Opinião

As joias da Coroa e os presentes da República no privado e no público

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10 de março de 2023, 16h08

A regra que resulta da leitura conjunta da Constituição e do Código de Conduta da Alta Administração Federal (CCAAF) é clara: presentes não podem ser dados ou recebidos, exceto em casos protocolares em que haja reciprocidade, entre agentes públicos federais nacionais e estrangeiros.

Alan Santos/PR
Alan Santos/PR

Apesar de aberta a norma, elas não existem sem o objetivo que as justifica: que os atos dos agentes públicos se pautem pelo mais alto padrão ético, que exerçam seus cargos sem conflito de interesse com suas vantagens pessoais. Isto decorre de algo que deveria estar mais óbvio para a cidadania: agentes públicos exercem funções em nome de uma coletividade.

As situações amplamente noticiadas, recentemente, colocam em maior evidência a importância de não misturar o público e o privado, tanto no caso dos relógios recebidos pela comitiva presidencial que tinha ido ao Catar em 2019, quanto no caso das joias que chegaram ao Brasil em outubro de 2021, parte delas devidamente apreendidas pela Receita Federal.

No caso dos relógios, somente o valor individual, estimado em R$ 53 mil por peça, já revela que a reciprocidade dependeria de gastos que não foram comprovadamente feitos pelo Brasil (e nem poderiam). Logo, acertada a decisão do Tribunal de Contas da União, com um ajuste: não se trata de devolução dos bens como "efeito pedagógico", mas como obrigação constitucional de quem exerce um poder político e não em benefício próprio e de sua família.

Afinal, quem respeita o cargo que ocupa, declara em detalhes tudo que recebe antes de qualquer diligência fiscal, ética, ainda mais pela estatura constitucional de quem o exerce em benefício de toda uma população, porque se apropriar deles não é apenas irrazoável, mas sobretudo imoral.

O segundo caso, que se desdobra entre joias apreendidas no valor estimado de cerca de R$ 16,5 milhões, relógio e outros bens, também de alto valor, merece ser aprofundado, pois parece muito mais grave.

Além da gravidade do recebimento do presente, como noticiado, mas sem maiores detalhes, por enquanto, as múltiplas tentativas de pressão sobre a Receita Federal para que houvesse a liberação das joias na véspera da mudança de governo, às custas do erário, parecem ser agravantes de uma situação constrangedoramente irrazoável.

Igualmente constrangedora e irrazoável é a situação do destino de parte dos itens, que não foram apreendidos em 2021, e que o ex-mandatário maior da nação entende que são seus. Falou-se equivocadamente que esses presentes, de valor altíssimo, por serem de uso pessoal, poderiam ser liberados mediante o pagamento dos tributos respectivos para sua internalização. Mas, novamente, autoridades são presenteadas pelos cargos que exercem, em nome de quem os presentes devem ser revertidos.

Essas situações reforçam a ideia de que ainda há muito a ser desenvolvido na separação entre o que é privado e o que é público, bem como na transparência que deve ser dada nessas situações.

O mandatário que se apropria do que recebe pelo cargo que ocupa agride a todos os que confiaram em sua atuação, o que é ainda mais escandaloso num país com a pior distribuição de renda quando analisado o 1% mais rico, só não pior do que o próprio Catar.

É indene de dúvidas que o recebimento de presentes desta natureza fere qualquer norma que rege a conduta ética dos representantes do povo brasileiro, notadamente as que visam regular tais condutas com base nos princípios da razoabilidade, da impessoalidade e da moralidade.

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