Reflexões Trabalhistas

Terceirização ilícita de serviços

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22 de dezembro de 2023, 8h00

Durante muito tempo, a utilização de empresas prestadoras de serviços terceirizados foi considerada como fraude a aplicação da legislação trabalhista e, também, como modelo de precarização de mão-de-obra. Daquele período são as Súmulas 256 e, posteriormente, 331 do TST, que uniformizaram o entendimento daquela Corte quanto aos limites da terceirização de serviços em dois aspectos: quanto à atividade meio e ausência de subordinação do trabalhador ao tomador de serviços.

Numa evolução da doutrina, a fim de afastar a terceirização a qualquer custo, engendrou-se a teoria da subordinação estrutural dos trabalhadores que, supostamente, ocupavam lugar na cadeia produtiva e que prestavam serviços vinculados aos resultados econômicos do tomador, ou seja, o trabalho prestado adquire relevância para o tomador. Essa doutrina, que pretendia se sobrepor à subordinação jurídica, logo tomou conta das decisões judiciais trabalhistas.

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O STF, em decisão histórica, afastou a subordinação estrutural como elemento descaracterizador da terceirização, adotando a seguinte tese no Tema 725 É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”, tendo como leading case o RE 958.252. A questão nodal do conteúdo e objeto dos serviços a serem prestados parecia ter sido resolvida.

A reforma trabalhista, por meio das Leis nº 13.429 e 13.467, de 2017, trouxe, finalmente, parâmetros legais para que fosse admitida a terceirização da prestação de serviços e eliminou o questionamento anterior a respeito da destinação dos serviços prestados, ou seja, se atividade-fim ou meio do tomador.

Deste modo, a terceirização, que sempre foi considerada modelo de precarização de direitos, consolidou-se do ponto de vista legal. A partir de então, admite-se a terceirização em atividade-fim ou meio do tomador.

O tema, contudo, merece um parêntese para dizer que o nosso modelo de organização sindical é responsável pela ocorrência, ao longo dos anos, da precarização de direitos no âmbito das empresas prestadoras de serviços e, também, pelo tratamento diferenciado que existe internamente nas empresas que se utilizam de trabalhadores prestadores de serviços terceirizados.

A insistência das organizações sindicais de agrupamento em categorias históricas e desmontadas na atualidade, tendo como referência a atividade econômica da empresa, criou verdadeira separação de classe entre os trabalhadores que atuam na mesma atividade econômica e no mesmo local de trabalho.

Verdade seja dita: os sindicatos profissionais se posicionaram com frequência contra a terceirização, todavia, as críticas estavam voltadas à redução de trabalhadores da base para o recolhimento da contribuição sindical aos cofres do sindicato da categoria preponderante.

Voltando ao tema da terceirização pós-reforma trabalhista, ao contrário do que muitos sugerem, a regulamentação pela lei não afastou a possibilidade de caracterização de serviços terceirizados como fraude a direitos trabalhistas, observado, inclusive, o Tema 725 do STF.

O sítio do TST divulgou em 12/12/2023, a seguinte notícia de julgamento da 3ª Turma: “Subordinação direta e grupo econômico justificam reconhecimento de vínculo de terceirizados”, processo AIRR-10339-89.2015.5.05.0531 e AIRR-1381-34.2016.5.07.0011.

Segundo o relator do caso, ministro Alberto Bastos Balazeiro, “não se trata de mera discussão sobre terceirização, pois há fundamento autônomo e independente que permite afastar a aplicação do entendimento do STF”. Segundo o relator, o próprio STF excluiu do alcance de sua tese “os casos em que a tomadora e a prestadora de serviços integram o mesmo grupo econômico”.

Então, a utilização do modelo de terceirização foi descaracterizada por dois aspectos: primeiro, a existência de subordinação direta do trabalhador ao tomador e, segundo aspecto, o fato de o prestador e o tomador de serviços integrarem o mesmo grupo econômico, não se confundindo com os casos dos julgamentos da ADPF 324 e do RE 958.252, ficando caracterizada a fraude aos direitos trabalhistas dos empregados das empresas prestadoras de serviços.

De outro lado, vale a ressalva sobre o tema no sentido de que o TST tem sido criterioso ao analisar os casos de terceirização de serviços que chegam para julgamento. Parece unânime que a ilicitude da terceirização, quanto ao modo de contratação e de entrega do trabalho, é a tônica para o reconhecimento do vínculo de emprego e para afastar a licitude da terceirização, colocada como forma de fraudar direitos trabalhistas.

Vale, para concluir, observar o acórdão trazido em sua decisão pelo ministro Balazeiro:

“RECURSO DE REVISTA. (…) TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS.
ATIVIDADE-FIM. VÍNCULO DE EMPREGO. SUBORDINAÇÃO DIRETA. DISTINGUISHING. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI 13.015/2014.

1 O col. Tribunal Regional reconheceu a ilicitude da terceirização dos serviços relacionados à atividade-fim do tomador de serviços aplicando a diretriz da Súmula 331, I, do TST, a fim de reconhecer o vínculo diretamente com o tomador de serviços (Banco Hipercard Banco Múltiplo S.A.), com o consequente enquadramento da autora na categoria dos bancários, concedendo-lhe todos os benefícios e condições asseguradas a esta categoria.
2 Conquanto a Suprema Corte tenha reconhecido, no julgamento da ADPF nº 324 e do RE nº 958.252, a legalidade irrestrita da terceirização de serviços, podendo a contratação de trabalhadores se dar de forma direta ou por empresa interposta e para exercer indiscriminadamente atividades ligadas à área fim ou meio das empresas, não se configurando em tais circunstâncias relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada, não há como reconhecer a validade da contratação quando a prova produzida demonstra haver a subordinação direta da reclamante ao tomador dos serviços.
3 A referida peculiaridade é suficiente para a utilização da técnica da distinção, também conhecida como distinguishing, e, por conseguinte, para a não aplicação do Precedente fixado pelo STF, o qual examinou a licitude da terceirização apenas no enfoque das atividades desenvolvidas pela empresa contratante. Assim, reitere-se, reconhecida a fraude na contratação, não pela atividade desempenhada pela reclamante, mas pela existência de subordinação direta da autora à empresa tomadora dos serviços, não há que se falar em licitude da terceirização.
4 Registre-se que os elementos fáticos delineados pelo Juízo a quo são insuscetíveis de reexame nesta instância extraordinária, nos termos da Súmula 126 do TST. Precedentes. Recurso de revista não conhecido” (RR-1652-31.2011.5.06.0016, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 18/03/2022).

Desta feita, se enganam aqueles que pensam que a terceirização de serviços não encontra limites porquanto regulamentada pelas Leis nº 13.429 e 13.467 de 2017. Não se trata mais de uma questão legal, mas de conteúdo prático em que a primazia da realidade dará o tom da licitude ou ilicitude da adoção do modelo contratual.

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