Sinais trocados

Caso Modesto Carvalhosa x Gilmar Mendes sugere análise a respeito de danos morais

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3 de março de 2023, 19h33

O advogado Modesto Carvalhosa não gosta que se diga que ele se associou à finada "lava jato" de olho em uma soma bilionária que ele levantaria na carona da "força-tarefa" de Curitiba. Tampouco que ele participou da montagem de armadilhas para imobilizar ministros do Supremo que, em sede de Habeas Corpus, bloqueavam decisões como a que destinaria algo como R$ 2,5 bilhões à chamada "Fundação Dallagnol" ao grupo. Muito menos que ele se apresenta como professor aposentado da Universidade de São Paulo sem ser ou que foi expulso do próprio escritório que levava seu nome.

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Carvalhosa teve recurso negado por unanimidade na 2ª Turma Recursal Criminal do Colégio Recursal Central de São Paulo
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Carvalhosa processou as pessoas que disseram que ele defendeu a "lava jato" por interesses econômicos, o que, de fato, ele fez. Vinha perdendo todas, até que o caso chegou à 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo e os desembargadores entenderam que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, extrapolou ao dizer que Carvalhosa agiu em conluio com procuradores da "lava jato" para obter valores da Petrobras em benefício próprio e de seus clientes.

Na opinião dos desembargadores, o ministro deve pagar indenização por danos morais no valor de R$ 50 mil. A defesa do ministro vai recorrer da decisão. Mas, como dizem os advogados em suas petições, "até por amor ao debate", é de interesse público examinar questões centrais desse caso. O julgador reproduziu, em manifestação judicial, uma verdade comprovada. Carvalhosa, mentirosamente, nega os fatos.

Anteriormente, Carvalhosa processou pelos mesmos fatos, este site e o jornalista Luís Nassif. Deve ter processado outros tantos e perdido também. A questão seguinte a se debater é se um juiz, na sua atuação jurisdicional, tem menos liberdade de expressão que um jornalista. E até que ponto mentir é ferramenta aceitável no processo. Nos Estados Unidos, perjúrio é crime punível.

Em setembro de 2020, a 7ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP negou, por unanimidade, pedido de indenização por danos morais feito pelo advogado Modesto Carvalhosa contra a ConJur por reportagem em que ele foi descrito como sócio da força-tarefa da "lava jato" na tentativa do Ministério Público Federal de obter R$ 2,5 bilhões da Petrobras. A decisão confirmou entendimento da primeira instância.

Para o relator, desembargador José Rubens Queiroz Gomes, a reportagem não tinha ofensas, "mesmo porque objetivamente incapaz de abalar a imagem do autor, até porque os réus agiram tomados pelo exercício do direito de livre expressão". Segundo ele, houve equilíbrio entre a livre manifestação do pensamento e o direito à inviolabilidade da honra e da imagem.

No caso do processo contra o ministro do STF, a defesa respondeu que "não há como se falar em ilicitude da conduta do apelado [Gilmar Mendes], de modo que suas manifestações jamais extrapolaram os limites da liberdade de expressão".

E continua "de forma objetiva, os seis eventos supostamente danosos apontados pelo apelante abrangem três temas, a saber: (i) a celebração de acordos envolvendo a Petrobras e potenciais benefícios a clientes do apelante [Modesto Carvalhosa]; (ii) a apresentação, pelo apelante, de pedido de impeachment contra o apelado, que teria sido redigido por uma procuradora integrante da 'força tarefa' da operação 'lava jato'; e (iii) a atividade profissional/docente do apelante".

Sobre o ponto (i), para além de jamais ter direcionado qualquer ofensa ao apelante ou lhe imputado a conduta de práticas ilícitas, o apelante nunca se afastou da verdade, na medida em que aproximadamente R$ 1,2 bilhão, na cotação da época — pagos pela Petrobras — seriam revertidos para o pagamento a acionistas da estatal, conforme confirmado em autos judiciais.

Os acionistas, no caso, tinham como advogado Modesto Carvalhosa, o que ele nunca refutou. A conexão espúria foi alvo de reclamação disciplinar junto ao Conselho Nacional do Ministério Público, por iniciativa da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia.

No fim de 2022, a 13ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP manteve a rejeição de uma queixa-crime de Carvalhosa contra jornalistas da ConJur por difamação e injúria. A corte não constatou justa causa para a ação penal privada.

O desembargador Xisto Rangel considerou que as reportagens não extrapolaram a livre manifestação do pensamento e ressaltou que o tema jornalístico era de interesse nacional. Para o relator, as informações divulgadas "devem ser objeto de controle pela população, sob pena de cerceamento à liberdade de imprensa". Além disso, os jornalistas não teriam demonstrado "vontade livre e consciente de injuriar ou difamar".

