Opinião

Inclusão das subvenções na base de cálculo do PIS/Cofins é inconstitucional

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29 de abril de 2024, 20h38

A Lei n° 14.789/2023, resultado da conversão em lei da Medida Provisória n° 1.185/2023, determinou, em seu teor, a revogação do artigo 1º, § 3º, X, da Lei nº 10.637/2002 e do artigo 1º, § 3º, IX, da Lei nº 10.833/2003. A partir dessa alteração, passaram a compor a base de cálculo do PIS e da Cofins receitas decorrentes das subvenções para investimento, dentre as quais se enquadram os benefícios fiscais concedidos pelos estados e atrelados ao ICMS, por força da modificação trazida pela Lei Complementar n° 160/2017.

A inclusão das receitas decorrentes da contabilização dos incentivos fiscais do ICMS permeia o debate tributário há anos. A modificação legislativa proposta por iniciativa do Poder Executivo pode ser concebida como uma resposta política ao precedente vinculante firmado pelo Superior Tribunal de Justiça por ocasião do Tema 1.182, julgado sob a sistemática dos recursos especiais repetitivos, por meio do qual foi reconhecida a legalidade da exclusão dos incentivos fiscais do ICMS da base de cálculo do IRPJ e CSLL, desde que registrados como reserva de lucros, absorção de prejuízos ou aumento de capital social.

Para além disso, a corte reiterou o entendimento firmado por ocasião do EREsp 1.517.492/PR, que reconheceu a legalidade da exclusão dos créditos presumidos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL independentemente do registro nas contas referenciadas.

A submissão da substância jurídica à forma contábil

A violação do pacto federativo pode ser interpretada como fundamento essencial dos precedentes vinculantes supramencionados. Sua lógica se aplica perfeitamente à exclusão dos referidos benefícios fiscais vinculados ao ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, tendo em vista que a hipótese de esvaziamento da autonomia dos entes pela incidência da tributação federal é a mesma.

Contudo, a incidência das contribuições sobre a receita das subvenções para investimentos consubstanciadas nos incentivos fiscais representa também um nítido contexto de submissão da substância jurídica à forma contábil, resultando em um desvirtuamento do conceito constitucional de receita.

Isso acontece porque o incentivo fiscal, por representar redução de conta patrimonial do passivo da entidade, é formalmente diagnosticado como receita na teoria contábil. Trata-se de orientação fornecida pela Resolução CFC nº 1.374/2011, a qual explicita, em seu tópico 4.47, que “a mensuração da receita pode se dar, por exemplo, a partir do aumento líquido nos ativos originado da venda de bens e serviços ou o decréscimo do passivo originado do perdão de dívida a ser paga”.

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No entanto, incluir as receitas de subvenções na materialidade tributável pelo PIS e Cofins seria submeter a essência jurídica à lógica contábil. Não é porque uma empresa reconhece os benefícios fiscais contabilmente como receita, com o escopo de evidenciar melhor o resultado operacional da entidade devido à redução de um passivo, que deverá incluí-los na base de cálculo do PIS e da Cofins, contribuições submetidas à observância do sistema constitucional tributário.

A noção constitucional de renda

A discussão acerca da adoção de critérios diferentes de mensuração do resultado contábil e do efetivamente tributável é há anos travada no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Fernando Daniel de Moura Fonseca explorou muito bem esse debate ao estudar a construção da noção constitucional de renda na corte, firmando a concepção de que a realização se compõe como um objeto fundamental para diagnosticar um ganho patrimonial apto a ser tributado pelo IRPJ e pela CSLL, que deve ter como base um acesso irrestrito à riqueza nova, ao passo que, para a contabilidade, a mera adição de valor a um ativo preexistente pode se configurar enquanto ganho passível de inclusão no resultado tributável [1].

Fundamentando esse raciocínio, o autor fez referência ao entendimento firmado pelo STF a partir do ADI n° 2.588 [2], pelo qual foi considerada inconstitucional a tributação dos lucros auferidos por empresas sediadas no exterior e coligadas a multinacionais brasileiras no momento de publicação do balanço patrimonial, quando essas não estivessem sediadas em países de tributação favorecida.

