Público x Privado

O precatório e a gestão das ações judiciais da União

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9 de agosto de 2021, 16h32

Na semana passada, o ministro da Economia, Paulo Guedes, declarou-se surpreendido com o incremento significativo do volume de valores a serem pagos por precatórios em 2021. Foi um aumento de R$ 55 bilhões em 2020 para R$ 89 bilhões em 2021, o que corresponde a um acréscimo de mais de 60% de um ano para o outro.

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Logo no início da controvérsia, verificou-se que parte significativa dos valores acrescidos de um ano para o outro referem-se a quatro ações judicias em tramitação no Supremo Tribunal Federal, responsáveis por cerca de R$ 16 bilhões, como noticiado aqui na ConJur.

Imediatamente após a "surpresa" do ministro da Economia, surge a solução apontada para equacionar a dívida: parcelar os pagamentos que sejam superiores a determinado montante ainda a ser fixado. Essa proposta suscitou uma enxurrada de críticas de articulistas econômicos e juristas, bem como da OAB, de empresários e trabalhadores. Da mesma forma, a manifestação de surpresa do ministro resultou em uma inédita nota pública da Advocacia-Geral da União defendendo a sua atuação e informando que os órgãos da administração, Ministério da Economia incluído, estavam cientes previamente da existência do passivo judicial referido.

Não vou aqui discutir a constitucionalidade de uma nova emenda constitucional para regular os precatórios (tema já objeto de cinco emendas constitucionais: 20/1998, 30/2000, 37/2002, 62/2009 e 94/2016). Registre-se que a regulação do precatório judicial já é, isolada ou em conjunto com outras matérias, objeto de 25 ações diretas de inconstitucionalidade que tramitam no Supremo Tribunal Federal.

O que pretendo discutir aqui é a gestão (ou sua falta) dos passivos judiciais por parte da União.

A advocacia pública tem obtido diversos instrumentos de gestão dos passivos judiciais desde 1993, quando foi incorporada ao ordenamento jurídico a Lei Complementar 73. Foi aprovada a Lei dos Juizados Especiais Federais; foram aprovados diversos enunciados vinculantes no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e súmulas vinculantes pela Advocacia-Geral da União; foi adotada a Lei de Mediação com o Setor Público (Lei 13.140, de 2015) e, mais recentemente, foi adotada a Lei de Transação Tributária (Lei 13.988, de 2020). Esse arcabouço legal é apenas uma parcela do instrumental jurídico colocado à disposição do setor público para impedir a crescente judicialização. Então, por que o volume de passivos?

A explicação convencional é de que a sociedade brasileira é altamente litigiosa e a ação judicial no Brasil é muito barata, e até incentivada. Todavia, isso é uma explicação parcial.

Na verdade, a cultura de litigar também é uma cultura de conforto, já que os processos judiciais podem facilmente durar anos e décadas. O tema do Fundeb, razão do "espanto" do ministro da Fazenda é matéria que já está em debate há pelo menos 20 anos. Da mesma forma, múltiplas controvérsias com o Estado perduram por diversos anos sem uma perspectiva de resolução. A controvérsia com o município de São Paulo em face do chamado Campo de Marte (área expropriada pelo governo de Getúlio Vargas) já tramitava havia 70 anos quando o Superior Tribunal de Justiça veio a julgar a matéria em desfavor da União.

Todas as matérias de longa tramitação sofrem de dois males patentes: 1) inconstância e flutuação da jurisprudência, em face da distância do fato e do resultado; e 2) efeitos econômicos significativos e crescentes, causando uma aparente perplexidade de todos quando o resultado finalmente é alcançado e conhecido.

Portanto, o problema que leva ao crescimento significativo dos passivos judiciais e ao incremento dos precatórios resulta, igualmente, da forma com que o Estado percebe e administra o conflito judicial. Ele é um problema que pode ser adiado para o futuro. Não é tema do presente, mas da próxima geração. É esse comportamento que verificamos na própria solução dada pelo ministro da Economia ao caso: vamos postergar mais essa dívida, ou, como disse a jornalista Miriam Leitão, vamos pedalar a dívida. Os governadores interessados já procuraram a União para resolver o assunto sem que tenham obtido um encaminhamento adequado.

A referida forma de administrar passivos e conflitos é altamente equivocada e consideravelmente danosa para o Estado. Equivocada por apenas criar bolas de neve que acabam por se tornar avalanches e danosa, pois força a atuação judicial no seu limite, incentivando uma atuação temerária por parte da advocacia pública e erodindo a credibilidade da própria gestão pública.

O Estado deveria promover uma política intensiva de conciliação com os cidadãos, criando soluções imediatas para a realidade presente (e não problema para a realidade futura). Rever os seus atos e aceitar a razoabilidade dos pleitos do cidadão brasileiro é uma forma de evitar a permanência de disputas desnecessárias.

Essa é uma reforma que todos, com certeza, apoiariam, e não uma reforma para a postergação de dívidas e a permanência da falta de razão e bom senso.

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