Direito Eleitoral

A (in)constitucionalidade da PEC 09/2023 e a proibição do retrocesso social

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5 de junho de 2023, 18h49

Em meio ao turbilhão de acontecimentos políticos no Brasil, há um certo movimento legislativo que deveria estar causando a maior reprovabilidade moral. Porém, o protagonismo de diversos eventos e fatos jurídicos simultâneos no cenário político brasileiro, pode dificultar a atenção dedicada da população e dos operadores do Direito.

Neste caso, falamos sobre a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição nº 09/2023, aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados, com apenas nove votos desfavoráveis, que anistia os partidos políticos que não preencheram a cota mínima de recursos ou que não destinaram os valores mínimos em razão de sexo e raça nas eleições de 2022 e anteriores, modificando a Emenda Constitucional 117/2022.

Tal proposta tem, ainda, o objetivo de estender o marco temporal fixado pela Emenda Constitucional 117/2022 e acrescenta a permissão de arrecadação de recursos de pessoas jurídicas por partidos políticos para quitar as dívidas contraídas ou assumidas até agosto de 2015.

O percurso da evolução das instituições políticas é longo e a asseguração de espaço participativo na política para mulheres e pessoas negras sempre foi uma política afirmativa desejada por aqueles que lutaram pelas garantias dos direitos fundamentais, como, por exemplo, Diva Nazário[1] e sua luta pelo voto feminino, em 1922.

Na verdade, no contexto da igualdade de oportunidades entre as candidaturas, faz ampliar a busca pelos objetivos estabelecidos constitucionalmente, aproximando da democracia de afastando a sub-representação.

Esta sub-representação ocorre ainda que seja observado um aumento tímido do número de deputadas mulheres, por exemplo, de 15% para 17,7%, ainda é menor do que a média em relação aos dados globais, onde a participação das mulheres nos parlamentos é de 26,4%, em média[2].

Índices que ressaltam esta sub-representação também se verificam nas candidaturas de pretos e pardos, em relação ao número de candidatos efetivamente eleitos em 2022, com essas características autodeclaradas, somando 27 e 107, respectivamente, com uma variação de 8,94% em relação ao pleito de 2018, contrastando vigorosamente com os objetivos da Emenda Constitucional 111, que estabelece o incentivo para pessoas negras e mulheres[3].

O conjunto de ações para materializar o bem comum, a diversidade, bem como a representatividade e igualdade de situações e oportunidades na arena política-eleitoral, materializados pela Emenda Constitucional 117/2022 e pela Lei 14.291/2022, apenas para exemplificar, estão sendo corroídos pela PEC 09/2023.

No Estado constitucional onde deve ser perseguido constantemente o processo de construção de políticas afirmativas exequíveis[4], a aprovação da matéria escancara a fragilidade da democracia e consolida um retrocesso social, sendo reduzido pelo próprio Estado, transgredindo frontalmente o texto constitucional[5].

Esta afronta moral ao texto constitucional gera certa insegurança jurídica, tendo em vista o contexto de aprovação na Comissão, que parece descortinar a aprovação de emendas e leis quando convenientes para o favorecimento dos partidos e seus filiados.

Talvez o maior apontamento para se afugentar da aplicação dos percentuais mínimos de participação feminina e diversidade racial seja a quanto a anterioridade eleitoral, que ganha face principiológica, expresso no artigo 16 da Constituição.

O sentimento que resta a nós cidadãos diante de uma possível colisão de princípios, é o desejo de realizar aquele ataque geral ao positivismo[6], afirmado por Ronald Dworkin, na medida em que essa mescla de sentimentos entre respeitar o devido processo legislativo e a importância das políticas afirmativas, nascidas dos direitos fundamentais — cláusulas pétreas nos termos o artigo 60, §4°, IV — previstos no artigo 5° caput e inciso I, da Constituição, poderiam levar a PEC 09/2023 a ser barrada de pronto. Todavia, não parece ser este o desfecho.

Se por um lado, a Constituição autoriza o controle judicial de constitucionalidade das leis, esse controle não pode ser antidemocrático. Aliás, nada que a Constituição permita pode sê-lo[7]. Mas e essa PEC 09/2023?!

Portanto, no descompasso da elevação do padrão constitucional estabelecido em 1988, a PEC 09/20223 vem "gentilmente" pedir para que seja aceito o inaceitável, caracterizando além da imoralidade do legislador e do flagrante desvio de finalidade, eventual aprovação constituirá um verdadeiro retrocesso social.

 


[4] BANHOS, Sérgio Silveira. A participação das mulheres na política: as quotas de gênero para o financiamento de campanhas no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2020, p. 49.

[5] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). ARE 639.337 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 23-8.2011, 2ª T, DJE de 15-9-2011. Coletânea temática de jurisprudência: Direitos Humanos. – Brasília: STF, Secretaria de Documentação, 2017. Disponível em: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoPublicacaoTematica/anexo/CTJ_Direitos_Humanos.pdf Acesso em 31.mai.2023.

[6] DWORKIN, Ronald. Talkin Rights Seriously. 9 ed. Cambridge: Harvard Univeristy Press, 2002, p. 14-80.

[7] POSNER, Richard A. Para além do direito. São Paulo : Editora WWF Martins Fontes, 2009, p. 231.

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