Política do avestruz

TSE avalia se fake news que liga Lula ao demônio deve ser punição exemplar

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21 de setembro de 2022, 10h15

O Tribunal Superior Eleitoral começou a avaliar, na noite de terça-feira (21/9), se o caso da notícia fraudulenta que associou Lula (PT) e lideranças do candomblé ao culto ao demônio deve ser usado como punição exemplar para orientar a Justiça eleitoral e a classe política nas eleições de 2022.

Fotos Públicas/Vitor Soares
Senador Flávio Bolsonaro compartilhou vídeo descontextualizado que cria notícia mentirosa de suposta devoção de Lula
Fotos Públicas/Vitor Soares 

O caso diz respeito a um evento com lideranças do candomblé, do qual Lula participou ainda em agosto de 2021. Em discurso aos presentes, relatou que "nas redes sociais do bolsonarismo, eles estão dizendo que eu tenho relação com o demônio, que eu estou falando com o demônio e que o demônio está tomando conta de mim".

Esse trecho foi cortado e editado para dar a ideia de que Lula admite ter relação com o demônio, falar com o mesmo e estar sob o domínio do mal. O vídeo foi publicado nas redes sociais por Rômulo Quintino (PL), vereador de Cascavel (PR).

A fake news foi amplificada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL), que compartilhou o post com a mensagem "envie esse vídeo a sua liderança religiosa e pergunte o que ela pensa disso. A guerra é também espiritual".

Os elementos para condenar por propaganda antecipada negativa são frágeis, na visão da relatora Maria Cláudia Bucchianeri. Quando a representação foi ajuizada pelos advogados do PT, em janeiro de 2022, o vídeo e as postagens já haviam sido excluídos.

Não se sabe o alcance do material: quanto tempo ficou no ar, quantas visualizações, compartilhamentos ou curtidas. No caso de Flávio Bolsonaro, há apenas o print de sua postagem no Facebook.

Esses elementos fizeram a relatora julgar a representação improcedente. Ela recomendou que Lula demande reparação no juízo cível, se for o caso. "Eu teria dificuldade até de calcular o valor da multa", pontuou.

Abriu a divergência o ministro Alexandre de Moraes, para quem a propaganda antecipada negativa é óbvia e deve gerar condenação exemplar. O julgamento foi interrompido por pedido de vista da ministra Cármen Lúcia.

Antonio Augusto/Secom/TSE
"A Justiça pode até ser cega, mas não é tola", avisou ministro Alexandre de Moraes
Antonio Augusto/Secom/TSE

Política do avestruz
O caráter pedagógico da punição no caso de fake news ficou evidente no voto proferido pelo ministro Alexandre, que começou declarando que "a Justiça pode até ser cega, mas não é tola". Para ele, o TSE não pode fazer a "política do avestruz" e fingir que algo óbvio não aconteceu (como se estivesse com a cabeça enfiada na terra, como faz a ave).

Principalmente porque o caso mostra o modo de operação das milícias digitais, que o Supremo Tribunal Federal investiga em inquérito sob sua supervisão. Em suma, alguém faz o conteúdo fraudulento, outra pessoa joga nas redes e começa o compartilhamento; o material nunca mais fica indisponível, e assim está feito o estrago.

Além disso, se insere em um cenário que o ministro Alexandre de Moraes definiu como "sombrio e gravíssimo", da questão religiosa no âmbito da disputa eleitoral. O vídeo se destina a influenciar o eleitorado evangélico, base política forte de apoio a Jair Bolsonaro nas urnas. Por isso, a tentativa de ligar Lula ao demônio.

Isso fica claro quando Flávio Bolsonaro diz, ao compartilhar o material, que "a guerra é também espiritual". "Que guerra?", indagou o ministro Alexandre. "Se levarmos em conta que não estamos em guerra civil, ela é obviamente eleitoral", completou.

"Estamos diante de publicações com conteúdo sabidamente inverídico, com viés discriminatório, com discurso de ódio contra determinada religião e tentando jogar aqueles que não pertencem a ela contra um candidato específico. Isso é pré-campanha não permitida. Isso é campanha negativa", concluiu.

O voto propôs condenar Rômulo Quintino e Flávio Bolsonaro a pagar multa de R$ 5 mil, valor mínimo previsto na Lei das Eleições (Lei 9.504/1997). Antes do pedido de vista, também votou o ministro Ricardo Lewandowski, que acompanhou a divergência, destacando o papel didático e pedagógico do TSE no sentido de promover a paz social por meio de seus julgamentos.

Representação 0600037-03.2022.6.00.0000

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