Senso Incomum

Decisão de juiz 'fitness' do Pará é 'direito fofo'

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14 de dezembro de 2023, 8h00

Primeiro, vamos deixar claro que a nomenclatura “fitness” não é minha, é do site Migalhas (ver aqui), cuja manchete é: “Juiz fitness condiciona fornecimento de remédio a atividade física para homem obeso”. E o subtítulo da matéria é: “Magistrado considerou os benefícios da prática de exercícios à saúde do autor”.

Spacca

Sigo. Segundo a bem fundamentada notícia, o juiz Claytoney Ferreira, do Pará, determinou que homem obeso somente receberá os medicamentos requeridos mediante prática de atividade física. Ele assim o fez após avaliar os riscos de vida do autor.

O homem, de 34 anos, pesando mais de 100 kg, teve sua condição classificada como obesidade moderada, prestes a se tornar obesidade mórbida: “O IMC do autor denota a necessidade de atividade física e, segundo estudos diversos na própria bibliografia médica mundial, a atividade física, conjugada com dieta, melhora a condição do sono, disposição e doenças da alma (depressão), de modo que o caso em comento, a despeito de o autor comprovar a probabilidade do direito vindicado, deve ser deferido mediante comprovação de exercícios diários devidamente acompanhado por profissional vinculado ao Município de Santarém/PA, sob a condição suspensiva”.

A decisão pode até ser aplaudida. Assim como o é uma decisão que manda comprar — sem orçamento, sem prognose — ônibus para crianças irem à escola. Afinal, quem seria contra? São decisões que, no meu Dicionário Senso Incomum, chamo de “direito fofo”. Se você for contra a decisão, será criticado por não ter sensibilidade social. Quem seria contra construir casas para os sem teto? E coisas assim.

Problemas da decisão: o IMC não é parâmetro utilizado — de forma isolada ou plenipotenciário — por endocrinologistas e por nutricionistas. Além disso, o juiz Claytonei não tem competência técnica para condicionar tratamento médico se o laudo pericial assim não indicou. Solipsismo. A decisão não está amparada no Direito e sim na perspectiva pessoal do magistrado sobre “saúde”.

E se o obeso não consegue fazer exercício físico e precisa baixar o peso para começar?

Qual o fundamento jurídico que o juiz invocaria para condicionar o direito prestacional a uma ação do autor determinada por ele, nesse caso? Algo como “você só vai ser operado de um problema cardíaco se parar de fumar”…

Cabe ao estado interferir neste âmbito que é puramente ético?

De novo, é essa minha questão: qual o fundamento jurídico para tal condicionamento, ainda que fosse uma coisa muito razoável de se exigir?

Em outras palavras, qual o fundamento jurídico para restringir o direito à liberdade (exigência de exercer atividade física contra a vontade do cidadão/autor) sob o fundamento de otimização da saúde do próprio autor, sendo que o ato ilícito atacado é a negativa do estado em fornecer um medicamento que está amparado pelo direito à saúde?

Além de tudo, a decisão do juiz não é nem jurídica e nem médica, pois ele não é médico e o laudo médico não condicionou nada. A sentença interpreta restritivamente o direito fundamental à saúde, pois cria um requisito não previsto em lei. Viola, pois, o artigo 5º, II e parágrafo 1º, CF.

Ainda, viola o direito à vida privada e a autonomia da vontade, ao “impor” a prática de atividade física, a margem do princípio dispositivo.

O que fica é que se trata de uma decisão que coloca a moralidade pessoal do juiz acima e para além do que dispõe o direito.

Como disse, é “direito fofo”. Ousei fazer esta crítica. E, para registro, aviso que sou adepto também da academia de ginástica. Faço exercícios. A contragosto. Mas faço. Sou favorável a que o cidadão que recebeu os remédios faça exercícios. Só que não é função do juiz determinar que ele os faça.

Nunca esqueçamos: quando o guarda multa alguém, não pode dar esculacho.

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