A referência à distinção entre conceitos contábeis e jurídicos foi utilizada como um dos fundamentos pelo redator do acórdão, o ministro Joaquim Barbosa, que reputou inconstitucional a tributação com base no método de equivalência patrimonial aplicado aos lucros ou prejuízos das empresas investidas, por entender que a efetiva disponibilidade jurídica do resultado positivo se daria com a distribuição dos lucros para os investidores nacionais.

Assim, o “MEP” representaria mera expectativa de impactos pelo resultado pretérito da empresa investida, mensuração recomendável pela contabilidade, mas sem repercussão jurídica.

No caso específico dos tributos incidentes sobre a receita, o STF possui corrente jurisprudencial no sentido de diferenciar o conceito de receita sob a lógica contábil e jurídica, em consonância com o artigo 1° das Leis 10.637/02 (artigo 1º) e Lei 10.833/03. Trata-se de entendimento exposto a partir do Recurso Extraordinário n° 606.107/RS, de relatoria da ministra Rosa Weber, em que foi viabilizada a utilização da contabilidade gerencial em seu caráter instrumental com fins de viabilizar a tributação, inexistindo, porém, submissão entre as esferas contábil e jurídica.

Tese fixada no Tema 69 forneceu parâmetros

Realizar tal diferenciação é fundamental, tendo em vista que o STF, ao firmar tese fixada no Tema de repercussão geral de n° 69, forneceu parâmetros constitucionais adequados para a configuração do conceito jurídico de receita bruta, ao entender pela inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base do PIS e da Cofins.

Por ocasião do julgamento em referência, a corte assentou, no voto do ministro Celso de Mello, que a receita bruta perpassa pelo reconhecimento de ingresso financeiro de caráter definitivo. Por essa razão, o ICMS, caracterizado pela transitoriedade contábil, uma vez que é repassado aos cofres públicos, não poderia compor o resultado tributável do contribuinte.

Ao analisar a tese, o professor Fábio Calcini ponderou que as receitas devem ter por base ingressos ou entradas financeiras primárias e definitivas, decorrentes da própria atividade empresarial [3].

As subvenções para investimento mediante incentivos do ICMS, embora possam ser representadas contabilmente pela redução de passivos, não se originam a partir das funções típicas de empresa, a exemplo da celebração de negócios jurídicos como a venda de mercadorias, prestação de serviços, bem como cessão onerosa ou temporária e direito de remuneração de investimentos [4].

Como fonte atípica de incremento patrimonial, não se inviabiliza a sua utilização na contabilidade gerencial. Mas a sua inclusão não pode ser compreendida como ingresso financeiro para composição na base de cálculo das contribuições PIS e Cofins.

Portanto, se os benefícios fiscais, tais como isenção e diferimento do ICMS, não representam ingressos patrimoniais definitivos, mas tão somente reduções no passivo da entidade, não há como enquadrá-los no conceito constitucional de receita, sendo, assim, imperativo o reconhecimento da inconstitucionalidade da alteração promovida pela Lei n° 14.789/2023.

 

 


[1] FONSECA, Fernando Daniel de Moura. Imposto sobre a Renda – uma proposta de diálogo com a contabilidade. Belo Horizonte: Fórum, 2019.

[2] STF. ADI: 2588 DF, Relator: Min. ELLEN GRACIE, Data de Julgamento: 10/04/2013, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-027 DIVULG 07-02-2014 PUBLIC 10-02-2014

[3] CALCINI, Fabio Pallaretti. PIS/PASEP E COFINS. TRIBUTAÇÃO DAS RECEITAS FINANCEIRAS. In: INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTUDOS TRIBUTÁRIOS (IBET). 50 anos do Código Tributário Nacional. Editor Noeses. São Paulo, 2016.

[4] MINATEL, José Antonio. Conteúdo do conceito de receita e o regime jurídico para sua tributação. São Paulo: MP, 2005.

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