Retrospectiva 2021

Em setembro, tensão entre Bolsonaro e STF chegou ao ápice

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29 de dezembro de 2021, 8h20

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A tensão entre Executivo e Judiciário chegou ao ápice no feriado de 7 de Setembro de 2021. Em meio a manifestações marcadas pelo discurso golpista, o presidente Jair Bolsonaro fez declarações que esgarçaram ainda mais sua já desgastada relação com o Supremo Tribunal Federal.

Em ato na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, o mandatário atacou diretamente os ministros do STF Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso e chegou a pregar a desobediência a decisões judiciais. "Ou o chefe desse Poder [Fux] enquadra o seu [ministro] ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos", disse, referindo-se a decisões de Moraes contra militantes bolsonaristas.

Pouco depois, desta vez em manifestação na avenida Paulista, o presidente manteve o tom dos ataques e voltou a ameaçar o STF. "Qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou", disse.

As declarações foram recebidas com revolta pela comunidade jurídica. O grupo Prerrogativas publicou nota de apoio e solidariedade ao ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. "Bolsonaro encarna o avesso dos compromissos precípuos do cargo que ocupa e promove delituosa campanha contra um magistrado de perfil honesto e capacitado, que tem agido com admirável coragem em defesa da higidez do nosso Estado de Direito, coibindo abusos praticados em desfavor das instituições democráticas", escreveu o grupo em nota.

O presidente do STF, ministro Luiz Fux, também reagiu duramente às declarações de Bolsonaro. "Ofender a honra dos ministros, incitar a população a propagar discurso de ódio contra a instituição do Supremo Tribunal Federal e incentivar o descumprimento de decisões judiciais são práticas antidemocráticas, ilícitas e intoleráveis em respeito ao juramento constitucional que todos nós fizemos ao assumirmos uma cadeira nesta Corte", salientou.

O ministro Luís Roberto Barroso também rebateu os ataques. "A falta de compostura nos diminui perante nós mesmos. Não podemos permitir a destruição das instituições para encobrir o fracasso econômico, social e moral que estamos vivendo", disse.

A temperatura arrefeceu após a presidência divulgar uma mensagem conciliatória redigida em encontro de Bolsonaro com o ex-presidente Michel Temer.

No texto, o presidente baixa o tom em relação a Alexandre de Moraes — que na carta é tratado como "jurista" e "professor" — e prega a harmonia entre os Poderes da República. O recuo de Bolsonaro rendeu ainda uma ligação, mediada por Temer, ao ministro do Supremo.

MPs das Fake News
Também em setembro, a Medida Provisória 1.068/2021 conhecida como a MP das Fake News —, que restringe a retirada de conteúdo das redes sociais, foi motivo de outra turbulência envolvendo o STF e o Congresso na semana do feriado.

Editada pelo presidente Bolsonaro às vésperas dos protestos golpistas de 7 de setembro, a medida foi suspensa liminarmente pela ministra Rosa Weber, com base no entendimento de que medidas provisórias não podem dispor de direitos fundamentais.

A MP foi devolvida ao governo pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), no dia 14/9. O parlamentar entendeu que a medida era inconstitucional e traria insegurança jurídica.

Com a devolução da MP pelo Senado, Rosa decidiu adiar a apreciação do caso pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal.

"Tendo em vista a perda superveniente de objeto das presentes ações diretas de inconstitucionalidade, prejudicada a submissão da medida cautelar a referendo do Plenário desta Suprema Corte, impondo-se, pois, o cancelamento da sessão virtual extraordinária agendada", disse a ministra em seu despacho.

Veja as principais notícias do mês na coluna Resumo da Semana

4/9 – Tributação de dividendos de profissionais liberais foi o destaque

11/9 – Atos golpistas de Bolsonaro e novas crises institucionais foram o destaque

18/9 – Impasses em torno da MP das Fake News e do marco temporal foram destaque

25/9 – Taxa Selic nas declarações de inconstitucionalidade foi o destaque

Marco temporal das terras indígenas
Outro tema relevante sob a apreciação dos ministros foi o julgamento do marco temporal para demarcação de terras indígenas.

Relator do processo, o ministro Edson Fachin votou contrariamente à tese do marco temporal — segundo a qual os indígenas têm direito somente às terras que ocupavam na data da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988.

O ministro Nunes Marques, por sua vez, votou a favor. No dia 15/9, contudo, o julgamento foi paralisado por pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.

Entrevista do mês
O PT errou ao patrocinar tanto a legislação autoritária quanto ao inaugurar a era das grandes "operações da Polícia Federal", a pretexto de combater a corrupção. A autocrítica é do secretário geral do partido, deputado federal Paulo Teixeira (SP), em entrevista à ConJur.

Spacca
O parlamentar reconhece que o partido caiu na própria armadilha ao gestar leis, durante os governo de Lula e Dilma (2003 e 2016), como a da Ficha Limpa, da Colaboração Premiada, da Lei Anticorrupção ou da atualização da Lei da Improbidade Administrativa.

"Todas essas propostas que o Brasil adotou foram a partir de sugestões de organismos internacionais. Essa é a armadilha, porque você fica pensando: 'Bom, se vem de um organismo internacional, trata-se da melhor solução porque já foi lapidada, e elaborada por um grupo de países'. Só que atrás dessas sugestões vêm os interesses de outros países, econômicos, que não adotam as mesmas medidas na sua origem", disse o advogado formado pela Faculdade de Direito da USP.

O paulista Luiz Paulo Teixeira Ferreira, 60, que também é professor, falou de como está nossa "fábrica de leis", o Congresso, de Ministério Pública, da "nova" e da "velha" política, de imprensa e opinião pública.

Veja outras entrevistas de setembro:
* Rebeca Müller, advogada: "Dados fiscais sigilosos não têm proteção suficiente no Brasil"

* Nelson Willians, advogado: "Normas para publicidade evoluíram, mas ainda estão aquém do ideal"

*Messod Azulay Neto, presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região: "Justiça precisa de novo modelo de gestão"

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