asas cortadas

Condenação por não prestar contas é suficiente para gerar inelegibilidade

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23 de novembro de 2022, 10h41

O ato de deliberadamente não prestar contas da aplicação de determinado recurso público pode ser suficiente para, por si só, caracterizar ato improbidade administrativa com dolo específico, conduta que gera a inelegibilidade de oito anos do gestor público responsável.

Antonio Augusto/Secom/TSE
Ausência de prestação de contas deliberada é ato doloso de improbidade, segundo ministro Carlos Horbach, relator do caso
Antonio Augusto/Secom/TSE

Com essa conclusão, o Tribunal Superior Eleitoral manteve o indeferimento da candidatura de Edson Piriquito (Republicanos) ao cargo de deputado estadual por Santa Catarina, em julgamento na noite de terça-feira (22/11). Ele recebeu 14,4 mil votos em 2022 e não foi eleito.

Piriquito foi considerado inelegível porque não prestou contas da aplicação de recursos federais recebidos, o que levou a condenação no Tribunal de Contas da União. Suas contas como prefeito no exercício de 2015 foram julgadas irregulares e insanáveis.

O acórdão do TCU não menciona a ocorrência de improbidade administrativa. Ainda assim, a Justiça Eleitoral é livre para, analisando os elementos dos autos, extrair essa conclusão para definir se incide a inelegibilidade artigo 1º, inciso I, alínea "g" da Lei Complementar 64/1990.

A norma pune os que tiveram suas contas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa. Graças à recente alteração da Lei 8.429/1992 pela Lei 14.230/2021, esse dolo precisa ser específico.

Ou seja, já não basta ter o dolo genérico — a voluntariedade de praticar o ato ímprobo. É preciso a vontade consciente e livre de alcançar o resultado ilícito tipificado na lei. Controversa, essa mudança reduziu o campo de punição de administradores públicos.

Ao julgar o caso de Edson Piriquito, o TSE indicou que não vai limitar ainda mais a incidência dessa causa de inelegibilidade. O resultado mostra como a Justiça Eleitoral pode identificar a existência da vontade de agir de maneira dolosamente ímproba e, assim, tornar o gestor inelegível.

Não prestou contas porque não quis
A irregularidade insanável cometida ocorreu no âmbito de um convênio assinado com o Ministério do Turismo. A prefeitura de Balneário Camboriú recebeu verbas federais para qualificar profissionais do setor para a melhoria do atendimento aos turistas.

Antonio Augusto/Secom/TSE
Para ministro Alexandre de Moraes, julgamento do TSE manda um importante recado aos gestores de verbas públicas
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Piriquito não só não prestou contas como, quando notificado pelo TCU, nada fez e, assim, foi julgado à revelia. A corte de contas concluiu que não há, sequer, prova de que profissionais foram qualificados. Não existe relação completa dos profissionais que participaram, nem comprovação da contratação de professores ou de locais para sediar o treinamento.

Ao TSE, o candidato alegou que, se não há comprovação de dolo na tomada de contas especial julgada pelo TCU, está ausente também sua comprovação para fins eleitorais. O argumento não foi considerado pelo relator, ministro Carlos Horbach.

"Assentado pelo TCU que os valores repassados em convênio foram empregados de forma irregular, não há como entender que comportamento não tenha sido deliberado", disse, ao identificar o dolo específico. "Não se trata de aspectos marginais do convênio, que seriam sujeitos a alguma variação por inaptidão do gestor. Trata-se do núcleo do que seria mais essencial nesse pacto", ressaltou.

Assim, concluiu que estavam reunidos todos os requisitos cumulativos necessários para decretar a inelegibilidade pelo artigo 1º, inciso I, alínea "g" da LC 64/1990: contas rejeitadas por ato doloso de improbidade, reconhecido em decisão colegiada irrecorrível que não se encontra suspensa ou anulada via decisão judicial.

"Se houve convênio, houve repasse de dinheiro. Tem que haver comprovação. No caso, não há qualquer comprovação. Como exigir mais do que isso [para configuração do dolo específico]?", indagou o ministro Alexandre de Moraes.

Ele afirmou que a importância do precedente está em evitar que gestores públicos brasileiros, surpreendidos por irregularidades nas contas, simplesmente aleguem que erraram, mas que o dinheiro foi gasto de maneira apropriada. "Isso demonstra o dolo, porque ele não prestou contas", disse.

"Uma falha ou outra, realmente, não gera improbidade. Aqui não se trata disso. Não há comprovação do uso do dinheiro. Simplesmente sumiu", acrescentou. A votação foi unânime.

ROE 0600765-75.2022.6.24.0000

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