Direito em pós-graduação

Produtos para a saúde: medidas excepcionais em tempos de Covid-19

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28 de abril de 2020, 8h00

ConJur
A situação atual de emergência da saúde, em razão da Covid-19, requer medidas excepcionais por parte do Governo Federal e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

No âmbito dos produtos para a saúde, o Governo Federal e a Anvisa têm adotado medidas liberatórias para o mercado. Exemplo disso são a Medida Provisória nº 926/20 e a Resolução RDC Anvisa 356/20.

A Medida Provisória nº 926/20 altera alguns dispositivos da Lei nº 13.979/20, notadamente o artigo 4º, e inclui o artigo 4-A. Ou seja, é dispensável a licitação para adquirir bens destinados ao enfrentamento da emergência da saúde pública decorrente da Covid-19, sendo que a aquisição de bens “não se restringe a equipamentos novos, desde que o fornecedor se responsabilize pelas plenas condições de uso e funcionamento do bem adquirido” 1.

Na prática, no âmbito de produtos para a saúde, isso significa que a partir da publicação da Medida Provisória nº 926/20, que se deu em 20.3.20, as empresas do setor de produtos para a saúde podem comercializar produtos para a saúde usados (produtos e equipamentos médicos), desde que sejam destinados ao combate à Covid-19 e que o fornecedor se responsabilize pelas condições de uso e funcionamento.

A autorização, concedida pela Medida Provisória nº 926/20, contraria a Resolução RDC Anvisa 25/01 que proíbe, expressamente “a importação, comercialização e ou recebimento em doação de produto para saúde usado, (…), destinado a uso no sistema de saúde do País” 2.

A partir disso, há um aparente conflito de normas entre a Medida Provisória nº 926/20 e a Resolução RDC Anvisa 25/01. Por um lado, há medida provisória, autorizando o comércio de produto usado em situação excepcional. E, de outro lado, resolução da Anvisa que proíbe genericamente o comércio de produtos para a saúde usados.

Diante da hierarquia das normas e considerando que a Medida Provisória nº 926/20 tem força de lei e a Resolução RDC Anvisa 25/01 é ato normativo inferior a decreto, a Medida Provisória nº 926/20 prevaleceria à Resolução RDC Anvisa 25/01.

Vale lembrar que medidas provisórias só possuem vigência de 60 (sessenta) dias, prorrogáveis por igual período. Para conversão em lei, é necessário a aprovação pelas Casas do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal). No cenário em tela, caso o Congresso Nacional não aprove a Medida Provisória nº 926/20, a situação volta ao status anterior: proibição do comércio de produtos para a saúde usados.

Ou seja, excepcionalmente e no contexto de enfrentamento à pandemia da Covid-19, estaria permitido o comércio de produtos para a saúde usados, enquanto válida a Lei nº 13.979/20, com as alterações promovidas pela Medida Provisória nº 926/20.

Outra medida excepcional adotada com relação aos produtos para a saúde diz respeito à Resolução RDC Anvisa 356/20, sobre os requisitos para a fabricação, importação e aquisição de dispositivos médicos tidos como prioritários para uso em serviços de saúde em virtude da pandemia da Covid-19.

Em síntese, a Resolução RDC Anvisa 356/20 determina que a fabricação e a importação de alguns produtos para uso em serviços de saúde ficam, excepcional e temporariamente, dispensados de Autorização de Funcionamento (AFE), de notificação do produto à Anvisa e de outras autorizações sanitárias3. Os produtos abrangidos pela Resolução são: (i) máscaras cirúrgicas; (ii) respiradores particulados N95, PFF2 ou equivalentes; (iii) óculos de proteção; (iv) protetores faciais (face shield); (v) vestimentas hospitalares descartáveis (aventais / capotes impermeáveis e não impermeáveis); (vi) gorros e propés; e (vii) válvulas, circuitos e conexões respiratórias, para uso em serviços de saúde4.

A Resolução RDC Anvisa 356/20 determina, ainda, que o fabricante ou importador é responsável por garantir a qualidade, a segurança e a eficácia dos produtos fabricados em conformidade com a referida Resolução RDC5, bem como apresenta as normas técnicas que devem ser observadas na fabricação de um dos produtos6. Isso tudo para, em tese, garantir a segurança e proteção dos usuários dos equipamentos de proteção individual (“EPIs”).

Os estabelecimentos estão sujeitos às inspeções e fiscalização das Autoridades Sanitárias, podendo sofrer sanções administrativas em caso de descumprimento da regulação. A Resolução RDC Anvisa 356/20 tem validade de 180 (cento e oitenta) dias7.

Isso quer dizer que, em situação similar a comentada cima, a Anvisa permitiu a fabricação e a importação de determinados produtos sem a necessidade de regularização da empresa e do produto perante a Agência, enquanto vigorar a Resolução RDC Anvisa 356/20. Porém, a responsabilidade pelo produto cabe igualmente ao fabricante ou importador.

Quanto à responsabilidade, em ambas as medidas, o Governo Federal e a Anvisa houveram por bem esclarecer que a responsabilidade pelos produtos é exclusiva das empresas que os fabriquem, importem, comercializem. É dizer, os produtos devem estar em plenas condições de uso, não apresentarem defeitos e não causarem danos a terceiros.

Caso venham a causar danos, há duas principais situações a serem analisadas: (i) no âmbito civil, entre a empresa e os usuários e adquirentes do produto; e (ii) no âmbito do direito do consumidor, entre a empresa e os pacientes. Porém, as situações não fogem do já enfrentado pelas empresas do setor.

No âmbito civil, a empresa estaria sujeita a responsabilização em caso de dano por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, devendo reparar o dano causado (artigos 1868 e 9279, ambos do Código Civil).

Já, no âmbito do direito do consumidor, caso o produto venha a causar algum dano ao paciente em razão de seu uso, a empresa responderia, independentemente de culpa, ficando obrigada a repará-lo (art. 1210 do Código de Defesa do Consumidor).

As medidas excepcionais adotadas pelo Governo Federal e pela Anvisa parecem ser positivas para o setor de produtos para a saúde. Resta verificar a adesão das empresas às excepcionalidades concedidas.

Esta coluna é produzida com a colaboração dos programas de pós-graduação em Direito do Brasil e destina-se a publicar materiais de divulgação de pesquisas ou estudos relacionados à pandemia do Coronavírus (Covid-19).


1 Artigo 4º-A da Lei nº 13.979/20, redação dada pela Medida Provisória nº 926/20.

2 Artigo 1º da Resolução RDC ANVISA nº 25/01.

3 Artigo 2º da Resolução RDC ANVISA nº 356/20.

4 Artigo 2º da Resolução RDC ANVISA nº 356/20.

5 Artigo 4º da Resolução RDC ANVISA nº 356/20.

6 Artigos 5º e seguintes da Resolução RDC ANVISA nº 356/20.

7 Artigo 12 da Resolução RDC ANVISA nº 356/20.

8 “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

9 “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

10 “Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. § 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I – sua apresentação; II – o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III – a época em que foi colocado em circulação (…)”.

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