Opinião

Flávio Dino: paralelos históricos, trajetória pública e desafios no Supremo

Autor

  • Lucas Santos de Sousa

    é advogado LL.M candidate pela Universidade da Pensilvânia (UPenn) pós-graduado em Direito Constitucional pelo IDP e bacharel em Direito pela Universidade de Brasília.

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12 de dezembro de 2023, 6h30

Muita tinta vem sendo gasta, nos últimos dias, para tratar da indicação do ministro da Justiça Flávio Dino ao Supremo Tribunal Federal. Tem sido dada especial ênfase à sua atuação como gestor público, principalmente aos seus 12 meses à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Neste artigo, optaremos por uma abordagem distinta, buscando identificar semelhanças e singularidades na trajetória do indicado em comparação com as de outros ministros do tribunal mais importante do país. Além disso, listamos alguns fatos de sua carreira que podem passar despercebidos no noticiário político e, com um olhar mais atento, dão indicativos de como Flávio Dino se portará no papel de ministro do Supremo. Por fim, elencamos alguns dos desafios que o indicado enfrentará ao chegar ao tribunal.

Ministro Flávio Dino (Justiça) em evento na FGV-Rio 2023

Paralelos históricos
Caso tenha seu nome aprovado pelo Senado, Flávio Dino se tornará o sexto maranhense a ocupar uma cadeira do STF, ao lado dos ministros Costa Barradas (1890-1893) [1], Pindahiba de Mattos (1894-1910) [2], João Pedro Belfort Viera (1897) [3], Viveiros de Castro (1915-1927) [4] e Carlos Madeira (1985-1990) [5], sendo que apenas este último foi alçado ao cargo após a redemocratização do país, tendo sido escolhido pelo então presidente José Sarney, também maranhense. Flávio Dino será o primeiro egresso da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) a exercer a judicatura na corte mais alta do país [6].

A indicação de Flávio Dino chama atenção não somente por conta do seu estado de origem, mas também por sua multifacetada trajetória na vida pública, ocupando cargos nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário antes de chegar ao Supremo.

Nesse quesito, sua indicação possui aspectos semelhantes à do ministro Nelson Jobim, que foi deputado federal pelo estado do Rio Grande do Sul, membro da Constituinte e ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso [7]. Há também diversos casos de integrantes do STF com histórico prévio de atuação parlamentar e gestão pública, situação em que se encaixam os ministros Paulo Brossard (deputado estadual, deputado federal e senador) [8], Aliomar Baleeiro (deputado federal e secretário da Fazenda da Bahia) [9], Maurício Correa (senador) [10], Bilac Pinto (deputado federal) [11], Prado Kelly (deputado federal) [12], Célio Borja (deputado estadual e federal) [13], Eloy da Rocha (deputado federal e secretário de Educação e Cultura do Rio Grande do Sul) [14], Oscar Corrêa (deputado federal e secretário da Educação de Minas Gerais) [15], dentre outros. No universo dos 31 ministros do período pós-democratização, no entanto, Flávio Dino será o único a ter atuado como governador de estado. Nesse aspecto, como bem lembrado pelo professor Rodrigo Becker em post veiculado na rede X (antigo Twitter), o precedente histórico mais próximo é o do ministro Oswaldo Trigueiro, que chegou à corte em 1965, após ter sido governador da Paraíba entre 1947 e 1950 [16].

A busca por similares estrangeiros mostra que esse tipo de trânsito entre posições nos três Poderes ocorria usualmente nos Estados Unidos até meados do século 20. A título de exemplo, dentre os nove Justices que participaram do célebre julgamento Brown v. Board of Education, em 1954, nada menos que quatro tinham passado político: o Chief Justice Earl Warren (governador da Califórnia) [17], além dos Justices Hugo Black (senador pelo Alabama) [18], Harold Burton (senador por Ohio) [19] e Sherman Minton (senador por Indiana) [20]. O último exemplo de magistrado com passado de atuação parlamentar a chegar à Suprema Corte americana foi a Justice Sandra Day O’Connor, ex-senadora republicana indicada ao tribunal por Ronald Reagan que lá permaneceu até 2006 [21].

Há precedentes históricos, portanto, para o salto entre Poderes que Flávio Dino agora pretende executar. O verdadeiro ineditismo se dá por conta da sua atuação na chefia do Executivo estadual maranhense, que não possui paralelos recentes no cenário nacional.

