Caso Mariana Ferrer

Justiça deve ser instrumento de acolhimento, não de humilhação

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3 de novembro de 2020, 18h20

A seccional catarinense da Ordem dos Advogados do Brasil informou que vai enviar um ofício pedindo esclarecimentos preliminares ao advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, que atuou na defesa do empresário André de Camargo Aranha, envolvido numa denúncia de estupro contra a influencer Mariana Borges Ferreira, conhecida como Mariana Ferrer.

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Condução do julgamento provocou críticas do ministro Gilmar Mendes e pedido de apuração no Conselho Nacional de Justiça
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A entidade explica que processos disciplinares tramitam no Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SC e são sigilosos até o seu desfecho. A seccional também informa que nos últimos cinco anos foram aplicadas 664 penas de suspensão pela entidade e 28 advogados acabaram expulsos.

A atuação de Rosa Filho no julgamento que inocentou o empresário vem sendo bastante questionada pela comunidade jurídica. Na audiência, cujas imagens foram publicadas em reportagem do site The Intercept Brasil e viralizaram nas redes sociais, o defensor apresenta fotos produzidas por Mariana e publicadas em seu perfil no Instagram que ele classificou como "ginecológicas" e disse, entre outras coisas, que "jamais teria uma filha" do "nível de Mariana".

O advogado também afirmou que Ferrar estava fazendo um "showzinho" e que o seu "ganha pão era a desgraça dos outros". O modo como Rosa Filho inquiriu Mariana, a atuação do Ministério Público e do juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, foram objetos de crítica do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal.

"As cenas da audiência de Mariana Ferrer são estarrecedoras. O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação. Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram", pontuou o ministro.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, por sua vez, afirmou que o caso está sendo apurado pela Corregedoria Geral por meio do ofício enviado pela Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres no último dia 19 de setembro.

CNJ vai apurar atuação de juiz
O conselheiro Henrique Ávila, do Conselho Nacional de Justiça, enviou nesta terça-feira (3/11) ofício para corregedora nacional de Justiça, ministra Thereza de Assis Moura, pedindo que se apure a conduta do juiz Rudson Marcos.

"Causa-nos espécie que a humilhação a que a vítima é submetida pelo advogado do réu ocorre sem que o juiz que preside o ato tome qualquer providência para cessar as investidas contra a depoente. O magistrado, ao não intervir, aquiesce com a violência cometida contra quem já teria sofrido repugnante abuso sexual. A vítima, ao clamar pela intervenção do magistrado, afirma, com razão, que o tratamento a ela oferecido não é digno nem aos acusados de crimes hediondos", diz trecho do documento.

Já a Associação dos Magistrados Catarinenses divulgou nota pública em que defende a a atuação do juiz. O texto assinado pela presidente da entidade, a juíza Jussara Schittler dos Santos Wandscheer, afirma que a decisão do caso foi amplamente fundamentada. "Eventual descontentamento com decisão judicial deve ser apresentado na forma legal, por meio dos recursos cabíveis que estão à disposição da vítima e de seus representantes legais."

Na noite desta terça, o Senado aprovou por unanimidade voto de repúdio ao advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, ao juiz Rudson Marcos, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, e ao promotor de Justiça Tiago Carriço de Oliveira, "por deturparem fatos de um crime de estupro com base em acusações misóginas".

Larissa Pinho, vice-presidente e diretora acadêmica do Fórum Nacional dos Juízes Criminais, defendeu a proteção da vítima com base na Constituição. “Precisamos ter em mente que todas as vítimas de crime precisam ser protegidas. A proteção à vítima não pode ser seletiva, ao contrário, deve ser ampla e irrestrita. Vítima é vítima, em qualquer crime e circunstância. A questão é que se há flexibilização para uma situação, outras também serão flexibilizadas. A proteção à vítima deve ser observada de acordo com os princípios constitucionais”.

Clique aqui para ler ofício do conselheiro Henrique Ávila

*Texto atualizado às 20h45 do dia 3/11/2020 e às 10h33 do dia 4/11/2020 para acréscimo de informações.

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