'Caso bizarro'

Dúvida por autofalsificação de assinatura faz TSE validar candidatura de deputado

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17 de junho de 2021, 17h25

A existência de dúvida razoável acerca da falsificação da assinatura do presidente estadual do Partido Social Cristão do Amapá autorizando advogado a litigar pela regularização da prestação de contas da legenda levou o Tribunal Superior Eleitoral a admitir como lícita a tramitação da ação que, ao fim e ao cabo, permitiu que candidatos concorressem nas eleições de 2018.

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Presidente do PSC-AP teria falsificado a própria assinatura para, depois, derrubar a ação que permitiu a eleição de deputado
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Com esse resultado, o TSE reformou decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Amapá para julgar improcedente pedido de impugnação de todas as candidaturas do PSC amapaense nas eleições para a assembleia legislativa local. O julgamento foi resolvido por maioria de votos.

Assim, Zezinho Tupinambá — o único eleito da legenda — mantém seu mandato, pelo menos por enquanto. Ele é alvo de outra ação em julgamento no TSE na qual pede-se sua cassação por compra de votos em 2018. Este caso começou a ser julgado na terça-feira (15/6) e foi paralisado por pedido de vista do ministro Luiz Edson Fachin.

O processo julgado nesta quinta foi destacado por ministros como incomum na pauta da corte. Presidente do TSE, o ministro Barroso classificou-o como "uma história bem bizarra" ao proferir o voto. Prevaleceu o entendimento do relator, ministro Mauro Campbell, que afastou a ilegalidade das candidaturas e privilegiou a soberania popular.

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Para ministro Mauro Campbell, dúvida é suficiente para privilegiar a saída que mantém o resultado obtido nas urnas 

Caso Bizarro
O problema começou quando o PSC teve suas contas rejeitadas referentes ao exercício de 2015, julgadas "não prestadas" pelo TRE-AP. Apenas em 2018 um advogado da legenda apresentou procuração e ajuizou pedido de regularização de tais contas, com pedido de liminar de suspensão dos efeitos do julgamento.

A liminar foi deferida, e foi essa decisão que permitiu ao PSC do Amapá obter o Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (Drap), necessário para registrar candidaturas e concorrer nas eleições de outubro de 2018.

Em 6 de agosto daquele ano, o então presidente do PSC amapaense, Valdenor Guedes, foi casualmente à sede TRE-AP, onde perguntou pelo processo e identificou que a assinatura na procuração, conferida ao advogado para ajuizar o pedido de regularização de contas, havia sido falsificada.  

A Polícia Federal periciou o material e confirmou não ser a assinatura de Valdenor Guedes. O laudo, no entanto, abriu um parêntese para a possibilidade de autofalsificação pelo próprio presidente da legenda. Ele teria assinado de forma diferente justamente para alegar a invalidade do documento, se necessário.

Por esse fato, a 2ª Zona Eleitoral da Macapá recebeu denúncia contra Valdenor Guedes, pelos crimes de dar causa à instauração de processo atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente (artigo 326-A do Código Eleitoral) e inserir declaração falsa em documento público para fins eleitorais (artigo 350).

Carlos Moura/SCO/STF
Ministro Luís Roberto Barroso definiu o caso como "uma história bem bizarra"
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Dúvidas eternas
Durante toda a apreciação do processo, os ministros do TSE levantaram muitas dúvidas. Qual seria a motivação do advogado para protocolar um pedido de regularização para permitir a participação da legenda em eleições, com base na assinatura falsa de um presidente? Essa mesma procuração seria mesmo necessária, já que o caso era de urgência? Também não se sabe por que um presidente de legenda se oporia à regularização das contas.

Relator, o ministro Mauro Campbell analisou todo esse contexto e concluiu que o advogado que patrocinou a regularização das contas partidárias do PSC relativas ao ano de 2015 agiu em consonância com a direção partidária — mesmo que a assinatura da procuração possa não ser do presidente.

Assim, apesar de o laudo confirmar que a assinatura na procuração é falsa, o próprio perito, ao abrir a hipótese da autofalsificação, cria uma dúvida razoável que deve ser interpretada em favor da elegibilidade e do resultado das urnas. O processo criminal contra o presidente só amplia essas dúvidas.

Esse entendimento foi acompanhado pelos ministros Sergio Banhos, Carlos Horbach, Alexandre de Moraes, Luís Felipe Salomão e Luís Roberto Barroso. "A história tem peças que não se harmonizam, o que leva à opção pela manutenção da soberania popular e do voto que foi manifestado na urna", disse o presidente do TSE, ao concluir o julgamento.

Carlos Moura/SCO/STF
Para ministro Luiz Edson Fachin, se a assinatura é falsa, procuração, Drap e candidaturas não se sustentam
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Procuração falsa
Abriu a divergência com voto-vista nesta quinta o ministro Luiz Edson Fachin. Para ele, um dos pontos em que não há dúvidas é quanto à falsidade da assinatura na procuração, como atestado por perito da Polícia Federal. Logo, o documento não serviria para propor a regularização das contas, o que impediria a obtenção do Drap, as candidaturas e a própria eleição de Zezinho Tupinambá.

"A presunção de legitimidade dos documentos apresentados decorre da assinatura do advogado na petição que as introduz. Essa presunção restou comprometida", afirmou o ministro. "Não se revela possível emprestar à decisão judicial o condão de afastar a pecha de falsidade do instrumento de mandato", acrescentou.

Também defendeu que não se deve conceder maior força a uma dúvida deduzida em juízo — a possibilidade de ter havido a autofalsificação — do que a uma certeza técnica, de que a assinatura foi falsificada por alguém.

"Não há dúvida de que a assinatura é falsa. Portanto, a regularização das contas foi feita por quem não tinha poderes para tanto. O que pode existir é a dúvida sobre as motivações. Mas essa perquirição psico-política transcendental refoge da normatividade jurídica em sentido estrito", disse Fachin.

"Uma procuração em relação a qual há uma falsidade da qual ninguém dúvida, mas os motivos que podem ter levado a essa falsidade a tornam válida? É uma nova teorização", criticou.

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