo de trabalho antissuborno da OCDE publicou o relatório da quarta fase da avaliação do cumprimento de sua convenção antissuborno pelo Brasil.

O documento traz críticas e expressa preocupação com a impunidade nos casos de corrupção transnacional no país, que seguem sem resolução final ou são anulados pela Justiça. Isso revela a incapacidade do Brasil de processar e condenar crimes dessa natureza, cuja efetiva repressão é essencial para que se consiga assento na Organização junto aos demais países.

O relatório destaca que nenhum indivíduo foi condenado em definitivo por corrupção transnacional no Brasil, apesar de o primeiro caso desse tipo tramitar na Justiça há quase dez anos. Cita ainda que, dos nove envolvidos por esse crime, oito foram absolvidos por prescrição.

O texto mencionou diversas vezes a decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, que anulou todas as provas do acordo de leniência da Odebrecht (anteriormente homologado pelo STF). Ela será monitorada pelo grupo de trabalho e, daqui a dois anos, o Brasil terá que prestar informações sobre seus desdobramentos.

Além do impacto na segurança jurídica dos acordos de leniência no país, a OCDE manifestou apreensão com as consequências dessa decisão para a capacidade dos investigadores brasileiros de cooperarem internacionalmente em investigações, o que é uma obrigação dos países signatários da convenção. Destacou que “desenvolver e manter esses laços e essa cooperação informais é reconhecido como boa prática, crucial e internacionalmente aceita” [1].

O relatório indaga sobre a independência efetiva dos agentes da lei no Brasil. Recomendou-se a adoção de medidas para proteger a Procuradoria-Geral da República de politização, fortalecer garantias contra possíveis vieses políticos por aplicadores da lei e contra o uso arbitrário de medidas disciplinares, ou outras formas de retaliação, contra procuradores envolvidos em processos anticorrupção sensíveis.

Como ressalta a Transparência Internacional [2], avaliações reconhecidas internacionalmente, como esta do grupo antissuborno da OCDE, são fonte importante de diagnóstico técnico independente que considera a adequação legal e a efetividade das instituições no combate à corrupção.

Nesse sentido, enfrentar a corrupção concretamente é premissa para ingressar na OCDE. Todavia, o que tem se observado no Brasil é o sistemático e progressivo enfraquecimento das estruturas e instituições públicas, que acabam afastando o país do objetivo de ser parte da Organização. Sobre o tema, o Ministério da Economia [3] analisou as vantagens dessa participação. Para o governo, a acessão é importante porque possibilitará:

  • Maior inserção internacional do Brasil
  • Compartilhamento de experiências
  • Discussão das melhores práticas em contexto multilateral e colaborativo
  • Benchmarking
  • Catalisação de reformas
  • Sinalização do ambiente institucional e mitigação da perda do grau de investimento

Especificamente para o setor privado e cidadãos, o ingresso trará:

  • Políticas públicas mais eficientes e racionais, baseadas nas melhores práticas mundiais
  • Melhoria do ambiente de negócios
  • Maior estabilidade regulatória
  • Aprimoramento dos gastos públicos
  • Governança pública mais avançada
  • Voz na definição de padrões internacionais
  • Maior inserção nas cadeias globais de valor
  • Maior confiança para retomada do crescimento
  • Maiores recursos para investimentos no país, por adotar as melhores práticas internacionais

Os benefícios da acessão são comprovados por estudos. Análises estatísticas dos países que se tornaram membros mostram convergência quanto à renda, condições democráticas e posição geopolítica [4]. Ademais, análise feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada para alguns indicadores de países com renda per capita similar ao Brasil que aderiram à OCDE indica [5]:

  • Menores impostos sobre comércio exterior
  • Aumento dos fluxos de importação e exportação
  • Maior atração de investimento externo direto
  • Elevação da formação bruta de capital fixo
  • Efeitos positivos sobre ritmo de crescimento do produto agregado
  • Redução no custo de capital

Em suma, a acessão melhorará as estatísticas produzidas sobre o Brasil, o que tende a elevar a confiança, estimular o crescimento e, consequentemente, melhorar a vida do brasileiro. Temos a oportunidade de sermos o único país membro da OCDE, G-20 e Brics. Para isso, o combate à corrupção deve se tornar prioridade na agenda pública, sem que ingerências políticas maculem iniciativas nesse sentido.


[1]Developing and maintaining such informal ties and cooperation is recognized as a crucial, and internationally accepted, good practice for successfully navigating formal MLA requirements.” (p. 67).

[2] Fonte: https://transparenciainternacional.org.br/posts/ocde-critica-brasil-por-impunidade-em-casos-de-corrupcao/. Acesso em: 1 nov. 2023.

[3] Fonte: https://www.gov.br/economia/pt-br/centrais-de-conteudo/apresentacoes/2022/janeiro/2022-01_apre-entrada-do-brasil-na-ocde.pdf. Acesso em: 1 nov. 2023.

[4] DAVIS, C. L. More than just a rich country club: membership conditionality and institutional reform in the OECD. Princeton: Princeton University, June 26, 2016. Disponível em: < https://scholar.harvard.edu/files/cldavis/files/davis2016b.pdf>. Acesso em: 1 nov. 2023.

[5] Canuto, O. e Santos, Tiago R., O que o Brasil pode esperar da adesão à OCDE? Revista Tempo do Mundo, no 25. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Abril 2021. Disponível em: < https://shorturl.at/ELN58>. Acesso em: 1 nov. 2023.

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