Opinião

Basta à desinformação: do calote ao golpe

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23 de julho de 2022, 10h14

O impacto de fake news nas democracias tem sido objeto de profunda preocupação mundial. No Brasil, o ministro do STF Roberto Barroso ponderou que "a democracia precisa ser capaz de agir em legítima defesa" (Inq 4.781). Demonstrei que a aprovação do calote nos precatórios, ou seja, o descumprimento pela União das condenações judiciais, adveio de notória fake news, segundo a qual esse passivo se mostraria como um verdadeiro meteoro ao atingir as contas públicas. No mesmo sentido, os professores titulares da USP, Fernando Scaff, e da Uerj, Gustavo Binenbojm, bem como Cláudia M. Pavan.

Spacca
A ausência de miserabilidade nas contas públicas restou provada. Nada comprometeu os gastos ordinários e foram despendidos mais de R$ 300 bilhões em gastos extraordinários. Conclui-se o óbvio: havia, sim, R$ 40 bilhões para pagar precatórios — os quais passam, agora, a compor a dívida nossa de cada dia. Nesse sentido a opinião do Estadão de hoje.

No último dia 18, brasileiros e estrangeiros assistiram ao uso da mesma ferramenta — fake news — para atacar o mesmo valor — a democracia —, com uma apresentação que agrediu não só as mais comezinhas regras da nossa língua, mas, sobretudo, os fatos. A legitimidade do nosso voto foi questionada em razão do empregarmos, há décadas, urnas eletrônicas.

Jornais do mundo todo trataram do tema. O que nos importa é lembrar a existência de caminho para que a população e as instituições deem um basta à desinformação, que ataca o pilar de qualquer Estado em que seja viável viver, qual seja, a democracia.

Para a população, a eleição está na esquina. Para as instituições, o caminho foi conferido pelos legitimados: tanto as fake news quanto o calote nos precatórios já foram judicializados. A gravidade desses temas impõe "jogar água quente na fervura", sob pena de comprometer a tal legítima defesa da democracia.

É que de julho a dezembro de 2021 autoridades dos mais diversos matizes alertaram para a inconstitucionalidade e para os danos econômicos das Emendas do Calote, sem que tenha logrado evitá-lo: a Instituição Fiscal Independente (IFI), em diversos de seus pronunciamentos; a OAB, em manifesto; o Iasp; os ex-ministros da Economia, Maílson da Nóbrega, Eduardo Guardia e José Serra; o ex-presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro; o ex-ministro do Planejamento, Pedro Parente; o ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda, Amaury Bier; o ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Luiz Gonzaga Belluzzo; o ex-presidente do Bacen, Henrique Meirelles; o secretário da Fazenda e Planejamento do estado de São Paulo, Felipe Salto; o ex-diretor do Bacen, Alexandre Schwarstsman; os ex-secretários do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida e Carlos Kawall; o vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos; Affonso Celso Pastore; Everardo Maciel; o ex-superintendente do BNDES, José Roberto Afonso; Elena Landau; Rodrigo Maia; o professor titular de direito da Uerj, Gustavo Binembojm; o professor titular da USP, Fernando Scaff; o ex-advogado geral da União, Luís Adams; o ex-presidente da OAB, Felipe Santa Cruz; o presidente da Comissão de Precatórios da OAB, Eduardo Gouvêa; Hamilton Dias de Souza e Daniel Szelbracikowski; Marçal Justen Filho; o consultor do Insper, Marcos Mendes; a professora da FGV-Law, Tathiane Piscitelli, Cláudia F. Morato Pavan; o consultor legislativo na área de orçamento e tributação para o Senado, Hipolito Gadelha; eu mesmo; isso sem falar nos mais diversos analistas econômicos, Ana Carla Abrão, Adriana Fernandes; Rosana Hessel; Carlos Sardenberg; Celso Ming, Isabela Bolzani, Anna Russie e Cecília Gelenske, Mariana Carneiro; Camilla Veras Mota, por exemplo. Também os editoriais.

Em que pese todo esforço, ouvidos moucos levaram ao calote nos precatórios. Em só um dos tribunais do Brasil registra-se que "dos 42.083 credores de precatórios de natureza alimentar, apenas 207 credores receberão valores parcialmente", sendo que nenhum dos credores de precatório comum receberá o quanto lhe é devido.

Os fatos atropelam a Justiça. É assim desde sempre. Tanto que a jurisdição é, em regra, reparadora. De toda forma, "justiça que tarda é justiça que falha" (Gustav Radbruch). Tanto mais falha quanto mais graves são as lesões. As consequências políticas dessa mora jurisdicional são bem ponderadas em artigo de Álvaro Gribel. O repetido e doloso uso de fake News, a pôr em jogo a democracia, é tema que demanda apreciação urgente. Aguardamos, todos nós, a pronta resposta do Judiciário, a restabelecer a verdade e a força de suas decisões.

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