Em setembro de 2020, a 7ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP negou, por unanimidade, pedido de indenização por danos morais feito pelo advogado Modesto Carvalhosa contra a ConJur por uma reportagem sobre ele ser sócio da força-tarefa da "lava jato" na tentativa do Ministério Público Federal de obter R$ 2,5 bilhões da Petrobras. A decisão confirmou entendimento da primeira instância.

Pedido de impeachment
O segundo fato apontado como ofensivo por Modesto Carvalhosa é a declaração de Gilmar Mendes de que o pedido de impeachment apresentado pelo advogado contra o ministro tinha sido redigido pela procuradora lavajatista Thaméa Danelon.

O decano do Supremo não inventou nada. Em mensagem de Telegram de 2017, Thaméa Danelon afirmou ao procurador Deltan Dallagnol que o "Professor Carvalhosa" iria pedir o impeachment de Gilmar — o que efetivamente ocorreu — e havia lhe pedido para minutar a petição. Dallagnol ofereceu-se para revisar a peça e recomendou que ela falasse com o braço fluminense da "lava jato", o que sugere um alinhamento de estratégia política para a tentativa de destituição do magistrado.

A articulação sub-reptícia fez com que a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia apresentasse reclamação disciplinar contra os procuradores junto ao Conselho Nacional do Ministério Público. Contudo, o pedido foi arquivado porque não houve autorização judicial para a interceptação das mensagens.

O terceiro fato destacado como desonroso por Carvalhosa são críticas de Gilmar à sua atuação profissional e acadêmica. O ministro referiu-se ao advogado como "aquele falso professor da Universidade de São Paulo, que foi reprovado em concurso".

Na ação, Carvalhosa dedicou várias páginas à narrativa de sua carreira profissional e como docente, sempre se vangloriando de seus feitos. Ainda que ele seja professor da USP e afirme nunca ter sido reprovado em concursos, a fala de Gilmar passa longe de possuir qualquer caráter ofensivo, configurando, quando muito, apenas uma percepção equivocada da realidade.

Fora que a documentação apresentada por Carvalhosa no processo somente comprova que ele foi, em algum momento, aprovado no concurso para docentes. Porém, não atesta que ele jamais tenha sido reprovado em alguma prova do tipo.

Ou seja: as declarações de Gilmar Mendes a respeito de Modesto Carvalhosa nunca extrapolaram os limites da liberdade de expressão.

Liberdade de expressão
Na ação contra Gilmar, Carvalhosa alegou que o ministro teria proferido declarações caluniosas, difamatórias e inverídicas em pelo menos seis oportunidades (quatro julgamentos e duas entrevistas), visando lesar sua honra em ambientes de grande repercussão. Para o advogado, as declarações teriam extrapolado a liberdade de pensamento e de expressão.

Em contestação, o ministro suscitou sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da ação, uma vez que os eventos relatados pelo autor se deram no exercício de sua função no STF e que os magistrados podem fundamentar suas decisões e manifestações com fatos e argumentos diversos, ainda que não diretamente ligados ao processo.

A juíza de primeira instância acolheu a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pelo ministro e julgou extinto o processo, sem resolução de mérito. Conforme a magistrada, Gilmar é um agente público que atua na atividade jurisdicional, de modo que se aplica a ele o disposto no artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, que prevê a responsabilidade do Estado por danos causados por seus agentes.

"Em que pesem os argumentos do autor, observa-se que as seis ocorrências elencadas na inicial estão atreladas à própria função jurisdicional exercida pelo réu no cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, ainda que o autor entenda que o requerido exorbitou a função jurisdicional, percebe-se o nexo de causalidade entre as declarações proferidas pelo réu e a atividade por ele exercida, como será melhor abordado adiante", diz a sentença.

Carvalhosa recorreu ao TJ-SP e o caso começou a ser julgado em 30 de novembro de 2022. Na ocasião, a relatora, desembargadora Clara Maria Araújo Xavier, votou para rejeitar o recurso por concordar com a tese de ilegitimidade passiva. Houve pedido de vista do segundo juiz, desembargador Salles Rossi.

O caso retornou à pauta em 8 de fevereiro, com voto de Rossi e do terceiro juiz, Pedro de Alcântara da Silva Leme Filho, pelo provimento do recurso. Com isso, foi necessária a instauração de julgamento estendido. O quarto juiz, desembargador Silvério da Silva, pediu vista e a conclusão do julgamento se deu somente nesta quarta-feira (1º/3).

Silva seguiu o voto divergente, assim como o quinto juiz, desembargador Theodureto Camargo. Vencida na preliminar, a relatora acompanhou os demais integrantes do colegiado no mérito e, dessa forma, a decisão de condenar o ministro Gilmar Mendes foi tomada por unanimidade.

Processo 1061791-12.2021.8.26.010

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