Opinião

Exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins: mais um capítulo no setor elétrico

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25 de dezembro de 2023, 9h21

A discussão acerca da inclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins não é tema novo e todos devem bem recordar do julgamento do Recurso Extraordinário nº 574.706/PR (Tema de Repercussão Geral 69), também chamada de “Tese do Século”, que se desenvolveu em duas principais etapas.

A primeira ocorreu em de 15 de março de 2017, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a tese principal e declarou inconstitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins, por entender que o ICMS não compõe receita ou faturamento das empresas, mas dos estados e Distrito Federal, tendo em vista a destinação certa aos entes federativos.

A segunda, em 13 de maio de 2021, a Corte julgou os embargos de declaração opostos pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), concluindo que o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins abrange a totalidade do valor destacado na nota fiscal da operação de venda, e não se limita apenas ao montante efetivamente recolhido. Além disso, modulou os efeitos da decisão para a partir de 14 de março de 2017, ressalvando as ações judiciais e administrativas protocoladas até a data do julgamento da tese principal.

A decisão teve impacto no setor elétrico, sobretudo em relação às distribuidoras de energia elétrica, as quais integram o rol de contribuintes (de direito) que questionaram judicialmente a cobrança do tributo, de modo que quando fixado o Tema 69, passaram a poder reaver os valores pagos a maior na medida em que se suas ações transitassem em julgado e houvesse a habilitação dos créditos junto à Receita Federal.

A intersecção entre a tese tributária e os usuários do serviço de distribuição se dá, porquanto as distribuidoras efetuavam a inclusão nas tarifas de distribuição, das despesas relativas ao PIS/Cofins incorridas no exercício de sua atividade, considerando o ICMS em sua base cálculo, logo, os consumidores, usuários e agentes supridos eram quem suportavam (na condição de contribuinte de fato) economicamente os tributos, e por isso entendeu-se que a parcela paga a maior deveria ser devolvida aos consumidores.

Por esse motivo, a Aneel iniciou os debates no âmbito administrativo, a fim de dar uma resposta regulatória ao tema. Na agência, o embrião da discussão se deu pela Tomada de Subsídios nº 05/2020, seguida da Consulta Pública nº 05/2021, que objetivou colher informações quanto ao tratamento a ser dado aos créditos tributários oriundos da decisão do STF, que excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS/Pasep e da Cofins.

Com o intuito de dar maior conforto legal à Aneel diante do tema, o Congresso editou a Lei nº 14.385/2022, incluindo importantes dispositivos na Lei nº 9.427/1996, atribuindo à agência a competência para promover em seus processos tarifários a destinação integral de valores relativos à repetição de indébitos tributários das distribuidoras de energia elétrica e, especificamente, relativo aos créditos originários da “exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins”.

Irresignadas com a nova lei, as distribuidoras de energia elétrica ajuizaram a Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.324/DF, contra os dispositivos insertos na Lei n.º 9.427/1996 por intermédio da Lei n.º 14.385/2022, cujos argumentos dividem-se, em síntese, em quatro principais eixos: (i) violação à reserva de lei complementar; (ii) violação à coisa julgada e ao ato jurídico perfeito; (iii) necessária irretroatividade da lei; e (iv) violação ao princípio da segurança jurídica e equidade.

Sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, no Supremo Tribunal Federal, a ADI foi pautada para julgamento no Plenário Virtual do STF, julgando improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade da Lei n.º 14.385/2022, acompanhado de pareceres da PGR e AGU no mesmo sentido. Os argumentos utilizados foram diversos, os quais são expostos a seguir.

Entendeu-se por não haver vício de inconstitucionalidade formal em relação à violação de lei complementar, em razão de a Lei nº 14.385/2022 dispor sobre matéria atinente à política tarifária, oriundo da relação jurídica de delegação de serviço público, com amparo no artigo 175, parágrafo único, III da CRFB, plenamente passível de edição por meio de lei ordinária e em consonância com a previsão constitucional.

Expôs também que a norma impugnada trata da destinação dos valores relativos à repetição de indébito e não a disciplina de indébito tributário, como por exemplo, os seus termos, titularidade, marcos prescricionais ou qualquer outro aspecto que necessitasse de lei complementar.

Destacou que a relação jurídica em questão é de natureza administrativa, conquanto se trate de política tarifária e não disciplina sobre tributos, tendo em vista que a Lei 14.385/2022 conferiu o dever-poder específico à Aneel de repercutir nas tarifas os reflexos econômicos originados de repetições de indébito, haja vista os montantes terem sido considerados na composição da tarifa de energia elétrica, à época da incidência do tributo, assim, se os usuários suportaram economicamente de modo indevido, os valores objetos de repetição igualmente deverão repercutir na composição tarifária.

Entendeu por não haver ofensa à coisa julgada. Isso porque a norma impugnada terá incidência em um momento posterior ao da formação da coisa julgada e em relação jurídica diversa daquela que ensejou a prestação jurisdicional.

Acresceu ainda que não houve alteração pela Lei nº 14.385/2022 no conteúdo do que foi decido nas ações judiciais movidas pelas distribuidoras, mas disciplina à destinação integral dos valores oriundos da repetição indébito que reconheceram o direito ao ressarcimento das distribuidoras. E na realidade, era necessário que assim fosse, pois a recomposição tarifária pressupõe a existência e validade das decisões judiciais.

Caminhando para o final dos fundamentos, entendeu não haver ofensa a direitos adquiridos e a irretroatividade da norma. Isso porque no primeiro caso, a conclusão foi de que por ter havido repercussão nas tarifas dos tributos à época cobrados indevidamente, deverá também ter sua consequência econômica com a destinação integral aos consumidores.

Quanto ao segundo caso, entendeu-se não haver ofensa à irretroatividade da norma, pois, por se tratar de repetição de indébitos tributário, não haveria contemporaneidade entre o pagamento indevido feito pelas concessionárias (que deu causa à repercussão nas tarifas), com o ressarcimento do indébito, logo, naturalmente o ressarcimento será sempre em momento subsequente, seja por reconhecimento administrativo ou judicial. Assim, só então se instaura o poder-dever da Aneel em destinar os montantes por meio do processo tarifário em proveito dos usuários.

Por fim, acresceu que, os indébitos relacionados às ações judiciais que versam sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, se darão nos processos tarifários anuais, a partir do primeiro processo tarifário subsequente ao requerimento à Secretaria da Receita Federal. No caso, está-se a tratar do processo tarifário ocorrido após o início de   vigência da norma. Dessa feita, não se verifica a indevida retroatividade da norma.

Em que pese o prazo para votação no plenário virtual tenha se finalizado, haja vista ter ocorrido entre 10 de novembro de 2023 a 20 de novembro de 2023, houve pedido de destaque pelo ministro Luiz Fux, o que por consequência ocasionará no endereçamento das discussões ao plenário físico, oportunidade em que haverá a possibilidade de debates simultâneos entre os ministros.

Com o avançar do ano e o recesso do Poder Judiciário, as discussões ficarão para o ano de 2024, cujo resultado possui significativo impacto aos consumidores, uma vez que estão sendo envolvidos vultosos montantes.

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