A carreira do novo ministro
Flávio Dino foi juiz federal entre 1994 e 2006, tendo sido aprovado em primeiro lugar no concurso que prestou [22]. Durante esse período, atuou como presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) (2000-2002) [23] e como assessor da Presidência do STF, durante a gestão do ministro Nelson Jobim [24]. Suas publicações da época discorriam sobre temas como a inconstitucionalidade parcial da Lei de Improbidade Administrativa, a federalização da competência para o julgamento de crimes contra direitos humanos e o papel do Poder Judiciário na efetivação de políticas públicas [25].

Em 2001, Flávio Dino obteve o título de mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Sua dissertação tratou da criação do Conselho Nacional de Justiça, que vinha sendo debatida no período. No trabalho acadêmico, Dino posicionou-se contrariamente à possibilidade de demissão de juízes por infrações administrativas, defendendo como alternativa um aperfeiçoamento do regime jurídico dos crimes de responsabilidade, com atribuição de competência exclusiva ao STF para apreciar processos dessa natureza movidos contra juízes [26].

Entre 2007 e 2011, Flávio Dino foi deputado federal pelo estado do Maranhão, ocupando assento na Comissão de Constituição e Justiça [27], a mais importante da Câmara. Entre os pontos de destaque da sua carreira legislativa, merecem atenção a propositura de projetos, depois convertidos em lei, que viriam a reger aspectos da atuação do STF, versando sobre temas como: (1) o julgamento de mandados de injunção individual e coletivo (Lei nº 13.300/2016), (2) a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (Lei nº 12.063/2009) e (3) a convocação de desembargadores e juízes federais para auxiliar na realização de atos de instrução em ações penais (Lei nº 12.019/2009) de competência originária do STF e do STJ. Dino também relatou projetos que tratavam da criação dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, da utilização de equipamentos de rastreamento eletrônico por condenados e a instalação de salas de aula em presídios [28].

A partir de 2011, Flávio Dino passou a ocupar sucessivos cargos no Executivo, iniciando-se pela Presidência da Embratur (2011-2014), passando por dois mandatos consecutivos como governador do estado do Maranhão (2015-2022) e culminando na sua nomeação como ministro da Justiça e Segurança Pública durante o governo Lula. Nesta última posição, Flávio Dino teve papel central na implementação de medidas para retomar o controle da capital federal durante os incidentes de 8 de janeiro deste ano, conduzindo a elaboração e implementação do decreto de intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal [29].

Durante sua gestão no ministério, destacou-se a atuação abrangente da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), que agiu diretamente em questões relativas à regulamentação de plataformas digitais [30], às inconsistências contábeis da Americanas [31] e aos apagões de energia da Eletrobras [32] e da Enel [33]. Na área da segurança, a gestão de Dino ficou marcada pela elaboração do Plano de Enfrentamento às Organizações Criminosas [34], a decretação de GLO em portos e aeroportos [35] e medidas de cooperação federativa na gestão carcerária [36].

Seu período no Ministério da Justiça também foi permeado de declarações sobre temas que estão na agenda do Supremo. Em setembro, Flávio Dino propôs que se trave um debate público sobre as técnicas de deliberação do tribunal e a publicização dos votos individuais dos ministros [37]. Também recentemente, Dino defendeu em entrevista a atribuição de mandatos aos ministros do Supremo, argumentando que jurisdições europeias fazem uso do mesmo mecanismo [38]. Esse é um posicionamento que Dino externa ao menos desde 2009, quando chegou a redigir uma proposta de emenda à Constituição sobre o assunto [39].

Paralelamente às carreiras judicante e política, Flávio Dino atuou como professor de direito da UFMA (1993 até o momento) e da Universidade de Brasília (UnB) (2002-2006), tendo lecionado matérias relacionadas a Direito Constitucional e Direito Administrativo [40].

Há um padrão na trajetória de Flávio Dino: mesmo nos períodos em que ocupou cargos no Executivo e no Legislativo, o novo ministro não se manteve alheio aos temas do mundo jurídico. Sua atuação em cargos políticos mostra que, anos atrás, Flávio Dino já manifestava interesse por questões relacionadas à jurisdição constitucional, a políticas de gestão carcerária e segurança pública, dentre outros temas que voltará a enfrentar enquanto ministro do Supremo.

Desafios no Supremo Tribunal Federal
Flávio Dino herdará da ministra Rosa Weber um acervo de apenas 345 processos, dentre eles 43 ações de controle concentrado. No entanto, vários desses processos já tiveram seu julgamento iniciado, fruto do esforço hercúleo da ministra Rosa Weber em proferir votos nos casos de sua relatoria antes que se aposentasse. Ainda assim, há casos deixados pela ministra que são dignos de nota.

Flávio Dino figurará como relator, por exemplo, da ADI nº 7.005, em que se discute a constitucionalidade de alterações no Código de Processo Civil promovidas pela Lei nº 14.195/2021, mais precisamente dispositivos que versaram sobre citações por meio eletrônico e mudanças no regime de prescrição intercorrente na execução. Na ADI nº 7.231, proposta pelo CFOAB, o ministro enfrentará discussão sobre a revogação equivocada do artigo 7º, §§ 1º e 2º, do Estatuto da Advocacia, que versa sobre a imunidade profissional do advogado durante o exercício da profissão.

Caso não aconteçam imprevistos, Flávio Dino chegará à Presidência do STF em 2035. Até lá, já terão alcançado a idade de aposentadoria compulsória os ministros Gilmar Mendes, Carmen Lúcia, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin. Espera-se, portanto, que a corte presidida pelo ministro Flávio Dino ainda conte com a presença dos ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Nunes Marques, André Mendonça e Cristiano Zanin.

A incógnita que permanecerá por alguns anos é se a trajetória do ministro do Supremo Flávio Dino se sobreporá à memória de sua atuação como político, à semelhança de alguns exemplos citados ao longo deste texto. Caso sua permanência no Supremo transcorra sem percalços, Flávio Dino permanecerá praticamente 20 anos na corte, período superior à extensão da sua vida como político profissional. Com a palavra, o excelentíssimo senhor ministro Flávio Dino.

[1] Informação obtida em: https://portal.stf.jus.br/ostf/ministros/verMinistro.asp?periodo=STF&id=238, acesso em 8/12/2023.

[2] Informação obtida em: https://portal.stf.jus.br/ostf/ministros/verMinistro.asp?periodo=STF&id=117, acesso em 8/12/2023.

[3] Informação obtida em: https://portal.stf.jus.br/ostf/ministros/verMinistro.asp?periodo=STF&id=221, acesso em 8/12/2023.

[4] Informação obtida em: https://portal.stf.jus.br/ostf/ministros/verMinistro.asp?periodo=STF&id=109, acesso em 8/12/2023.

[5] Informação obtida em: https://portal.stf.jus.br/ostf/ministros/verMinistro.asp?periodo=STF&id=24, acesso em 8/12/2023.

[6] O ministro Carlos Madeira se formou pela Faculdade de Direito de São Luís em 1956. Após a edição da Lei nº 5.152/1966, a instituição viria a ser incorporada pela Fundação Universidade do Maranhão, que por sua vez se tornaria o embrião da UFMA.

[7] Informação obtida em: https://portal.stf.jus.br/ministro/presidente.asp?periodo=stf&id=34, acesso em 8/12/2023.

[8] Informação obtida em: https://portal.stf.jus.br/ostf/ministros/verMinistro.asp?periodo=STF&id=26, acesso em 8/12/2023.

[9] Informação obtida em: https://portal.stf.jus.br/ostf/ministros/verMinistro.asp?periodo=STF&id=198, acesso em 8/12/2023.

[10] Informação obtida em: https://portal.stf.jus.br/ostf/ministros/verMinistro.asp?periodo=STF&id=33, acesso em 8/12/2023.

[11] Informação obtida em: https://portal.stf.jus.br/ostf/ministros/verMinistro.asp?periodo=STF&id=224, acesso em 8/12/2023.

[12] Informação obtida em: https://portal.stf.jus.br/ostf/ministros/verMinistro.asp?periodo=STF&id=121, acesso em 8/12/2023.

[13] Informação obtida em: https://portal.stf.jus.br/ostf/ministros/verMinistro.asp?periodo=STF&id=25, acesso em 8/12/2023.

[14] Informação obtida em: https://portal.stf.jus.br/ostf/ministros/verMinistro.asp?periodo=STF&id=180, acesso em 8/12/2023.

[15] Informação obtida em: https://portal.stf.jus.br/ostf/ministros/verMinistro.asp?periodo=STF&id=19, acesso em 8/12/2023.

[16] Informação obtida em: https://portal.stf.jus.br/ostf/ministros/verMinistro.asp?periodo=STF&id=139, acesso em 8/12/2023.

[17] Informação obtida em: https://www.oyez.org/justices/earl_warren, acesso em 8/12/2023.

[18] Informação obtida em: https://www.oyez.org/justices/hugo_l_black, acesso em 8/12/2023.

[19] Informação obtida em: https://www.britannica.com/biography/Harold-H-Burton, acesso em 8/12/2023.

[20] Informação obtida em: https://www.oyez.org/justices/sherman_minton, acesso em 8/12/2023.

[21] Informações obtidas em: https://www.oyez.org/justices/sandra_day_oconnor e https://www.politico.com/news/magazine/2022/04/03/the-supreme-court-has-never-been-apolitical-00022482, acesso em 8/12/2023.

[22] Informação obtida em: https://portal.trf1.jus.br/data/files/FF80808132FE59480132FE93C0984F3F/III%20CONCURSO%20TRF.pdf, acesso em 8/12/2023.

[23] Informação obtida em: https://www.ajufe.org.br/ajufe/galeria-de-presidentes/9836-juiz-flavio-dino-de-castro-e-costa.

[24] Informação obtida em: https://static.poder360.com.br/2023/11/carta-dino-senadores-stf.pdf, acesso em 8/12/2023.

[25] Informações obtidas em: https://www.camara.leg.br/deputados/141436/biografia, acesso em 8/12/2023.

[26] Informação obtida em: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/4489/1/arquivo5833_1.pdf, acesso em 8/12/2023.

[27] Informação obtida em: https://www.gov.br/mj/pt-br/acesso-a-informacao/institucional/curriculos_2023/ministro_de_estado_da_justica_e_seguranca_publica_flavio_dino.pdf, acesso em 8/12/2023.

[28] Informações obtidas em: https://www.camara.leg.br/deputados/141436/biografia, acesso em 8/12/2023.

[29] Informação obtida em: https://www.camara.leg.br/noticias/948970-dino-nega-ter-sido-informado-previamente-pela-abin-sobre-ataques-de-8-de-janeiro/, acesso em 8/12/2023.

[30] Informação obtida em: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/senacon-notifica-plataformas-digitais-sobre-conteudos-violentos, acesso em 8/12/2023.

[31] Informação obtida em https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/senacon-notifica-americanas-s-a-sobre-crise-de-inconsistencia-contabil-1, acesso em 8/12/2023.

[32] Informação obtida em https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/senacon-notifica-eletrobras-sobre-apagao-de-energia, acesso em 8/12/2023.

[33] Informação obtida em https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/senacon-abre-canal-de-denuncias-para-consumidores-prejudicados-pela-enel-em-sao-paulo, acesso em 8/12/2023.

[34] Informação obtida em: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/201cestamos-construindo-o-que-nunca-existiu-no-brasil201d-destaca-flavio-dino-ao-lancar-plano-de-enfrentamento-as-organizacoes-criminosas, acesso em 8/12/2023.

[35] Informação obtida em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-11/saiba-como-vai-funcionar-glo-nos-portos-e-aeroportos-do-rj-e-de-sp, acesso em 8/12/2023.

[36] Informação obtida em: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/ministerio-da-justica-e-seguranca-publica-cria-a-forca-penal-nacional, acesso em 8/12/2023.

[37] Informação obtida em https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/09/dino-repete-lula-e-defende-debate-sobre-sigilo-do-voto-de-ministros-do-stf.shtml, acesso em 8/12/2023.

[38] Informação obtida em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/12/dino-ja-criticou-urnas-chamou-stf-de-orgao-politico-e-propos-mandato-para-ministros.shtml, acesso em 8/12/2023.

[39] Informação obtida em: https://www.conjur.com.br/2009-jan-06/proposta_fixa_mandato_11_anos_ministros_stf/, acesso em 8/12/2023.

[40] Informação obtida em: https://www.gov.br/mj/pt-br/acesso-a-informacao/institucional/curriculos_2023/ministro_de_estado_da_justica_e_seguranca_publica_flavio_dino.pdf, acesso em 8/12/2023.

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